“O regionalismo é uma das coisas mais bonitas da culinária brasileira”, diz o chef Adriano de Laurentiis
À frente do restaurante Cais, o cozinheiro participa da nova série 3X4 da Versatille a respeito do olhar da nova geração sobre a gastronomia
A gastronomia não foi um caminho óbvio na vida do chef Adriano de Laurentiis. Nascido em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, sua primeira opção de carreira foi a publicidade – uma área que o levou diretamente para a capital em busca das melhores faculdades e vagas de emprego. Mesmo diante de grandes agências, no entanto, o meio de atuação não conquistou o coração de Adriano. Na realidade, o que preenchia seu tempo naquela época era cozinhar e pesquisar receitas. Resumidamente, foi de forma despretensiosa que ele descobriu sua vocação para a culinária.
Aos 24 anos, mudou de área e se jogou no universo dos restaurantes. Trabalhou em diversas casas paulistas e partiu para terras internacionais. Em Oslo, na Noruega, estagiou no Maaemo, o primeiro restaurante da Escandinávia a receber três estrelas Michelin. De volta ao Brasil, ainda passou por mais alguns restaurantes até decidir abrir o Cais, uma simpática casa na Vila Madalena que busca entregar um cardápio com gostinho de mar no meio da capital paulista. Atualmente, o chef está em destaque por conta de sua participação no novo seriado Iron Chef, da Netflix, que foi lançada no início de agosto.
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Segundo participante da nova série 3X4 da Versatille, o jovem cozinheiro respondeu a algumas perguntas sobre sua história e sua visão gastronômica. Confira a seguir.
Versatille: Quando e por que decidiu se tornar cozinheiro?
Adriano de Laurentiis: Eu sou formado em publicidade na ESPM. Fui trabalhar em agência e não gostei, então acabei indo para uma produtora de audiovisual, onde fiquei uns dois anos. Lidei com muitos projetos diferentes, mas não era isso que eu realmente queria. Nesse tempo todo, morando sozinho em São Paulo, comecei a cozinhar por questão de sobrevivência. Gostava muito de comer, então passei a me aprofundar nas pesquisas de gastronomia. Procurava receitas no YouTube e lia livros, até que esse estudo acabou se tornando maior do que minha profissão. Eu passava muito tempo no trabalho lendo sobre comida. Era meu maior interesse. Foi aí que decidi largar as agências e trabalhar em restaurantes. Comecei a cursar gastronomia, mas não terminei. Vi que, para mim, a questão era maior do que a simples comida. Eu gostava de estar nos restaurantes. Dá para trabalhar com comida sem ter um restaurante, mas fui muito fisgado pela operação, pela equipe e pelo clima. Essa foi a virada da minha vida. Passei a frequentar diversos estabelecimentos, entender o funcionamento de restaurantes na Europa e aprender a gestão das melhores casas.
V: Como descreveria seu estilo de cozinha?
AL: No Cais a gente busca fazer uma comida muito despretensiosa, sempre trabalhando com os melhores produtos, mas de forma descomplicada. Queremos que as pessoas se interessem pela comida por meio da identificação: aquela comida que você prova e ela logo remete a alguma coisa. Não é aquele criativo que vira conceitual; é uma criatividade que apresenta um prato familiar executado de uma maneira a que as pessoas não estão acostumadas. Para fazer isso, temos todo o nosso background técnico no backstage do restaurante. Queremos entregar na mesa um prato com cara de comida, que não assuste e que traga sabores familiares bem executados.
V: O que busca transmitir por meio de seus pratos?
AL: Eu quero que as pessoas se divirtam, que elas tenham um bom almoço ou uma boa janta, sejam bem atendidas e comam bem. Esse é o pacote que almejamos. Raramente fazemos um trabalho para aparecer e dar destaque a nossa criatividade. Nosso foco realmente é em quem está lá em nosso espaço comendo. Temos uma preocupação muito grande com detalhes que fazem a diferença.
V: Para você, o futuro da cozinha é…?
AL: Eu vejo a gastronomia brasileira avançando demais, com muita gente nova fazendo coisas legais. Em resumo, o mercado está se profissionalizando cada vez mais. Ser cozinheiro virou uma opção de carreira válida, e isso é bem bacana porque cada um tem seu gosto na cozinha, e isso traz muita diversidade para o mercado. Eu trabalho com peixes e posso dizer que existe bastante coisa para pesquisar sobre o assunto. Tem outras pessoas que utilizam o mesmo insumo e a comida é completamente diferente da minha. Isso é muito incrível. Traz muitas descobertas legais. Além disso, vejo um movimento bacana de troca de conhecimento entre os chefs jovens. Meu objeto de pesquisa é o peixe, o da fulana é a confeitaria, enquanto o da ciclana é a carne vermelha. Eu não preciso ser especialista em todas essas áreas, mas aprender com outros chefs é maravilhoso. Isso não era feito nas gerações passadas. Antigamente, as pessoas tinham receitas secretas e não falavam nem quem era o fornecedor. Era tudo muito mais fechado.
V: Em sua profissão, em quem se inspira?
AL: Tenho grandes amigos nessa área, pessoas que admiro demais, como Tuca Mezzomo, do Charco. Eu acompanho o cara e penso: ele é um superempresário e cozinheiro. É uma grande inspiração. Mas, no geral, sou bem sortudo, porque vivo com muita gente que me influencia diariamente. Não precisamos olhar para fora para encontrar esses modelos. Thomas Keller é inspiração para todos os cozinheiros, mas não precisamos ir tão longe. Tuca e Thiago Bañares, por exemplo, fazem um trabalho muito lindo, e são pessoas com quem eu converso e tenho trocas valiosas.
V: Qual foi o prato mais marcante que já cozinhou em sua vida?
AL: A lula do Cais é um prato que não consigo tirar do cardápio, de tanto que os clientes gostam. No fim das contas, esse é meu prato assinatura, mas não sei se ele é meu favorito. Ele é uma delícia no restaurante, mas gosto muito de cozinhar no fogão a lenha, na fazenda, uma comida mais caseira, tipo galinhada e rabada. Outro clima, porque vim do interior. O peixe entrou em minha vida quando eu já trabalhava em cozinha, mas esse jeito de fazer comida no fogão a lenha mexe comigo. Isso é pura memória afetiva. Aplicar técnicas gastronômicas em comidas rústicas é uma delícia.
V: E o prato mais marcante que já comeu?
AL: Eu trabalhei em um restaurante na Noruega que virou uma chave em minha cabeça. Era um restaurante três-estrelas Michelin, e eu trabalhava em um restaurante estrelado aqui no Brasil em que a comida não me agradava. Eu não gostava nem me identificava, embora cozinhasse ali. Quando meus pais vinham aqui eu nem os levava lá. Levava em alguma churrascaria mais simples que eu achava bem melhor. Por conta disso, peguei uma birra de restaurante estrelado. Achava que sempre seria assim. Só status e conceito. E aí fui trabalhar nesse restaurante na Noruega, e a primeira coisa que comi lá foi um pé de pato confitado com purê de foie gras, geleia de cereja e flores de trevo rosa. Extremamente conceitual. Não parece comida, parece uma escultura. Foi a primeira coisa que comi lá e me fez pensar: “Meu Deus”, logo na primeira mordida. Não sei se foi a melhor coisa que já comi, mas me marcou porque mostrou aonde era possível chegar com a gastronomia. A construção de sabor era incrível, diferente do restaurante em que eu tinha trabalhado. Isso me mostrou quanto a técnica pode ser rica na construção de pratos.
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V: O que há de mais especial na culinária brasileira?
AL: O regionalismo é uma das coisas mais bonitas da culinária brasileira. Por meio da comida vemos que cada região é um país. A comida de infância do gaúcho é diferente da minha comida de infância, que provavelmente também é diferente da comida de um jovem que cresceu na Amazônia. Essa pluralidade é muito rica. Hoje, estamos vivendo uma tendência de cozinheiros misturando pratos típicos de diversas regiões. Conseguimos encontrar um prato de pato com tucupi em São Paulo e jogar um dendê para ver o que acontece. Isso sempre rende muitas coisas legais. Isso é comida brasileira.
Por Beatriz Calais