“Não precisamos usar framboesa. Temos nossas frutas vermelhas”, diz a chef Giovanna Grossi sobre a valorização dos ingredientes nacionais

À frente do restaurante Animus, Giovanna Grossi participa da nova série 3X4 da Versatille a respeito do olhar da nova geração sobre a gastronomia

Giovanna Grossi (Foto: Gabriel Bertoncel)

Aos 30 anos, Giovanna Grossi tem um extenso currículo. Após cursar gastronomia em São Paulo, foi para a França estudar no Institut Paul Bocuse, em Lyon, e trabalhar em alguns restaurantes estrelados, como o extinto Arc en Ciel e o reconhecido Le Taillevent. Durante os mais de dois anos em que morou no berço da gastronomia mundial, também cursou confeitaria na École Alain Ducasse, até decidir mudar de ares e ir para a Espanha. Em San Sebastian, inscreveu-se no Basque Culinary Center e atuou no Quique Dacosta. Já em Barcelona, formou-se em confeitaria na Espai Sucre.

 

De volta ao Brasil, Giovanna aproveitou todo o conhecimento adquirido na Europa para participar do Bocuse d’Or, um dos principais concursos gastronômicos internacionais para jovens chefs. Em 2017, tornou-se a primeira mulher brasileira a chegar às finais mundiais. A conquista fez com que a chef se mobilizasse para criar a Academia Brasil d’Or, uma organização sem fins lucrativos para divulgar a cozinha brasileira e formar times de competição para o Bocuse d’Or. Após esse período, ainda passou um tempo na Dinamarca, onde adquiriu ainda mais conhecimento e decidiu que era hora de dar o maior passo de sua vida: abrir o próprio restaurante.

 

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O Animus foi fundado em 2020, às vésperas da pandemia de covid-19, mas, mesmo com toda a dificuldade da crise sanitária, conseguiu se destacar como um grande expoente da gastronomia brasileira. À frente da casa, Giovanna faz uma cozinha com técnica e paixão – uma característica frequente em chefs da nova geração. Embora não pareça por conta da longa e rica trajetória, ela faz parte da juventude gastronômica, trazendo um novo olhar sobre o futuro da alimentação.

 

Primeira participante da nova série 3X4 da Versatille, a jovem cozinheira respondeu a algumas perguntas sobre sua história e sua visão gastronômica. Confira a seguir.

 

Versatille: Quando e por que decidiu se tornar cozinheira?

 

Giovanna Grossi: A vida inteira eu estive envolvida na gastronomia, porque meus pais têm um restaurante em Maceió, então sem querer fui introduzida nessa vida desde muito cedo. Mesmo assim, nunca achei que seria cozinheira. Quando terminei o colégio, não sabia o que fazer, então decidi cursar gastronomia porque tinha proximidade com o assunto, mas não era uma paixão até o momento. Foi só durante o curso que realmente me apaixonei. Eu nem cozinhava em casa nessa época. Fiz dois anos de curso em São Paulo, depois fui para a França estudar e trabalhar por mais dois anos e meio, e também passei uma temporada na Espanha antes de voltar para o Brasil.

 

Giovanna Grossi (Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: Como descreveria seu estilo de cozinha?

 

GG: Minha cozinha hoje é autoral, capaz de carregar um pouco de minha história e dos meus aprendizados de cada lugar em que passei ao redor do mundo: um pouco de Alagoas, de São Paulo, da França, da Espanha e até da Dinamarca, onde também morei por um tempo.

 

V: O que busca transmitir por meio de seus pratos?

 

GG: Eu quero que as pessoas aproveitem o momento da melhor forma possível. Não só a comida, mas toda a experiência no restaurante: o atendimento, o ambiente, a apresentação dos pratos… tudo isso contribui para a vivência do cliente. Eu quero que as pessoas se sintam abraçadas com minha cozinha. É uma cozinha com alma, então quero que desfrutem o momento da melhor maneira possível. Tem clientes que chegam estressados e acabam saindo mais relaxados após a refeição. Isso é perceptível no rosto das pessoas, e é esse tipo de situação que eu quero ajudar a criar com meus pratos.

 

V: Para você, o futuro da cozinha é…?

 

GG: Trazer para mais perto nossos ingredientes. No restaurante, nós nos atentamos para comprar produtos de pequenos produtores. Nem nosso arroz é industrializado. É importante essa reeducação da cozinha de produto, na qual você sabe de onde vem o que está comendo. Isso impacta demais em uma alimentação com qualidade, então acredito que o futuro da cozinha envolva essa preocupação.

 

V: Em sua profissão, em quem você se inspira?

 

GG: Os chefs com quem trabalhei me inspiraram muito; no entanto, se for para citar apenas um nome, destaco o chef Laurent Suaudeau. Ele mora aqui no Brasil, mas conseguiu me ensinar muitos conceitos que já estavam mais desenvolvidos na Europa na época, como a cozinha de terroir e a valorização dos ingredientes nacionais. Hoje é isso que eu prezo, então ele foi um grande mentor em minha vida.

 

Giovanna Grossi (Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: Qual foi o prato mais marcante que já cozinhou?

 

GG: Temos um prato com vagem na brasa que foi criado no início do restaurante e até hoje não consigo tirar do cardápio. Eu prezo muito por trabalhar com vegetais para ter um equilíbrio alimentar, mas a vagem me surpreendeu porque é um ingrediente no qual as pessoas não enxergam potencial. E aí, quando recomendamos provar, elas adoram. Ela é assada na churrasqueira, tem crocante de castanha, azeitona, alguns condimentos. São sabores que surpreendem. Não tem quem não goste.

 

V: E o prato mais marcante que já comeu? Onde?

 

GG: Eu viajei algumas vezes para o México e fui muito marcada pela cozinha de rua deles. Visitei um lugar em que tinha tacos de absolutamente tudo, como orelhas e olhos de alguns animais. Foi algo que me chocou, mas eu provei e amei. Não sei se foi o prato de que mais gostei na vida, mas me marcou por mostrar mais uma vez quanto a gastronomia é rica e transmite muito da cultura de cada local.

 

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V: O que há de mais especial na culinária brasileira?

 

GG: O Brasil é muito grande. Temos uma diversidade de produtos tão vasta que nem os próprios chefs brasileiros conhecem todos os insumos que temos no país. Muitas vezes, conheço algum produto e me questiono: “Meu Deus, isso existe mesmo?”. Temos de valorizar essa diversidade. Não precisamos usar framboesa nem baunilha. Temos nossas frutas vermelhas. Temos nossa baunilha. Não sirvo caipirinha de morango no restaurante, mas tenho de jabuticaba. A valorização de nosso produto é muito importante.

 

Por Beatriz Calais

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