Marcas e especialistas explicam o destaque do azeite brasileiro nas últimas premiações internacionais
Apesar de uma produção inferior a outros países, o azeite nacional tem se destacado em premiações internacionais pelo seu sensorial surpreendente
Em 776 a.C., os primeiros Jogos Olímpicos aconteceram na Grécia. Dedicados a homenagear Zeus, homens de todos os cantos do país se dirigiam à cidade de Olímpia para participar de competições de corrida e pentatlo. Na hora de treinar e competir, os atletas se besuntavam em azeite de oliva para que seus corpos ficassem protegidos do sol. Para o vencedor do torneio, havia a coroação com uma grinalda de folhas de oliveira – ramos colhidos de uma árvore que ficava perto do templo de Zeus.
Símbolo de conquista, sabedoria e poder, a coroa continua sendo utilizada em diversos torneios na Grécia. Mais do que isso, tudo que advém de uma árvore de oliveira é – quase sempre – alçado à categoria de sagrado para os gregos. O país é o terceiro maior produtor de azeitona do mundo e consome 22 litros de azeite per capita por ano, batendo o recorde mundial de consumo da iguaria. Com todos esses dados e contexto histórico em mente, fica clara a ligação entre os países do mediterrâneo e a olivicultura.
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Mas qual seria a sua reação ao saber que um país do outro lado do oceano, em outro continente, começa a despontar e mostrar a cara nos concursos internacionais de azeite? Sem uma grande relação histórica e com um consumo per capita de apenas 0,5 litro por ano, o Brasil possui uma produção bem inferior a outros territórios, mas tem surpreendido o mercado pela sua qualidade.
Um dos blends da marca Sabiá, produzido na Serra da Mantiqueira, na região Sudeste, ficou entre os dez melhores azeites do mundo na edição de 2022 do Evooleum Awards. Já o Azeite Batalha Intenso, do Rio Grande do Sul, conquistou a medalha de bronze no London International Olive Oil Competition 2019, acumulando mais de 20 premiações internacionais desde o início de sua produção, em 2013. Para a Lagar H, também gaúcha de nascença, já são mais de 40 prêmios, incluindo a medalha de ouro no EVOO IOOC (International Olive Oil Content) e no NYIOOC World Olive Oil Competition, com o blend da safra 2022.
Esses são apenas alguns destaques do recente relacionamento do Brasil com a olivicultura – e não há exagero quanto ao uso da palavra “recente”. A primeira extração de um azeite extravirgem 100% brasileiro ocorreu só em 2008, no município de Maria da Fé, em Minas Gerais. A responsável pela extração foi a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), que estuda o plantio de oliveiras desde 1970, com mudas que chegaram à cidade em 1930 junto a uma família de portugueses.
“Foram feitos muitos estudos de viabilidade e melhoramento genético para que as oliveiras se desenvolvessem aqui no Brasil”, explica a azeitóloga Ana Beloto, autora do livro e do projeto “Azeite-se”, que busca incentivar o consumo do azeite nacional. “As oliveiras precisam de temperaturas marcadas, e o nosso país, por ser tropical, acabava não sendo compatível. Foi só a partir da modificação genética que as produções começaram a vingar.”
Hoje, grande parte dos produtores nacionais utilizam as mudas da Epamig ou da Embrapa, mas ainda assim, embora adaptadas ao clima brasileiro, não é em todo solo que a oliveira pode ser cultivada. Sua estrutura pede por terrenos inclinados e pedregosos, além de períodos de sol e temperatura baixa. A árvore demora pelo menos três anos para dar frutos e pede paciência. Não é fácil trabalhar com a olivicultura, mas é exatamente nessa dedicação que está o segredo para o destaque dos brasileiros em tão pouco tempo.
“Nossos produtores estão empenhados em fazer o melhor azeite possível. São pessoas focadas em qualidade, usando os melhores maquinários e estrutura de campo”, destaca Ana. O empresário Luiz Eduardo Batalha, de 75 anos, representa bem esse empenho. Imerso no agronegócio há 50 anos, ele já trabalhou com café, cana-de-açúcar, gado e até com a gestão do Burger King ao impulsionar a chegada da rede de fast food ao país. Sua visão para os negócios é ampla, mas foi apenas em 2010 que as oliveiras o fizeram se apaixonar por uma nova produção.
“Vi uma plantação na Vinícola Miolo, em Bento Gonçalves, e fiquei impressionado, porque nunca tinha pensado na possibilidade de cultivar essa planta. Voltei para a minha fazenda e já comecei o processo”, recorda Batalha. “Depois, fiz uma viagem pelos países do Paralelo 31 – uma linha no plano equatorial que envolve territórios como África do Sul, Austrália, Chile e Uruguai. Todos eles com solos propícios para plantio de parreiras e oliveiras. Fiquei ainda mais apaixonado e voltei convencido de que o azeite era um mercado muito promissor.”
Empolgado desde o início, o empresário investiu em 500 hectares de oliveiras, contratou técnicos do exterior e comprou o melhor maquinário. Em 2014, os primeiros frutos surgiram, e o Azeite Batalha começou a ser comercializado. “É um setor que precisa de grande investimento e cuidado. O azeite perfeito está dentro da fruta no pomar, por isso precisamos tomar tanto cuidado no processo de envase”, ressalta.
Glenda Haas, diretora da Lagar H, concorda com a sensibilidade do trabalho. “Nossa primeira safra foi em 2019, mas lançamos nosso azeite somente em 2021, quando tínhamos certeza de que estávamos com um produto de alta qualidade”, completa. “O mercado está sendo reconhecido, mas ainda não somos capazes de suprir nem 1% da demanda brasileira por azeites. Precisamos de incentivos fiscais para que nosso produto se torne um pouco mais competitivo, afinal, estamos lutando contra um mercado tradicional.”
De acordo com o International Olive Council (OIC), o Brasil é o segundo maior importador de azeite de oliva do mundo. Em 2021, o país importou mais de 100 milhões de litros, o que representa quase 100% do consumo nacional. “O consumidor brasileiro precisa entender que o azeite extraído aqui é melhor do que qualquer outro, pois é mais fresco. Ele não sofre com transporte por longas distâncias”, destaca Glenda.
Para Ana Beloto, é no conhecimento que está a chave para o aumento do consumo da iguaria. “Por muito tempo, achamos que o produto internacional era superior, mas temos uma qualidade indescritível no Brasil. O azeite, em sua essência, significa, em hebraico, suco de azeitona. Precisamos ter isso em mente: é um suco de uma fruta, e o frescor é importante. A produção nacional chega rápido e fácil na casa do consumidor, então não tem nada melhor do que isso.”
Sobre o sabor, a azeitóloga também explica que o produto brasileiro tem um diferencial. “Nos concursos internacionais, temos percebido que o nosso azeite tem notas de frutos tropicais, provavelmente por conta do terroir. Algumas universidades estão fazendo estudos sobre esse sensorial, mas já podemos notar essa personalidade”.
EM SOLO BAIANO
Uma das grandes provas de que há tesouros escondidos no terroir brasileiro está na notícia de que o primeiro azeite de oliva produzido na Bahia – mais especificamente em Rio de Contas, cidade da Chapada Diamantina – conquistou um prêmio internacional em 2021. O produto ganhou medalha de ouro no concurso francês Olio Nuovo – Bests of the Southern Hemisphere, realizado em Paris.
Christophe Chinchilla, à frente do Azeite Rio de Contas, conta que a ideia de produzir na região foi de seu pai, nascido e criado no sul da França. “Na Chapada Diamantina, ele encontrou um clima que lembrava sua infância. É quente durante o dia e frio de noite. Uma amplitude térmica gigantesca de até 20 graus, o que propicia o plantio de diversos insumos. Ele comprou uma fazenda experimental, plantou as mudas e esperou o processo da natureza. Em 2018, tivemos a primeira safra.”
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Sem o maquinário necessário para fazer o azeite, Chinchilla enviou a primeira colheita para a sede da Epamig, no sul de Minas, e recebeu um incentivo imediato dos sommeliers do local para que enviasse o produto para algum concurso internacional. “Ele tinha notas de banana e cacau. O terroir baiano é único”, ressalta o empresário. Após a premiação, a região ganhou muita atenção da mídia, esgotando rápido a pequena produção que a fazenda havia feito. Hoje, Chinchilla explica que seu foco está na comercialização de azeitonas – visto que o azeite precisa de um maquinário mais caro para ser produzido.
Em parceria com estabelecimentos paulistas de renome, como Casa Santa Luzia e Rosewood Hotel, a azeitona Rio de Contas é o carro-chefe para que a pequena fazenda insira o terroir da Chapada Diamantina no circuito da alta gastronomia. “Nossa região também produz cafés e vinhos excelentes, além de mangas, morangos e maçãs. É uma biodiversidade gigante que precisa ser valorizada”, conclui.
VERSATILIDADE ANCESTRAL
Percebe-se que o azeite é extremamente versátil. Na gastronomia, ele é saudável e pode ser consumido até com sobremesas. Mas o superalimento também tem uma segunda função: os gregos estavam certos. Ele é excelente para a proteção da pele. Foi pensando nisso que o Azeite Batalha, em parceria com a dermatologista Luciane Scattone, criou a Terroir Beauty – marca recém-lançada de cuidados faciais, capilares e corporais. “O azeite era chamado de ouro líquido pelos gregos, tamanho poder que tinha para a saúde e para a beleza. Estudar sobre isso é sensacional. Até a Cleópatra tomava banho de óleo de oliva É algo ancestral que demoramos muito tempo para valorizar”, destaca a profissional.
No momento, oferta três linhas faciais – preventiva, masculina e para peles maduras –, e o objetivo da marca, que começou a ser desenvolvida em 2019, é explorar os polifenóis do azeite e as vitaminas A, D e E. “Esses ativos funcionam para a proteção da pele contra o sol e contra microrganismos. Também é antioxidante e anti-inflamatório. Estamos usando o óleo puro, e não a essência do azeite, e por isso nosso produto tem tanto potencial”, explica. Tendência no exterior há algum tempo, esse é mais um esforço para inserir o Brasil no mercado mundial de olivicultura.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 128 da Versatille