Com imersão no cerrado, a Pousada Trijunção se destaca no turismo ecológico nacional

Visando a preservação do cerrado, a hospedagem oferece uma experiência educativa em um dos biomas mais ricos do planeta

Buriti, um dos maiores lobos-guarás avistados nas proximidades (Foto: Vinícius Vianna)

“Ouviu isso?”, perguntou Elisângela, a terapeuta, durante a massagem no spa da Pousada Trijunção. “Vamos sair para tentar ver?”, questionou ela novamente após o barulho ter se repetido. No meio do cerrado, é claro que esse é um convite irrecusável. Em poucos segundos, já estávamos na área externa do spa contando com a sorte de encontrar o lobo-guará que auliava fortemente nos entornos da pousada – o aulido é a vocalização da espécie, que, embora seja um canídeo, não uiva nem late. Ouvimos o barulho mais algumas vezes, mas nem a luz da lanterna do celular nos ajudou a enxergar o animal àquela hora da noite. 

 

Provavelmente era Nhorinhá, a loba monitorada pela Pousada Trijunção em parceria com o projeto Onçafari. Habituada à presença dos humanos, sua toca fica perto da pousada e ela sempre aparece nos entornos para buscar água ou presas fáceis, como os preás, roedores que circulam em massa pela hospedagem. Não conseguimos vê-la naquele momento, mas só a proximidade do aulido já foi suficiente para tornar aquela terapia corporal a mais marcante da vida.

 

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Para Elisângela, massagista de mão-cheia e curiosidade aguçada, essa oportunidade de realizar seu trabalho em meio a uma natureza tão rica é estimulante – e algumas vezes até um pouco assustadora. Na hora de voltar para a recepção da pousada, ela prefere ir sempre acompanhada e com a lanterna acesa para não dar de cara com alguma cobra, aranha ou, quem sabe, até o próprio lobo-guará. Para quem está acostumado apenas com a selva de pedra, essa descrição realmente pode parecer assustadora, mas é exatamente nessa imersão no bioma local que a pousada guarda seus tesouros. 

 

Pousada Trijunção (Gabi Temer)

 

O encontro com animais selvagens é recorrente, mas tudo é feito com cuidado e respeito. Não há invasão ao habitat, e por isso as espécies não se sentem ameaçadas, tampouco precisam entrar em estado de alerta para se defender. Durante a visita pela Trijunção, você deixa de sentir frio na espinha pelo medo do desconhecido e começa a se arrepiar pelo privilégio de estar diante da savana mais rica em vida do planeta: o cerrado. 

 

O sertão está em toda parte 

 

João Guimarães Rosa revolucionou a literatura brasileira ao descrever o sertão de forma irretocável na obra Grande Sertão: Veredas, publicada em 1956. Após muitas andanças, o autor definiu a região da seguinte forma: “O sertão é do tamanho do mundo, o sertão está em toda parte, o sertão é dentro da gente”. 

 

Durante a visita da Versatille à Pousada Trijunção, foi possível interpretar a citação sob um novo olhar. De forma poética, a hospedagem leva esse nome porque seu território fica entre três estados brasileiros: Bahia, Goiás e Minas Gerais. Essa coincidência geográfica gera a impressão de que o sertão realmente é do tamanho do mundo e está em toda parte. Muitas vezes, basta um passo para que se vivencie a experiência de estar em dois estados ao mesmo tempo. 

 

Veado-campeiro (Renato Pitombo)

 

Deixando o romantismo um pouco de lado – mas nem tanto –, também é possível interpretar a citação de que “o sertão é do tamanho do mundo” a partir da riqueza de descobertas que um passeio pelo local propicia. No segundo dia, os visitantes já tinham perdido a noção de tempo e se questionavam se aquelas fotos no celular realmente eram do dia anterior. “Mas parece que já estamos aqui há tanto tempo!”, era a frase mais falada entre as atividades do dia. 

 

Isso também acontecia pela mudança de rotina durante a viagem. Entregues à natureza, era preciso seguir o horário dos animais e das estrelas para realizar os passeios. Alguns começavam às 5h30, por conta do nascer do Sol, enquanto outros só podiam ser iniciados após ele se pôr, para seguir a rotina noturna dos animais silvestres. Durante a tarde, quando não se estava na estrada, sobrava tempo para aproveitar as comodidades da pousada. 

 

(Divulgação)

 

Com apenas sete suítes, a ideia da hospedagem gerida por João Soares de Sampaio é oferecer um espaço intimista e de intenso contato com o meio ambiente. A piscina e o spa têm vista para a vegetação do cerrado, o que gera uma paz instantânea, junto ao canto dos passarinhos e à presença de saguis e lagartos da região. 

 

Quando se trata de serotonina, o hormônio da felicidade, a gastronomia local também faz um belo trabalho. O serviço é all inclusive – com apenas bebidas alcoólicas à parte –, e o cardápio, criado pelo chef executivo Fabian Sasso, conta com pratos como picadinho do cerrado, nhoque de ricota com taioba, galinhada com pequi e barriga de porco marinada com caju e limão e servida com purê de banana-da-terra, farofa de cebola queimada e redução de açaí. Para quem busca fazer um “check list” e pedir todas as opções do menu, o difícil é resistir à tentação de repetir alguns pratos. 

 

(Divulgação)

 

Com menção honrosa, destaco o delicioso arroz de carne-seca com abóbora assada, queijo coalho e couve frita; e a sobremesa, suflê de goiabada com requeijão. Para beber, vale experimentar o mojito de cajá e a caipirinha de cagaita (fruto típico do cerrado), além dos tantos sucos naturais que refrescam o dia. Sobre o calor, ressalto que o bioma possui clima desértico, então não é possível se deixar enganar pelas altas temperaturas que chegam a 35º C durante o dia. No período da noite, elas chegam a cair para 15º C. 

 

São tantas particularidades que fica até difícil descrever a vivência no cerrado em apenas uma matéria – o que explica as mais de 600 páginas de Grande Sertão: Veredas. Com menos genialidade do que o autor, porém, é possível montar um guia de “volta ao mundo do cerrado” para quem busca visitar a Pousada Trijunção e passar alguns dias imerso na natureza. 

 

Uma volta  pelo cerrado 

 

Safáris de avistamento silvestre 

 

Jacaré-anão (Beatriz Calais)

 

Em alguns momentos, o aulido é a única proximidade do turista com o lobo-guará. Mas é muito difícil visitar a pousada e não ver nenhum lobo durante a estadia. Diferentemente da onça-parda (outra espécie local), os lobos-guarás estão habituados com o movimento da região por conta do projeto Onçafari, que monitora os animais com o objetivo de entender seu comportamento e ajudar em sua preservação. Até o momento, já foram 13 espécimes identificados no território. Os mais avistados são Nhorinhá e Buriti, fêmea e macho que dominam o entorno da hospedagem. 

 

Durante o passeio no carro do Onçafari, as biólogas do projeto buscam pelos animais por meio do GPS do colar de monitoramento. O cerrado, no entanto, é um ambiente de surpresas, então também é possível encontrar o mamífero durante outros passeios. Na visita da Versatille, foi durante a passarinhada com o biólogo Vinícius Vianna que  Nhorinhá decidiu aparecer. O foco era conhecer algumas das 850 espécies de pássaros do cerrado, como joão-bobo, joão-de-pau e bacurau – o que fizemos –, mas assumo que a loba roubou um pouco a cena. 

 

Durante as andanças pelas estradas, também é possível encontrar tatus, veados, cachorros-do-mato e cobras. Já no período da noite, com as lanternas em mãos, há o passeio de barco pela Lagoa das Araras, que tem como objetivo o avistamento do jacaré-anão, também conhecido como jacaré-paguá. 

 

Trilha botânica 

 

Embora o desmatamento já tenha impactado o bioma, o cerrado é a savana mais rica em vida do planeta, sendo reconhecido como a “caixa-d’água do Brasil”, pois nele nascem águas que abastecem grandes bacias hidrográficas do país. Além disso, são cerca de 12 mil espécies de plantas típicas da região. Na trilha botânica com o biólogo Pedro Igor Monteiro, é fácil se tornar expert no reconhecimento de algumas delas, como a caliandra, que se destaca na vegetação por seu vermelho vivo. Mais do que uma trilha, o passeio também tem um lado gastronômico, já que é possível experimentar diversas frutas regionais diretamente do pé. A lobeira, por exemplo, é a fruta favorita do lobo-guará, enquanto a cagaita tem um sabor parecido com a carambola e é ótima para fazer drinques. 

 

Raposa-do-campo (Renata Pitombo)

 

Parque Nacional Grande Sertão Veredas 

 

Para quem leu a obra de João Guimarães Rosa, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas é um paraíso de referências. Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o espaço preserva a vereda, um tipo de formação vegetacional do cerrado que se destaca por suas árvores mais altas. Durante a visita, o foco é conhecer novos cenários do bioma enquanto se aproveita um piquenique ao lado do Rio Itaguarizinho, que é extremamente cristalino e refrescante. 

 

Fazenda Santa Luzia 

 

A pousada visitada pela Versatille fica dentro da Fazenda Trijunção, que possui, ao todo, 33 mil hectares. Na fazenda, especificamente, há 3.333 hectares para produção aberta. Allan Figueiredo, gerente administrativo do local, brinca que a coincidência numérica não passa de um acaso do destino. Responsável por todos os índices produtivos da propriedade, o zootecnista gosta de falar sobre a ocorrência divertida para os visitantes – mas seu orgulho mesmo é ressaltar o selo de boas práticas agropecuárias concedido ao local pela Embrapa. Para ele, esse é um belo exemplo de como é possível crescer economicamente com responsabilidade ambiental. Além do manejo de bois para corte, a fazenda possui alguns espaços para testes e estudos do solo. As parreiras, por exemplo, são um esforço para o ingresso da região no universo da enologia. Com a futura produção de vinhos de inverno, o objetivo é diversificar ainda mais as opções de renda e turismo no local. 

 

Sagui-de-tufos-pretos (Divulgação)

 

Criadouro conservacionista 

 

O criadouro conservacionista surgiu em 2001, após a fazenda ter ingressado no Plano Nacional de Conservação dos Cervídeos, tendo como objetivo o auxílio na manutenção de animais silvestres em condições adequadas de cativeiro e o subsídio no desenvolvimento de estudos. Catetos, queixadas, antas, emas, veados-catingueiros e jabutis são os animais que fazem parte da iniciativa. Uma das parcerias do espaço é com o projeto Refauna, que busca reintroduzir as antas da fazenda na mata atlântica do Rio de Janeiro. Ao lado do espaço conservacionista, também há o criadouro comercial, onde animais como emas e jabutis são criados para o comércio, a fim de reduzir a retirada ilegal da natureza. O objetivo, nesse caso, é buscar equilíbrio ambiental e econômico. Já durante a visita aos dois criadouros, o foco é oferecer um passeio de educação ambiental, principalmente para as crianças.

 

Pôr do Sol no Mirante do Marco do IBGE 

 

Por conta da altitude em que está, o Mirante do Marco do IBGE tem uma vista impactante para a vegetação do cerrado. No pôr do Sol, horário comumente agendado para o passeio, a vista nas alturas oferece um cenário diferente do que os visitantes conhecem durante os passeios de carro pelos entornos da pousada. Além do show da natureza, o local marca o ponto de encontro entre Bahia, Goiás e Minas Gerais – basta esticar as pernas e os braços para estar nos três estados ao mesmo tempo. Perto do marco, também há uma capela com a imagem de são Francisco de Assis, padroeiro dos animais, ao lado de um lobo-guará (alguns pedidos de casamento já foram feitos por lá). No entanto, para quem visita o local sem intenções matrimoniais, a pousada oferece o serviço de café da tarde com vista para o pôr do Sol. 

 

Lagoa das Araras 

 

Nascer do sol na Lagoa das Araras (Beatriz Calais)

 

A Lagoa das Araras, que de noite é iluminada pelos olhos dos jacarés, é palco de muitos cenários de tirar o fôlego durante o dia. Às 5h30, no nascer do Sol, o deque toma formas paradisíacas, com o céu sendo refletido em um espelho-d’água natural. A névoa da manhã e o barulho das araras acordando e sobrevoando a lagoa ajudam a deixar tudo ainda mais fantástico. É nesse cenário que a pousada costuma montar uma mesa de café da manhã para os hóspedes. Já durante a tarde, para os mais atléticos, é possível fazer uma trilha de fat bike até o local. Chegando lá, há caiaques e toalhas disponíveis. 

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 128 da Versatille

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