Azeite brasileiro: verde, amarelo e cada vez melhor

Tudo sobre a força crescente deste produto premiado, que começa a ganhar notoriedade dentro e fora do país

POR RICARDO CASTANHO | Produto

Matéria publicada na edição 116 da Revista Versatille

 

Ouro líquido” é uma expressão comum para se referir ao azeite de oliva, mas muita gente desconhece que nem só do amarelo dourado vive esse óleo vegetal. Sua cor pode exibir tons de verde, de acordo com o tipo de azeitona utilizado e o grau de maturação dos frutos processados. Se o azeite verdeal causa estranheza para muitos consumidores brasileiros, o verde-amarelo (no rótulo, não na cor) começa a deixar o anonimato e mostrar sua força.

 

A história muito fresca dos azeites extravirgens nacionais ainda faz uma parte considerável de nossa população associar esses produtos made in Brazil a óleos de oliva adulterados e envasados em galpões escondidos da lei. Ledo engano. Desde 2010, produtores daqui vendem azeites em um mercado interno cada vez mais ávido – o consumo aumentou quase seis vezes nos últimos 30 anos e colocou o país como o terceiro maior importador de azeite de oliva do planeta em 2019. Mesmo ainda representando uma parcela ínfima desse segmento em território nacional, inferior a 0,3%, muitas marcas brasileiras mostraram a cara em concursos internacionais.

 

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FLORES DE OLIVEIRA DA MARCA GAÚCHA OLIVAS DO SUL (Foto: Divulgação)

 

Os resultados no quesito prêmios surpreendem: nos últimos cinco anos, foram mais de 80 condecorações para azeites brasileiros, que enfrentaram óleos de países com tradição milenar no produto. Em 2019, três marcas gaúchas (Verde Louro, Costa Doce e Prosperato) figuraram no rol das 100 mais premiadas do ano ao redor do mundo.

 

Mas se o azeite nacional tem qualidade e consumidores interessados no produto, por que só temos notícias dele neste início de século? Para entender essa questão, é preciso voltar até o período colonial. Naquela época, Portugal, preocupado com uma futura concorrência de seu azeite com o óleo produzido por sua principal colônia, proibiu qualquer atividade nesse ramo. Veio a independência do Brasil, mas não o fim da dependência do produto português, que, hoje, representa cerca de 60% da oferta interna. Nesse meio-tempo, negociantes de azeites importados ajudaram a reforçar a lenda de que, no Brasil, tudo dá… menos azeitonas.

 

No fim da primeira metade do século 20, imigrantes europeus que chegaram ao Brasil estimularam um florescimento expressivo de olivais nas Regiões Sudeste e Sul, mas esse esforço não vingou. “Infelizmente, as plantações daquela época se perderam por falta de conhecimento técnico”, explica Vani Ceolin Aued, proprietária, ao lado do marido, José Alberto Aued, da Olivas do Sul, com sede na gaúcha Cachoeira do Sul. Sua empresa, responsável pelo primeiro azeite extravirgem comercial do país, mantém algumas oliveiras centenárias no pomar, originárias, justamente, de um antigo olival abandonado.

 

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VISTA PANORÂMICA DA PLANTAÇÃO DA OLIVAS DO SUL (Foto: Divulgação)

 

A maior dificuldade no início, segundo ela, foi corrigir a acidez do solo com o uso de calcário. Na primeira colheita da Olivas do Sul, em 2009, os frutos foram processados de forma rudimentar, com a utilização de uma prensa de uvas, e não renderam mais do que 5 litros de azeite. Um ano depois, a chegada de um maquinário específico para a extração atrasou a colheita das azeitonas, mas permitiu processar 800 litros de óleo e vender o primeiro rótulo da marca – em 2019, o conjunto de produtores comerciais de azeite do país atingiu o patamar de 267 mil litros.

 

A Olivas do Sul, que hoje soma cinco tipos de azeite e prêmios em oito concursos internacionais, está inserida na principal região produtora. Segundo o Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), de 65% a 70% dos olivais do país estão no Rio Grande do Sul, sobretudo na porção meridional do estado. Hoje, há produtores em todos os estados do Sul e Sudeste, mas a região que se aproxima do Rio Grande do Sul em termos de volume e qualidade é o conjunto de terras altas nas divisas de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que engloba a Serra da Mantiqueira, a Serra da Bocaina e as terras vulcânicas na área da mineira Poços de Caldas. Desse contexto, vem o azeite recém-premiado como o melhor do Brazil International Olive Oil Competition 2020, concurso que reuniu 80 amostras de 11 países, avaliadas em degustações às cegas nos dias 24 e 25 de agosto.

 

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Feito apenas de azeitonas da variedade espanhola arbequina, a mais cultivada no Brasil, o azeite da Sabiá, na paulista Santo Antônio do Pinhal, conseguiu a proeza em sua segunda safra comercial. Em seu perfil sensorial, há aromas que remetem a frutos verdes de amêndoa, maçã e banana, bom equilíbrio entre esses atributos de nariz, amargor e picância, além de ótima persistência na boca. “Quando nosso consultor experimentou, ele nos disse que o azeite deste ano era uma bomba. Eu fiquei assustado e perguntei em qual sentido. E ele falou, para nosso alívio, que estava fantástico”, lembra Bob Vieira da Costa, proprietário da marca ao lado da esposa, Bia Pereira. Para ele, o azeite brasileiro atingiu um nível elogiável, mas precisa reunir mais experiência de produção para dar outros saltos de qualidade.

 

O especialista em azeites Sandro Marques compartilha essa opinião. Autor de Extra Fresco – O Guia de Azeites do Brasil, que teve sua edição 2020-2021 lançada em julho, ele provou todos os azeites brasileiros nos últimos quatro anos e notou evolução na qualidade. “Ainda teremos boas surpresas, mas precisamos de muito investimento em pesquisa, que hoje é fragmentada e bastante vinculada ao setor privado.”

 

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Se depender do movimento de grandes marcas nacionais ligadas ao campo, esse investimento não governamental será engrossado nos próximos anos. A RAR, famosa pelas produções de maçã, queijo e vinho, envasou seu primeiro azeite próprio em 2019, elaborado na Serra Gaúcha. Neste ano, foi a vez de uma referência do segmento de cafés especiais, a Orfeu, lançar três tipos de azeite. Os novos produtos da empresa, extraídos numa fazenda próxima a Poços de Caldas (MG), refletem bem esse momento de confiança e valorização do óleo de oliva brasileiro. Com design de perfume francês e preços perto de um, eles integrariam a seção de artigos de luxo em qualquer mercado do país. Na loja virtual da Orfeu, as belas garrafas de 350 mililitros de azeite são vendidas a R$ 149,90.

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