Da França para o Mundo: a história centenária do Le Cordon Bleu
Referência como instituto de artes culinárias, o Le Cordon Bleu possui 128 anos de história e não para de se expandir
Em 1578, o rei da França, Henrique III, fundou uma ordem de cavalaria subordinada à monarquia francesa que foi batizada de L’Ordre des Chevaliers du Saint-Esprit – ou Ordem dos Cavaleiros do Espírito Santo, em português. Na época, essa elite se tornou conhecida por um motivo muito interessante: seus banquetes extravagantes. As mesas eram cobertas de pratos que possuíam grande valor gastronômico para o período, o que fez com que a ordem se tornasse famosa, assim como o emblema que a representava.
O símbolo era uma Cruz do Espírito Santo que pendia em uma fita azul marcante. Por simples associação dos fatos, os banquetes luxuosos acabaram ficando conhecidos como Cordon Bleu – Cordão Azul, em português –, em referência à fita destacada no emblema. Por mais que esse não fosse o objetivo, a L’Ordre des Chevaliers du Saint-Esprit teve sua história diretamente ligada à culinária francesa. Embora os jantares tenham sido abolidos na Revolução Francesa, o nome permaneceu no consciente popular como um sinônimo de excelência gastronômica.
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Foi baseada nessa referência histórica que a jornalista Marthe Distel se inspirou na hora de criar um nome para sua revista de culinária: La Cuisinière Cordon Bleu, lançada no começo do século 19. Primeiramente, foi direcionada ao público feminino e continha dicas de etiqueta, assim como receitas e lições gastronômicas de chefs franceses que concordavam em contribuir. Aos poucos, a publicação foi ganhando prestígio e, em 15 de outubro de 1895, Marthe abriu sua primeira escola de artes culinárias.
A inauguração contou com um verdadeiro marco para a época: uma demonstração gastronômica realizada em fogão elétrico. A iniciativa gerou burburinho e ajudou a promover ainda mais a revista e o novo instituto de ensino da França, batizado de Le Cordon Bleu. A partir de então, a reputação se espalhou rapidamente. Em 1914, já eram quatro escolas em Paris. Em 1931, a primeira unidade internacional, em Londres, seguida por um restaurante da bandeira, em 1935. Com ascensão contínua, diversos chefs renomados acabaram passando por lá, incluindo Julia Child, apresentadora americana que foi pioneira nos programas de culinária.
Todo esse cenário fez com que o Le Cordon Bleu também estivesse presente em momentos históricos. O instituto foi responsável pelo bolo do casamento da rainha Elizabeth II e por menus da coroação, em 1947 e 1953, respectivamente. Após a Segunda Guerra Mundial, também houve um trabalho intenso no treinamento de soldados americanos para reinserção no mercado de trabalho. Ao longo de 128 anos de história, esses foram alguns dos momentos mais marcantes.
No entanto, um questionamento surge facilmente na cabeça de quem reserva um tempo para ler um pouco sobre toda essa trajetória: como o Le Cordon Bleu se manteve firme e relevante durante todo esse tempo? Hoje, já são mais de 35 escolas em 20 países. Todos os anos, cerca de 20 mil estudantes de 100 nacionalidades são capacitados em culinária, confeitaria, panificação, vinho e hotelaria pelo instituto.
Em junho de 2023, em um evento na Universidade Anhembi Morumbi do campus Vila Olímpia, em São Paulo, alguns jornalistas sortudos – como esta que vos fala – puderam comemorar a parceria inédita entre a universidade brasileira e o Le Cordon Bleu para o curso superior de gastronomia no Brasil. O objetivo é proporcionar ainda mais excelência na formação de novos cozinheiros, que podem se graduar com uma dupla certificação a partir do segundo semestre de 2023.
Sentada em uma mesa rodeada por profissionais da área e tendo a oportunidade de ouvir um pouco sobre a história do instituto, foi difícil não pensar em como uma revista de culinária do século 19 se tornou um projeto tão atemporal. A curiosidade nata do jornalista tomou conta, e, quando isso acontece, há apenas um caminho possível: buscar algumas respostas.
Visão interna
“O foco sempre foi ensinar”, destaca o francês Patrick Martin, diretor-executivo e técnico do Le Cordon Bleu Brasil. Presente durante o anúncio da novidade na Universidade Anhembi Morumbi, ele se alegra com esse próximo passo e diz que tudo está seguindo de acordo com o propósito histórico da escola, que é formar bons profissionais e movimentar positivamente o setor gastronômico.
Em outras entrevistas, os executivos da marca costumam falar que o Le Cordon Bleu é uma escola, e não um negócio. De certa forma, esse é um dos pilares que mantêm a marca viva. Por mais que mudanças tenham acontecido, visto que tudo começou como uma revista francesa local, a essência continuou a mesma. “Nós evoluímos muito ao longo dos anos, mas sempre buscamos levar os fundamentos e as técnicas da gastronomia a futuros profissionais”, explica Martin.
Já quando se trata de mudanças, ele acredita que a parte mais especial é a transição da França para o mundo. “Estou na empresa há 35 anos e tive a oportunidade de assistir inaugurações em diversos países, como Japão, México e Brasil. São culturas diferentes, então é desafiador se adaptar a cada uma delas. A abordagem no Japão não pode ser a mesma dada no México ou no Brasil. Precisamos estudar a cultura e preparar uma abordagem que mantenha o nosso espírito, mas que respeite a culinária local. É um processo que necessita de cuidados, mas é enriquecedor.”
De certa forma, tudo parte do princípio de que o Le Cordon Bleu não é uma escola francesa de gastronomia. Na realidade, ele é um difusor dos fundamentos e das técnicas da culinária da França. A partir de seus ensinamentos, os profissionais podem trabalhar de forma criativa e única com os produtos e as influências de seu país de origem. O peruano Virgilio Martinez, por exemplo, chef do Central, considerado o melhor restaurante da América Latina pela relação 50 Best Restaurants, está na lista de ex-alunos do instituto. Conhecido por explorar uma gastronomia puramente peruana, ele apenas usou as técnicas aprendidas durante sua formação.
Para Martin, esse mix cultural é fascinante. “Não podia imaginar que teria essa oportunidade na minha vida. Conhecer tantas culturas e pessoas diferentes. Culinária não é simplesmente comida por comida. Culinária é prazer. Algo que une todos, sem distinção”, ressalta.
La cuisine no Brasil
No Brasil, a presença da escola é recente, mas parece estar se preparando para uma grande expansão. Em 2018, o primeiro instituto técnico foi inaugurado na região da Vila Madalena, em São Paulo, e, na sequência, uma unidade carioca. Já quando se trata da parceria atual para a formação superior em gastronomia, o foco é futuramente levar essa estrutura para outros estados, como Minas Gerais e Ceará.
“Com essa união, vamos expandir ainda mais a educação de excelência no Brasil por meio do conhecimento e desenvolvimento técnico. Além disso, a certificação qualificada tende a contribuir para a rápida inserção dos alunos no mercado de trabalho”, comenta Martin, que ressalta alguns lançamentos do segundo semestre de 2023: o livro Le Cordon Bleu – produzido e publicado em português –, e a inauguração do Culinary Village, um espaço com sala de jantar, coworking, café e a Biblioteca e Memorial Nina Horta, com o acervo pessoal de livros, móveis, objetos e utensílios de cozinha da escritora brasileira.
Os acontecimentos são promissores e representam um sonho realizado para Rosa Moraes, grande responsável pela implantação do primeiro curso superior de gastronomia do Brasil, em 1999, na Universidade Anhembi Morumbi. “Desde os anos 2000 eu penso nessa parceria com o Le Cordon Bleu. Isso para mim é muito especial”, disse, durante o evento de lançamento da novidade. “A potência de duas instituições tão reconhecidas, que têm em seu DNA a paixão pelo ensino da gastronomia, elevará o patamar dos cursos de graduação que são oferecidos em nosso país.”
Sem a mínima vontade de pôr um ponto–final em sua história, a escola centenária cresce em relevância global. Ao longo de 128 anos, este parece ser um dos grandes segredos da constante permanência: levar excelência sem fronteiras.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 132 da Versatille