Por trás dos pratos: Evvai

O encontro entre Brasil e Itália é materializado pelo chef e sua equipe com maestria. Etapas elegantes e que envolvem muita técnica chegam às mesas, mas, antes disso, muita pesquisa e testes

Pasta fredda
A pasta fredda do menu lançado em maio de 2021: linguini, salsa de ervilhas e ouriço-do-mar (Tadeu Brunelli)

O Brasil tem, segundo o último Guia Michelin, 14 restaurantes classificados com uma ou duas estrelas, sendo nove localizados em São Paulo e cinco no Rio de Janeiro. Mas definir os estabelecimentos minimamente por suas estrelas é limitar todo o processo criativo e árduo dos chefs, tão singulares em suas trajetórias, que resultam em pratos únicos e experiências inesquecíveis à mesa. Na série que se inicia nesta edição, nós nos propomos a conversar com as mentes criativas por trás desses estabelecimentos e entender, sem tentar classificar em caixas, o que antecede o prato até ele chegar ao cliente.

 

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O paulistano Evvai, comandado pelo chef e sócio Luiz Filipe Souza, de 32 anos, abriu as portas em 2017. Em 2019, conquistaram a primeira estrela Michelin, a qual se manteve na última edição do Guia Michelin Brasil, revelada em setembro do último ano. Foram muitas fases atravessadas por Souza nos últimos quatro anos: chegar à final do Bocuse D’Or (campeonato que é considerado a copa da gastronomia) no início de 2019, ser eleito como um Under 30 pela Forbes Brasil e, mais recentemente, a pandemia, que transformou profundamente o setor de restauração. Ela, inclusive, impulsionou o formato em que o Evvai funciona hoje: 100% focado no menu degustação, movimento que o chef já previa acontecer, porém em um intervalo maior de tempo. Após um verdadeiro deleite ao experimentar o menu Oriundi, de nove etapas, chega o momento de conversar com Luiz Filipe Souza. Confira.

 

Chá servido com cogumelos defumados e enoki frito

Uma das etapas do menu de maio deste ano é um chá servido com cogumelos defumados e enoki frito (Tadeu Brunelli)

 

Versatille: O menu Oriundi está presente desde que você abriu o Evvai?

Luiz Filipe Souza: Passamos a chamar de Oriundi em 2018. Quando a gente abriu o restaurante, não tinha menu degustação. Passei a fazer isso no terceiro mês de funcionamento, mas era outra proposta. O restaurante era novo, eu queria que os pratos girassem mais, que os clientes conhecessem, então por dia eu selecionava os pratos que tinha no cardápio. Não era que nem a gente vê hoje, um menu todo estruturado, no qual você pensa no começo, meio e fim. O menu sempre foi mudando bastante, às vezes em quantidade de pratos, às vezes no formato, de ser múltiplos pratos. Quando a gente começou a chamar de Oriundi, foi no momento em que passamos a colocar um pouco mais de influência de Brasil dentro da nossa cozinha, para criar uma relação mais próxima entre Brasil e Itália, não só pelo produto nacional, mas por ter algo mais estruturado, onde a “caixinha criativa” ficava ali estudando relações, influências das grandes imigrações, principalmente em São Paulo. 

 

O chef Luiz Filipe Souza

O chef do Evvai, Luiz Filipe Souza (Gabriel Bertoncel)

 

V: Como é a concepção do menu?

LFS: Sempre me coloquei com a pretensão de fazer de três a quatro menus por ano, porque é importantíssimo para o retorno para o cliente, pois nós entendemos que são poucos os que repetem o menu; e também para nós, da forma que decidimos trabalhar, é fundamental essa busca na inovação, na melhoria, de maneiras diferentes. Eu tenho essa caixinha criativa, que é esse retrato da relação Brasil-Itália ao longo da história, tanto hoje em dia quanto lá atrás, como essas duas culturas se relacionam. Ao longo desses três meses de concepção, eu sempre tenho as minhas anotações, de coisas que de certa forma me instigam a criar algo, desde uma música até a história de um imigrante que veio para o Brasil. A partir daí, começo a esboçar um monte de ideias de possíveis pratos, um longo processo de tentativa e erro, onde tem muito mais erro do que acerto. Eu começo a montar esse enredo e a experiência do cliente, porque precisa um fio condutor, tudo tem de fazer sentido, ele tem de estar em perfeita harmonia ao longo do jantar todo. Dessa forma, vamos afinando e refinando esses pratos, até chegar ao que o cliente recebe na mesa. Há um resgate em coisas do passado também. No último um ano e meio, a gente ficou grande parte do tempo impossibilitada de trabalhar da maneira que gostaria, por conta da pandemia. Em agosto já estamos com um menu novo, comemorativo dos quatro anos. Nesse menu, o esqueleto está baseado na história do restaurante, e, em vez de ficar revisitando aquilo que já servimos, eu peguei um recorte de situações importantíssimas, para chegar aonde chegamos. Um dos momentos é o início da pandemia, em março de 2020, um marco na história dos restaurantes, e aí dentro disso tudo tem um aprendizado, assim como a estrela Michelin.  

 

Caixa que traz os snacks no início do menu

A caixa que traz os snacks no início do menu do Evvai também abriga as cartinhas que explicam os pratos (Tadeu Brunelli)

 

V: Algo que despertou minha atenção, durante o menu, é a caixinha com explicações dos pratos, onde também é possível deixar recados para a cozinha. Como pensou nesse elemento?

 

LFS: As cartas surgiram por conta dessa restauração pós-covid, quando a gente reabriu pela primeira vez. Eu estava muito preocupado em como receber os clientes de máscara e as pessoas, assustadas com o que estava acontecendo. O que eu menos queria era que elas não ficassem à vontade. O cardápio on-line foi uma coisa que eu não quis fazer de forma alguma, pois ele é uma parte importantíssima para os clientes. Quando a gente foi fazer o primeiro treinamento, foi ruim, pois é muito difícil falar com a máscara. Eu comecei então a pensar em meios, e veio a história da caixa, o que foi um acerto para mim, uma supersurpresa, que funcionou melhor do que eu esperava, pois no primeiro momento era sobre fazer a comunicação que o salão não ia conseguir fazer. Tem outro ponto que é, desde que comecei o menu degustação, eu vivi essa fase de que o formato ia cair em desuso, que ia sair de moda, pois eles eram cansativos. Parte disso é por conta do serviço. A caixa deixou isso de uma maneira muito mais fluida, tranquila e de uma forma consultiva. Também acontece que, quando os clientes embarcam na experiência de ler e deixar recadinhos, vira uma interação, momento no qual, antes da pandemia, provavelmente seria alguém mexendo no celular. Eu consegui, com a caixa e com os recados, prender o cliente, me conectar com o que está acontecendo. 

 

A última versão do rossini proposto pelo chef

A última versão do rossini proposto pelo chef do Evvai (Tadeu Brunelli)

 

V: Qual é seu prato preferido?

LFS: O filé Rossini faz parte da minha história. O primeiro prato que eu fiz dentro de uma cozinha profissional e fiquei estonteado foi um filé Rossini dentro do Fasano e, na época, nunca tinha comido trufa e foie gras. Isso há uns 13 anos. Até o nome do meu cachorro é Rossini. 

 

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V: O que não pode faltar em uma cozinha para você?

LFS: Sempre o sal. É muito importante. Ele é muito subestimado, até por nós, os profissionais. A falta de sal deixa um prato extremamente sem graça e o excesso, intragável. Ser preciso com o sal não é fácil, requer bastante experiência, e entender o que você está fazendo é algo louco. 

 

Versões da bomba de vieira

Versões da bomba de vieira do Evvai, da esquerda para a direita: setembro de 2017; novembro de 2017; abril de 2018; e maio de 2021 (Tadeu Brunelli)

 

“A evolução da bomba de vieira”

“O primeiro menu degustação que eu fiz, no modelo de seleção que a gente tinha, eu precisava colocar um amuse-bouche, e dentro do cardápio eu tinha algumas porções que eram compartilhadas. E aí foi a única coisa que criei para o menu, a bombinha de vieira, que acabou virando algo muito querido para os clientes, algo que eles pediam à parte. Nos próximos menus, eu fiz de novo a bomba de vieira, e, dali para a frente, eu não a tirei mais pois senti que seria um pouco massacrado, criticado, e, para que isso não fosse um retrocesso para nós, eu propus que, a cada menu que a gente fosse elaborar, essa bomba de vieira fosse sempre diferente, mas com a mesma essência.”

 

Por Giulianna Iodice

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