Por trás dos pratos: Cipriani

Um passeio por receitas italianas, elaboradas com muita técnica e zelo presentes em todas as etapas do processo, desde a curadoria dos ingredientes até o momento em que os pratos chegam à mesa

Bottoni, queijo de cabra, Pistache e centolla, um dos pratos do menu Tradition Innovation, inspirado na região da Sicília
Bottoni, queijo de cabra, Pistache e centolla, um dos pratos do menu Tradition Innovation, inspirado na região da Sicília (Divulgação)

Não são todos que sabem, mas o Copacabana Palace, A Belmond Hotel, é também o endereço de dois restaurantes estrelados: o Cipriani e o Mee, com uma estrela cada. O feito, que dificilmente ocorre, representa também ¼ do total de estrelas dos restaurantes dentro de hotéis Belmond. Falaremos, então, do italiano Cipriani, pilotado pelo chef Nello Cassese (também chef executivo do hotel), nascido em Nápoles e desde 2016 no Rio de Janeiro. O restaurante conta com vista privilegiada para a piscina do Copa, tem decoração de estilo clássico, com lustres esplêndidos e objetos que fazem parte da história do hotel (que completará 100 anos em 2023), como uma antiga bandeja de prata que atualmente foi dividida em duas e funciona perfeitamente para auxiliar a recolher as migalhas que caem sobre a toalha, como contaram durante o menu degustação. 

 

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Nunca imaginei que uma ponte aérea me levaria tão longe, e antes mesmo de o jantar se iniciar, ao conversar com Cassese e entender o primor de sua cozinha, que se inicia pela busca de ingredientes de melhor qualidade − sendo 70% deles importados − e segue por uma pesquisa histórica e incansável, a cada novo menu degustação que será lançado, troca que ocorre entre três e quatro meses. “Eu me baseio nas receitas tradicionais que quero colocar, depois estudo a história, pois acredito que cada prato, independentemente da culinária, nasceu para um objetivo, tem sempre uma história por trás. Gosto muito de estudar. A pessoa que o inventou pensou em uma função, o que ele queria transmitir. Após ter entendido, recrio o prato tradicional: mudo a textura, acrescento alguma coisa minha, até chegar ao prato final.”

 

O chef Nello Cassese

O chef Nello Cassese (Divulgação)

 

Quem vai ao Cipriani, aberto apenas à noite, pode optar por dois tipos de menu degustação: Signature Dishes ou Tradition Innovation. No jantar em questão, os pratos assinatura do chef foram um deleite às papilas gustativas, como o inesquecível ovo orgânico, parmigiano reggiano 36 meses e tartufo, bem melhor descrito nas palavras de Cassese: “É um coração de alcachofra e um ovo, ambos cozidos em baixa temperatura e finalizados com trufa. Em baixo, um velouté de parmigiano reggiano. Apesar de parecer uma preparação simples, é muito complicada. Nós deixamos o parmigiano decantar, junto à água, para separar a gordura. Depois, pegamos a parte da gordura e fazemos uma emulsão, até chegar à consistência certa. Aí, você tem uma explosão mesmo de parmigiano [testada e comprovada]”.

 

A maestria da cozinha se estende ao salão, com serviço perfeito e atencioso. Para fechar a noite, três etapas de sobremesa. Primeiro, um tiramisu desconstruído, na sequência um sorvete feito in loco, que sempre chega em diferentes sabores, e o “sigaro”, que imita um charuto, feito de chocolate 70% e uísque defumado. Para completar, mais um momento de encantamento antes do buona notte: o carrinho de petit fours, com tortinhas esplêndidas, macarons e chocolates. 

 

Confira, a seguir, a conversa com Nello Cassese.

 

Versatille: O que motivou você a se tornar um chef de cozinha?

Nello Cassese: Foi uma paixão. Desde pequeno, aos 4 anos, eu assistia aos programas de culinária e depois tentava reproduzir em casa. O tempo passou e eu estudei hotelaria, foram cinco anos, na região de Nápoles, onde nasci. Depois, passei por diversas cozinhas, em outros países, como na Inglaterra, até chegar ao Copacabana Palace. 

 

V: Como foi chegar ao Rio de Janeiro? Você já conhecia o Brasil?

NC: Vou contar para você exatamente o que aconteceu: a minha filha, Emily, nasceu em janeiro de 2016, e, para mim, a chegada dela foi como uma mensagem, e pedi demissão do meu antigo trabalho no dia 30 de janeiro, sem ter nenhum plano B. A minha esposa ficou preocupada, pois foi um movimento arriscado. Em fevereiro do mesmo ano, comecei a tentar me realocar, e recebi algumas propostas de trabalho, sendo uma delas no Copacabana Palace. O hotel entrou em contato comigo, e de forma bem rápida, já estava aqui. Na época, fui bem claro com a antiga gestão: se vocês desejam contratar um chef italiano, trazer da Itália, disse que, além de fazer uma culinária que refletisse a minha experiência, também gostaria que fosse autêntica, com um touch mais inovador. Não a culinária italiana que tem uma influência brasileira, e sim a verdadeira, que não é só massa, pizza, nada pesada. Eu sou do sul da Itália e temos muitos cítricos, frutos do mar e azeite. A do norte já é mais encorpada, com polenta e outros pratos, mas eu acredito no bom balanço entre as duas regiões. 

 

Por trás dos pratos: Cipriani

Olhete à pizzaiollo (Divulgação)

 

V: Como é o processo criativo dos menus?

NC: Eu troco o menu a cada três, quatro meses. Depois da volta da operação, após a pandemia, nós chegamos a um ponto em que eu consegui colocar apenas degustação. Eu quis fazer isso pois, além de simplificar um pouco a operação da cozinha e do salão, sempre consigo entregar o melhor produto fresco. Hoje em dia trabalhamos com dois cardápios: um deles é o Signature Dishes, que são os pratos que eu faço desde que cheguei ao Brasil, até ganhar a estrela Michelin, em 2019; e o segundo é o Tradition Innovation, que são receitas que nascem da tradição culinária e passam por um “touch” inovador. Quando penso em um cardápio, antes me baseio nas receitas tradicionais que quero colocar; depois, estudo a história, pois acredito que cada prato, independentemente da culinária, nasceu para um objetivo, tem sempre uma história por trás. Gosto muito de estudar. A pessoa que o inventou pensou em uma função, o que ela queria transmitir. Após ter entendido, recrio o prato tradicional: mudo a textura, acrescento alguma coisa minha, até chegar ao prato final. Normalmente, para mudar os cardápios, são seis meses estudando, então quando apresento um novo menu já estou na concepção do próximo. A parte mais importante é entregar o trabalho para a equipe: eles têm de entender o que estão produzindo.

 

Reinterpretação da tradicional pizza napolitana

Reinterpretação da tradicional pizza napolitana (Divulgação)

 

 

V: Discorra sobre os dois menus.

NC: O Tradition Innovation fala muito das regiões italianas. Iniciamos com a Campanha, que é a minha região, depois passamos para a Toscana, pois fiquei sete anos trabalhando lá, e agora [no momento da conversa, em setembro] estamos na Sicília. A partir de outubro, será no Piemonte. É uma região que traz um pouco da França; na verdade é a França que pega da Itália, por conta da Catarina de Médici, que saiu de Florença e levou com ela os cozinheiros italianos. É por isso que o famoso macaron, que a maioria das pessoas acha que é francês, o próprio nome é originário do maccherone. O menu tem entre os ingredientes muitas raízes, trufas, escargot, que é uma culinária piemontesa. Os nomes dos pratos são clássicos, mas a apresentação é completamente diferente. Já os Signature Dishes, além de muito a minha culinária, eu recomendo para aqueles que vêm pela primeira vez no restaurante. Seus pratos são testados, experimentados, o que todo mundo gosta.

 

V: O que é fundamental dentro de uma cozinha profissional?

NC: As três coisas que nunca podem faltar são: compromisso, respeito às regras e vontade. Quando entrevisto possíveis candidatos, reforço muito isso. A pessoa que não tem experiência, mas quer aprender, é bem-vinda. É necessário ter também um carinho sobre o que a pessoa faz. Não é simplesmente assar uma carne, cozinhar um peixe, é ter um cuidado com o produto, para não estragar a matéria-prima. Nós trabalhamos com proteínas com valores elevados, e, do outro lado, legumes que são bem baratos, mas, independentemente dos preços do produto, precisa ter o mesmo zelo. 

 

O carrinho de Petit Four, que chega ao fim do jantar

O carrinho de Petit Four, que chega ao fim do jantar (Divulgação)

 

V: Qual é seu prato preferido?

NC: O meu prato, no dia a dia, é a massa com o molho de tomate, que fala muito da minha região da Campanha, onde temos o tomate San Marzano e a massa grano duro. 

 

V: Como funciona a parte dos ingredientes que compõem o menu? 

NC: Foi um trabalho bem difícil quando eu cheguei. Quando falamos de importados, o que fiz foi ter os originais, então tudo o que colocamos com o nome verdadeiro é importado. Foram seis meses para trocar todos os fornecedores. Hoje posso falar que 70% dos produtos no Cipriani são importados. 

 

O chef à frente da piscina mítica do Copa

O chef à frente da piscina mítica do Copa (Divulgação)

 

V: E a reformulação dos outros estabelecimentos do Copacabana Palace?

NC: Em 2019, nós reformulamos um pouco o conceito. A culinária brasileira é muito boa, mas, como temos muitos clientes estrangeiros, eles circulam entre os restaurantes. Hoje em dia nós demos um toque mais mediterrâneo ao Pérgula, repensei o café da manhã, pois antes tinha muita variedade mas faltava um pouco de qualidade. Agora sou muito feliz em falar que a maioria das nossas produções fermentadas usa o Levain. Colocando o fermento natural, você consegue ter uma qualidade muito diferente. Hoje estamos recebendo até pedidos de clientes para a nossa parte de panificação. Começamos a fazer também a parte vegana, sem glúten, e também a parte mais fit, já que as pessoas aqui no Rio cuidam muito da alimentação. Também estou olhando para isso no Cipriani. Nós temos um cardápio diferenciado, que está na mesma linha que os outros pratos. No Pérgula, teremos o grill, uma novidade, e ali vamos organizar uma nova experiência do típico churrasco brasileiro. Há também a pizza, que antigamente era feita no Cipriani, uma receita que peguei do meu irmão, que é pizzaiolo, mas depois tive de adaptar a uma realidade brasileira e mudar um pouco a hidratação da massa, pois aqui tem outra umidade, outra temperatura. Apesar de usar as farinhas italianas, o transporte de três meses muda as características dela. Mas é uma verdadeira pizza napolitana. 

 

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V: A gastronomia caminha para um cenário diferente?

NC: Sim, mais saudável. Hoje em dia a tendência é saber o que irá comer, o que está na sua refeição, e pensar no equilíbrio. A tendência hoje em dia, especialmente para aqueles que treinam muito, é comer o mais saudável possível. Durante os dias, eu tento sempre seguir uma dieta, eu sou saudável. O chef em si, outros preferem cozinheiro, eu acho que sou um cozinheiro-chef, independentemente de você ter uma, duas ou três estrelas Michelin, a culinária muda sempre. A pessoa tem de continuar a estudar. A única coisa que continuo a fazer é comprar livros, é tudo muito dinâmico. 

 

* O Guia Michelin optou por não publicar a edição 2021 no Brasil. Enquanto não há previsão para o retorno da publicação, a seção Estrelados trará restaurantes brasileiros presentes na última atualização e também estabelecimentos internacionais. 

 

Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 122 da Versatille

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