“Para mim, o futuro da cozinha segue o conceito ‘menos é mais’”, diz o chef Chico Farah

À frente dos restaurantes Teus e Votre, Chico participa da nova série 3X4 da Versatille a respeito do olhar da nova geração para a gastronomia

(Foto: Gabriel Bertoncel)

Nascido e criado em Araçatuba, município interiorano do estado de São Paulo, Chico Farah teve uma infância ligada à natureza e aos costumes da vida na fazenda. Desde cedo aprendeu a pescar, e ainda jovem chegou a matar galinhas para ajudar no almoço de casa. Para ele, a gastronomia era marcada pela relação autossustentável entre sua família e a fazenda onde moravam. Foi apenas na adolescência, quando viu pela primeira vez chefs estamparem a capa de revistas, que sua visão sobre a culinária começou a mudar.

 

Chegou a ingressar na faculdade de administração de empresas, mas logo percebeu que a área não lhe traria felicidade, e começou a estudar gastronomia no Senac. De início, essa era apenas uma forma de sanar a curiosidade sobre as técnicas de cozinha e se distrair das inseguranças da vida adulta. Não demorou muito, no entanto, para que se apaixonasse pela culinária. Desde então, Farah já estudou em Portugal e teve passagens por casas renomadas no Brasil e no exterior.

 

LEIA MAIS:

 

Hoje, com seu sócio, Pedro Grando, ele comanda os restaurantes Teus e Votre, com propostas diferentes de cozinha. Quarto participante da nova série 3X4 da Versatille, o jovem cozinheiro respondeu a algumas perguntas sobre sua história e sua visão gastronômica. Confira a seguir.

 

Versatille: Quando e por que decidiu se tornar cozinheiro?

 

Chico Farah: Ao contrário do que quase todo mundo conta, eu nunca tive uma grande influência dentro de casa. Sou do interior, da cidade de Araçatuba, então cresci em um clima de fazenda. Com 14 anos, já tinha matado galinhas e porcos e gostava muito de pescar. Era assim que eu ajudava na cozinha de casa, mas não chegava a pensar a fundo em gastronomia. Minha percepção mudou um pouco aos 16 anos, quando comecei a ver chefs de cozinha de São Paulo aparecendo em revistas. Achei superlegal, e isso me marcou. Nessa mesma época, saí do país para terminar o ensino médio e só voltei na época da faculdade, com a intenção de cursar administração. Comecei o curso, mas odiei muito (risos). Precisava fazer algo diferente para encontrar felicidade, então acabei entrando no curso de gastronomia do Senac e adorei. Comecei a trabalhar em restaurantes e nunca mais saí. Eu não sabia cozinhar nem tinha influência dentro de casa, mas acabei me encontrando na gastronomia.

 

(Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: Como descreveria seu estilo de cozinha?

 

CF: Eu tenho duas linhas de trabalho: o Teus e o Votre. O Teus é o nosso queridinho. Nosso primeiro projeto, que já tem seis anos e representa uma cozinha simples, em que prezamos muito a qualidade. O Teus é um pouco de tudo o que eu gosto e sei fazer. A impressão da minha personalidade. Tem um pé no ibérico, porque eu já trabalhei em Portugal, mas não é um restaurante de comida lusitana. Na realidade, é um lugar que não tem fronteiras. O Votre já é uma brasserie, uma cozinha francesa superclássica que não tem tanto espaço para criar quanto o Teus. Tem lugar para uma licença poética, mas não é tão amplo. Apesar de eu nunca ter trabalhado na França, a cozinha francesa é uma grande referência para mim, porque ela é a base de muita coisa na gastronomia. Além disso, eu trabalhei no restaurante Charlô por alguns anos, então acabei influenciado pela cozinha francesa e tive vontade de levantar essa bandeira ao abrir o Votre.

 

V: O que busca transmitir por meio de seus pratos?

 

CF: Sou muito objetivo. Não tenho a pretensão de oferecer algo transcendente. Eu busco o simples, a consistência e o bem executado. Gosto de sentar e passar um bom momento quando vou comer algo, então é assim que quero que os clientes se sintam. As pessoas e suas relações são protagonistas do espaço. Eu não estou ali para protagonizar nada. Estou ali para ajudar no momento com bons pratos e um ambiente leve e confortável.

 

V: Em sua profissão, em quem se inspira?

 

CF: Como cozinheiro, eu tenho três referências principais, que foram chefs com quem trabalhei: Pedro Subijana, Martin Berasategui e os gêmeos Sergio e Javier Torres Martinez, da Catalunha. Essas foram as três grandes referências que eu tive, além dos livros de gastronomia. Nos livros, admiro muito Alain Ducasse.

 

V: Para você, o futuro da cozinha é…?

 

CF: O movimento do simples, que já vem acontecendo há algum tempo. Quando comecei na cozinha, os restaurantes estavam entrando na onda do contemporâneo com os menus degustação. Passamos por uma tendência muito forte e importante nesse sentido, mas eu já vejo isso mudando. Há muitos restaurantes novos com propostas mais simples e acessíveis. Uma coisa mais descontraída. A própria Casa do Porco, que está como o sétimo melhor restaurante do mundo, representa bem essa tendência. A casa fica no centro de São Paulo, é um lugar superdescontraído, não faz reservas, não é tão caro e tem um cardápio identificável da cultura brasileira. Você sabe o que está comendo, não é nada distante da comida popular. Eu acho que eles encabeçam muito bem esse movimento. Para mim, o futuro da cozinha segue o conceito “menos é mais”.

 

(Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: Qual foi o prato mais marcante que já cozinhou em sua vida?

 

CF: Eu adoro fazer polvo, mas acho que a criação que mais me marcou é um prato vegano que temos no cardápio do Teus. Nós o chamamos de “arroz da horta”, e ele parece uma paella de vegetais. Nunca tinha feito um prato só de vegetais, e esse processo foi muito interessante. Realmente não sabia o potencial desses ingredientes. Ir atrás de hortaliças que eu não fazia ideia que existiam, como a acelga colorida e a couve toscana, foi algo que me marcou. É um prato muito gostoso. Eu sou onívoro (risos), mas provo esse prato quase todo dia e não enjoo.

 

VEJA TAMBÉM:

 

V: E o prato mais marcante que já comeu?

 

CF: Eu tinha acabado de me mudar para São Paulo, tinha 18 anos, e comi o sushi do Murakami, no Kinoshita, que ficava na Rua da Glória, na Liberdade. Era uma casinha bem tradicional que me abriu os olhos para muita diversidade gastronômica. Eu gostava de pescar, mas não conhecia a quantidade enorme de peixes diferentes que provei naquele dia. Foi a primeira vez na vida que tive a percepção de que estava comendo algo muito diferente e especial.

 

V: O que há de mais especial na culinária brasileira?

 

CF: Tanta coisa, mas eu acho que o mais especial, para mim, é o acarajé e a cozinha baiana em geral. É muito difícil encontrar um acarajé bom aqui em São Paulo, mas vale a pena procurar. Nada chega perto do que é a cozinha baiana: colorida, saborosa, confortável e cheirosa. Ela é completa.

 

Por Beatriz Calais

Para quem pensa em ir para o Japão em busca de uma nova vida, também poderá procurar empregos aqui.