“Não adianta aprender a cozinhar no exterior e não saber aproveitar a riqueza dos ingredientes do Brasil”, diz a chef Walkyria Fagundes

À frente da confeitaria do AE! Cozinha, Walkyria participa da nova série 3X4 da Versatille a respeito do olhar da nova geração sobre a gastronomia

(Foto: Gabriel Bertoncel)

Embora Walkyria Fagundes gostasse de cozinhar com sua mãe e encher a mesa do fim de semana com pratos saborosos e doces, a ideia de estudar gastronomia demorou para aparecer em seus planos. Com vários médicos na família, ela tinha a certeza de que a medicina era o caminho certo para seu futuro. O estudo para o vestibular, no entanto, trouxe muitas dúvidas, frustrações e estresse. Durante o segundo ano de cursinho, ao ser questionada sobre o que realmente a fazia feliz, a gastronomia finalmente começou a tomar uma forma diferente, transformando-se em escolha profissional.

 

Já no curso de gastronomia, realmente se apaixonou e nunca mais pensou em medicina. Após ter se formado em São Paulo, a chef alçou voo e se especializou em confeitaria no Icif e no Le Cordon Bleu, onde adquiriu técnicas francesas e começou a criar a personalidade de sua cozinha. Antes de abrir a própria casa, a cozinheira ainda passou uma temporada na Espanha, atuando no hotel Westin Palace, em Madri, e nos restaurantes Nerua e Quique Dacosta.

 

Em 2019, com seu marido – e também chef – Ygor Lopes, ela inaugurou o AE! Cozinha, um sobrado charmoso na Vila Mariana que entrega um cardápio autoral e intimista com muita personalidade. Atualmente, a chef está em destaque por conta de sua participação no novo seriado Iron Chef, da Netflix, que foi lançado no início de agosto.

 

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Terceira participante da nova série 3X4 da Versatille, a jovem cozinheira respondeu a algumas perguntas sobre sua história e sua visão gastronômica. Confira a seguir.

 

Versatille: Quando e por que decidiu se tornar cozinheira?

 

Walkyria Fagundes: Minha família é formada por médicos, então eu sempre pensei que faria medicina também. Prestei o vestibular logo depois que saí do colégio e não passei. Fiz dois anos de cursinho, e foi um período muito difícil para mim. Era muito estressante. No fim do segundo ano de estudos, eu ainda não tinha passado em nenhuma lista de faculdade, então meu pai me perguntou se eu não deveria encontrar algum caminho que me trouxesse mais prazer e menos estresse. Eu sempre adorei cozinhar com minha mãe. Fazíamos churrascos em família que eram quase uma tradição, então eu sempre gostei de estar na cozinha, mas nunca tinha pensado em ser chef. Fui fazer gastronomia por conta disso, mas, assim que comecei o curso, fui aprovada na faculdade de medicina. Foi um desespero: “O que faço? Medicina ou gastronomia? (risos)”. Mas, em pouco tempo de gastronomia, eu já havia me apaixonado e estava muito feliz. Acabei seguindo meu caminho e deixando a medicina para trás.

 

(Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: Como descreveria seu estilo de cozinha?

 

WF: Eu sou confeiteira. Passei um tempo na Europa me especializando na área e, como me formei na França, uso muito a técnica francesa. Tenho essa base gastronômica, embora use muitos produtos nacionais, que são o foco do AE! Cozinha. No fim das contas, eu adapto a técnica francesa aos ingredientes de boa qualidade aqui do Brasil. Diria que meu estilo é esse.

 

V: O que busca transmitir por meio de seus pratos?

 

WF: Eu sempre penso muito em montar um prato que abrace a pessoa que está provando. Gosto de explorar texturas e sabores para que, a cada garfada, sejam surpreendentes. Penso muito nisso na hora de criar um prato. Uma vez, assistimos a uma palestra sobre gastronomia que dizia: “Você pode provar o mesmo sabor com texturas diferentes e não vai enjoar. Mas, se você provasse sabores diferentes com a mesma textura, não aguentaria”. Isso foi uma coisa muito marcante para mim.

 

V: Para você, o futuro da cozinha é…?

 

WF: Eu acho que é uma gastronomia mais humana. Já mudamos bastante nessa nova geração, mas espero que sejamos ainda mais conscientes da origem dos produtos que usamos e que façamos uma gastronomia acolhedora.

 

V: Em sua profissão, em quem se inspira?

 

WF: Eu me inspiro em alguns confeiteiros, como Cedric Grolet, mas acho importante ter em mente que precisamos sempre nos adaptar a nossa realidade. Eu me inspiro e faço o que posso com a estrutura que tenho. Esse é o maior segredo.

 

V: Qual foi o prato mais marcante que já cozinhou em sua vida?

 

WF: O grande favorito das pessoas que visitam o restaurante é a torta de queijo com doce de leite, que é inspirada na gastronomia espanhola. Na receita da Espanha, eles usam queijo de ovelha, mas aqui não encontramos, então fizemos uma versão com queijo gorgonzola de Minas e doce de leite da casa. É um dos grandes favoritos. Mas eu gosto mais da sobremesa Paris-Brest, que tem justamente essa influência francesa que formou minha base na cozinha. É uma massa choux em forma de rosca para simbolizar a roda de uma bicicleta, porque o prato é uma homenagem ao circuito de bicicleta que tem de Paris a Brest. A massa tem creme musseline e manteiga noisette, então tem esse ar aveludado de manteiga. Fizemos um praliné de avelã e, para arrematar todo esse dulçor, colocamos um gel de laranja, mais ácido; é uma sobremesa bem completa: tem crocância, dulçor e acidez.

 

(Foto: Gabriel Bertoncel)

 

V: E o prato mais marcante que já comeu?

 

WF: Essa torta de queijo foi algo que me marcou muito. Foi uma superior minha que fez em um restaurante na Espanha. Ela fez a torta para a família, que é como eles chamam os funcionários. Na hora que eu olhei a receita, achei superestranha. Sempre fui muito aberta a coisas variadas, mas achei estranho (risos). Quando provei, foi uma coisa impressionante. É muito complexa e me tocou muito.

 

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V: O que há de mais especial na culinária brasileira?

 

WF: Os ingredientes e o que estamos conseguindo produzir com nosso terroir. Recentemente, fizemos muitas visitas a fábricas de bean to bar que trabalham com o cacau brasileiro, e foi muito legal ver todo o processo e aprender as diferenças do cacau de cada região. Fomos provando e vendo quanta variedade temos aqui. E isso não apenas com o cacau. Somos um país muito grande, com diversos biomas e formas de trabalhar. É um sonho extrair o melhor disso tudo. Não adianta aprender a cozinhar no exterior e não saber aproveitar a riqueza dos ingredientes do Brasil. Vamos mostrar que nós podemos fazer uma comida tão boa quanto a do exterior com os ingredientes que temos aqui.

 

Por Beatriz Calais

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