Em entrevista para a Versatille, Cassandra Clare revela a importância das viagens para sua vida como escritora

Com mais de 24 livros vendidos, Cassandra Clare fala sobre sua infância, seu processo criativo e seu novo livro

Foto: Jack Lima

O calor que parece ser onipresente no Rio de Janeiro me obrigava a andar com as janelas do carro abertas. O motorista do Uber me avisou que eu tinha dado sorte, já que, no dia anterior, o trânsito em direção à Bienal do Livro, meu destino, estava “impossível”. 

 

O evento, que completou 40 anos em 2023, recebeu mais de 600 mil visitantes e vendeu 5,5 milhões de livros em seus dez dias de duração. Repleto de painéis e palestras, o estande de Cassandra Clare, criadora da saga Shadowhunters, era um dos mais aguardados pelo público brasileiro. 

 

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Com mais de 20 livros publicados e ultrapassando a marca de 50 milhões de cópias vendidas ‒ 2,6 milhões apenas no Brasil ‒, a escritora best-seller de young adult recebeu a Versatille no hotel em que estava hospedada, para falar sobre seu novo livro, do subgênero alta fantasia, que foge do que ela está acostumada a escrever. 

 

Em sua segunda vez no país, a autora conta que preferiu o Rio de Janeiro a São Paulo (cidade em que esteve em sua primeira visita) e que os fãs brasileiros são incríveis. “Conheci uma agente literária que me disse que já esteve no mundo todo, mas que não há leitores como os brasileiros: eles são os mais entusiasmados e amorosos, e eu concordo com ela.” 

 

A autora, que nasceu no Irã, se mudava com frequência por conta do trabalho de seu pai. “Sempre pensei que gostaria de criar livros que poderiam ser como amigos para outras pessoas”, responde, quando a clássica pergunta “como você descobriu que queria ser escritora” é feita. França, Suíça e Inglaterra foram seu lar até os 11 anos, momento em que sua família se mudou para os Estados Unidos. “Estava sempre sozinha, a maior parte do tempo. Não tinha irmãos, mas tinha os livros. Eu costumava organizar as obras de acordo com o quão amigáveis elas eram para mim, até escolher qual delas era melhor ‘minha melhor amiga’.” 

 

Aos risos, conta que começou a escrever aos 12 anos e que seu primeiro livro, A Linda Cassandra, era um péssimo romance. A autora se formou em jornalismo para ficar perto da escrita, mas não acreditava que poderia viver apenas de suas fantasias. Seu primeiro livro publicado, Cidade dos Ossos, foi vendido enquanto trabalhava como editora em uma revista. “Estava elaborando meu terceiro livro quando a empresa me ofereceu um trabalho estável, com benefícios e plano de saúde, o que é algo muito significativo nos Estados Unidos, e eu disse não, porque, se eu aceitasse, não teria tempo suficiente para escrever minhas obras.” 

 

Depois dessa decisão, Cassandra não parou de escrever. Organização é palavra-chave em seu cotidiano, já que costuma trabalhar em mais de um projeto ao mesmo tempo. “Eu tento manter os ‘dados’ de cada história bem separados para ‘resetar meu cérebro’ cada vez que foco algo diferente.” Mas não é apenas com trabalho dentro de casa que se cria uma boa história; viajar e conhecer outras culturas, assim como perspectivas, é parte essencial de seu processo. 

 

Cassandra já esteve em vários lugares do mundo, e cada país adicionou algo novo a sua mente criativa. A escritora conta que é difícil escolher sua viagem preferida, mas que seu mochilão pela Europa é uma memória especial. “Foi minha primeira viagem sozinha, e eu era realmente ruim nisso: me perdi, andei com uma gangue de motociclistas, não sabia onde estava e sempre perdia meus trens, mas são momentos ótimos. Viajar é abraçar o caos do desconhecido e apenas experimentar.” 

 

Outra viagem especial foi a que inspirou seu novo livro, O Portador da Espada (lançado no Brasil no dia 13 de novembro deste ano). Ela estava viajando com seu marido pelo sudeste asiático em direção à Itália quando percebeu que estavam seguindo a antiga Rota da Seda. Em meio aos passeios, começou a fantasiar sobre algo pequeno, mas que despertou sua curiosidade. Mergulhou de cabeça nos estudos sobre os comerciantes, o estilo de vida, o mercado, o dinheiro e o poder político que circulavam nas cidades naquela época. 

 

 

Também contou que, no mesmo período da viagem, estava assistindo a um reality show sobre pessoas que eram presas na imigração e que um dos episódios chamou sua atenção: um garoto alegava ser um dos filhos de Saddam Hussein. Cirurgias plásticas foram feitas para que ele se assemelhasse à família, mas as autoridades descobriram que ele era apenas um bode expiatório. “O Portador da Espada é sobre um menino que se torna um substituto para o príncipe do reino. O trabalho dele é ser aquele que se põe à frente do perigo para proteger a coroa. Conforme ele vai crescendo, começa a pensar e ter questionamentos: ‘Eu não sou uma pessoa, só existo para que alguém não morra. O que significa isso? Qual é meu real propósito na vida?’. Essas ideias inspiraram a nova história.” 

 

Em movimento recente, Cassandra saiu do mundo do young adult e escreveu seu primeiro livro adulto de alta fantasia. Animada com o lançamento, ela espera que os leitores amem essa nova aventura tanto quanto amam o mundo de Shadowhunters. “Minha expectativa é que eles sintam o que eu senti, mas é sempre inesperado. Mesmo agora, que eu já publiquei 24 livros, estou esperando pelo elemento-surpresa, pensando: ‘O que eles vão sentir que eu não esperava?’. Eu amo muito os novos personagens, estou investida na história deles. Espero que os leitores também se sintam assim.” 

 

Por Marcella Fonseca | Matéria publicada na edição 132 da Versatille