“Gastronomia é uma forma de expressar carinho”, diz o chef Pablo Inca
À frente do Cora, o cozinheiro participa da nova série 3X4 da Versatille a respeito do olhar da nova geração sobre a gastronomia
Para o chef argentino Pablo Inca, a gastronomia sempre foi uma grande amiga. Desde pequeno, ao assistir programas de culinária na televisão, ele sabia que havia algo que o impressionava no ato de cozinhar. Mesmo assim, no início da vida adulta, o jovem decidiu seguir caminhos mais tradicionais, e iniciou a graduação de relações internacionais. Depois, transferiu os estudos para o direito. No meio do processo, começou a trabalhar em um restaurante para ajudar a pagar a faculdade – a proximidade com a cozinha apenas deixou clara a paixão que tinha desde a infância pela gastronomia.
Chegou a se formar em direito, mas não exerceu a profissão. Continuou trabalhando em restaurantes e foi estudar gastronomia. Em 2011, decidiu viajar para São Paulo a fim de conhecer a famosa cena gastronômica da capital, e se apaixonou pelas oportunidades que encontrou. Era apenas uma viagem de lazer, mas Inca acabou ficando para sempre. No Brasil há mais de dez anos, o chef teve uma longa passagem pelo restaurante Arturito, de Paola Carosella, e hoje comanda a cozinha do restaurante Cora, inaugurado em 2021 com o objetivo de oferecer pratos despretensiosos, saborosos e sem modismos.
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Quinto participante da nova série 3X4 da Versatille, o jovem cozinheiro respondeu a algumas perguntas sobre sua história e sua visão gastronômica. Confira a seguir.
Versatille: Quando e por que decidiu se tornar cozinheiro?
Pablo Inca: Eu sempre fui interessado em cozinha, desde pequeno. Costumava assistir às programações gastronômicas na televisão da Argentina e ficava muito entretido, mas era incentivado a seguir outros caminhos. Fui estudar relações internacionais e direito, mas sempre tive vontade de fazer algo relacionado à cozinha. No meio do curso, comecei a trabalhar em restaurantes para pagar os estudos, então arrumei uma forma de me aproximar desse mundo. Cheguei a finalizar a graduação em direito, mas já estava mergulhado na rotina dos restaurantes e acabei não exercendo a profissão. A gente sempre sabe o que quer, mas muitas vezes tentamos esconder para agradar a outras pessoas. Depois que comecei a estudar gastronomia, viajei para o Brasil para conhecer São Paulo e acabei ficando (risos).
V: Como descreveria seu estilo de cozinha?
PI: A minha cozinha já passou por muitos momentos e evoluiu demais. Hoje, acredito que ela tenha bastante referência nas minhas origens. Ela é simples, emotiva, e não procura surpreender, mas tem a finalidade de nutrir, além de alimentar. Isso faz sentido para mim. Eu tento aproveitar ao máximo todos os produtos.
V: O que busca transmitir por meio de seus pratos?
PI: Tento transmitir carinho. Gastronomia é uma forma de expressar carinho, porque faz muito mais sentido do que simplesmente apresentar um prato bonito, bem decorado, mas que não faça com que os clientes sintam emoções ao provar. Ou que eu, como chef, não sinta carinho ao fazer. Não pretendo surpreender nem fazer grandes firulas. A comida tem, na própria essência, uma expressão emocional. Isso depende de como usamos os produtos e interpretamos os ingredientes.
V: Para você, o futuro da cozinha é…?
PI: Precisamos nos reeducar a respeito da origem das coisas. Hoje, por uma questão de movimento social e político, sentimos não ter tempo para nada. Nesse processo, perdemos a noção da importância sobre a alimentação. Encontramos comidas em caixinhas de isopor e cobertas por plástico filme, e isso dá a impressão de que a comida vem da prateleira. Que a comida nasceu ali. Precisamos pesquisar mais os ingredientes e a origem dos produtos. Muitos cozinheiros estão atrás disso, e eu acho importante. A cozinha do futuro vem carregada de movimentos nesse sentido, que valorizam a origem de tudo. Essa nova visão impacta mais questões do que imaginamos. Ela faz com que a gastronomia se torne mais acessível e democrática.
V: Em sua profissão, em quem se inspira?
PI: Várias pessoas de quem tive a oportunidade de estar próximo em algum momento da minha trajetória, como Paola Carosella. Esses chefs mudaram a minha visão sobre cozinha e sobre o funcionamento de um restaurante. Não me transmitiram apenas disciplina, mas também valores.
V: Qual foi o prato mais marcante que já cozinhou em sua vida?
PI: Uma das coisas que mais me marcam, mas que são muito simples de fazer, é um prato do Cora feito de caqui. Não está no cardápio atualmente, mas era feito de caqui, queijo, ervas e nibs de cacau. Temperávamos o caqui com flor de sal, limão, bastante queijo por cima e ervas frescas. É um prato muito simples, mas extremamente saboroso, convidativo e colorido. Para mim, esse prato representa a riqueza da simplicidade na gastronomia. Muitas vezes, parece que as comidas dos chefs são muito distantes da comida caseira, mas não precisa ser assim. Esse era um prato fácil de fazer, mas criativo e com muito valor aos ingredientes. É esse tipo de experiência que eu busco entregar.
V: E o prato mais marcante que já comeu?
PI: Uma vez eu estive na África do Sul e provei um prato de lula frita com molho de pimenta e milho. O sabor desse molho foi a maior referência gastronômica dessa viagem. Ficou na minha cabeça por muito tempo. Ele me trouxe referências familiares e me mostrou o que eu realmente gosto de fazer na cozinha. Realmente me inspirou.
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V: O que há de mais especial na culinária brasileira?
PI: No momento, com a revalorização dos alimentos, acho que o que mais me chama a atenção é a diversidade gastronômica que temos. Há 12 anos, éramos uma réplica da cozinha europeia e americana, mas hoje a cozinha brasileira mostra cada vez mais a sua identidade. Cada vez mais os chefs lutam pelo uso dos ingredientes nacionais. Queijos incríveis, farinhas sensacionais e hortaliças surpreendentes. Todo esse movimento é muito incrível e traz um leque de possibilidades para explorarmos cada região brasileira.
Por Beatriz Calais