Samurais do Doce

AO FUNDIR A BASE E A LEVEZA DA MILENAR CONFEITARIA JAPONESA AO PRIMOR TÉCNICO DA PÂTISSERIE FRANCESA, AS CHEFS VIVIANNE WAKUDA E SAIKO IZAWA BRILHAM NA RESTAURAÇÃO PAULISTANA COM CRIAÇÕES AUTORAIS QUE INSTIGAM OS OLHOS

AO FUNDIR A BASE E A LEVEZA DA MILENAR CONFEITARIA JAPONESA AO PRIMOR TÉCNICO DA PÂTISSERIE FRANCESA, AS CHEFS VIVIANNE WAKUDA E SAIKO IZAWA BRILHAM NA RESTAURAÇÃO PAULISTANA COM CRIAÇÕES AUTORAIS QUE INSTIGAM OS OLHOS E O PALADAR

 

Em comum, os olhos puxados de quem descende ou nasceu no lado oriental do planeta e o enorme talento no trato do doce. Dueto samurai feminino que tem brilhado na cena gastronômica de São Paulo, as chefs-pâtissiers Vivianne Hitomi Wakuda, da Wakuda Pâtisserie, e Saiko Izawa, do incensado Casa do Porco, do premiado chef Jefferson Rueda, trafegam com desenvoltura entre a leveza dos wagashis — os tradicionais doces da clássica confeitaria japonesa ligada ao culto do chá — e os cânones e o primor técnico da pâtisserie francesa representados em boa medida pelos yogashis (o doce japonês ocidentalizado), utilizando ingredientes e a alma brasileiros. O resultado? Criações autorais de extrema ousadia que primam pela originalidade e pelo equilíbrio de cores, sabores e texturas.

 

Paulista natural de São Roque mas criada na vizinha Ibiúna, a menos de uma hora da capital, Vivi Wakuda, de 29 anos, se formou, em 2007, nos bancos do Senac de Campos do Jordão. Ainda durante o curso ganhou uma bolsa de estudos no Japão. Viajou para a terra de seus ancestrais para aprender os segredos da confeitaria da pátria do Sol Nascente, tanto a milenar quanto a ocidentalizada, ambas, por sinal, bem pouco conhecidas dos gourmets e foodies brasileiros.

 

Lá, na província de Fukui, estagiou em uma confeitaria antiquíssima, cuja fundação data de 1699, onde aprendeu os segredos dos yogashis. Também descobriu como aproveitar os ingredientes de formas diferentes, resgatando o repertório que trazia da infância, na qual os pais e os avós, produtores rurais do interior, plantavam hortaliças, batata-doce, castanha portuguesa e caqui, dentre outros produtos.

 

“Vi que, a partir desta vertente confeiteira, poderia usar todos esses ingredientes nas receitas e não apenas os tradicionais arroz e feijão”, diz.

 

Como se sabe, os wagashis, como são chamados os doces tradicionais feitos, em geral, à base de arroz, feijão, batata-doce, agar-agar e consumidos pelos japoneses depois do almoço durante o oyatsu, não são excessivamente doces. Pelo contrário. O sabor de cada ingrediente aparece bastante, bem mais que o do açúcar, mesmo nas receitas mais simples e rústicas, assim como sua textura e forma. São, geralmente, acompanhados de matchá, o chá-verde servido na cerimônia do chá, que pode ser tomado quente ou frio.

 

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O uso do matchá, por sinal, é uma das especialidades de Vivi e uma de suas principais marcas registradas. Ele está presente, por exemplo, nos irresistíveis choux cream (de origem francesa, é uma espécie de carolina, cuja massa ultraleve é recheada com um delicado creme legère), mil crepes e o bolo de frutas, criações que executa com mestria e fazem a fama de sua pâtisserie nos Jardins, e que, hoje, abastece vários endereços japoneses paulistanos como o Aizomê e o Izakaya Issa, entre outros. (Em tempo: antes de alçar carreira-solo, a jovem craque do doce integrou as equipes de pâtisserie do francês Fabrice Lenud, no Douce France, e das chefs Carla Pernambuco e Carolina Brandão, no Las Chicas.)

 

RECEITA NIPO-CAIPIRA

Com criações tão sedutoras e instigantes quanto as de Vivianne, a nipo-paulistana Saiko Izawa, veio ainda adolescente para o Brasil com a família. Nascida na capital japonesa, voltou para lá anos depois para aprimorar a vocação precoce para o doce e estudar na prestigiada Le Cordon Bleu de Tóquio e, a seguir, na de Paris. Ainda na capital japonesa, estagiou na famosa padaria familiar Comus, que lhe ensinou os segredos da panificação oriental. De volta ao Brasil, iniciou-se na produção de doces e pães destinada ao consumo da colônia japonesa de São Paulo para, em seguida, enveredar na restauração profissional com o chef Alex Atala, no D.O.M.

 

Aproximou-se, a seguir, de outro craque das panelas: o premiadíssimo Jefferson Rueda, com quem trabalha há vários anos, desde o restaurante Attimo. Hoje, ela está à frente da confeitaria da badalada Casa do Porco, onde tem espaço para perpetrar suas criações “nipo-caipiras” que seguem a filosofia da cozinha, de valorização dos ingredientes e dos sabores caseiros da culinária do interior paulista, em especial da região de São José do Rio Pardo, cidade onde nasceu Rueda.

 

“No restaurante, trabalhamos toda a evolução do menu, das entradas às sobremesas. Pensamos num fio condutor, quais ingredientes são marcantes, e acabo trazendo a influência da confeitaria japonesa pelo equilíbrio de sabores e a sutileza dos doces”, sintetiza Saiko.

 

A partir dessa concepção, são memoráveis, por exemplo, os bolinhos de chuva com sorvete, que comprovam a tese de que o sofisticado, por vezes, é o simples. O colorido e delicado sorbet de manjericão com morangos e lâminas de salsão, em uma combinação inusitada de sabores refrescantes e texturas. O ousado e divertido pudim de leite com algodão doce. A irresistível versão de creme de mamão-papaia da casa. E, ainda, o insuperável e emblemático Romeu e Julieta, reinterpretado de modo sutil por Saiko com goiabada branca cremosa, compota de goiaba vermelha e lâminas de queijo branco de Rio Pardo, pimenta-rosa e minifolhas de manjericão. Verdadeira obra-prima. E uma festa para os olhos e o paladar.

 

Gastronomia por marco merguizzo | Matéria publicada na edição 97 da Revista Versatille

 

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