O que fazer em quatro dias de viagem por Marrakesh, cidade mais turística do Marrocos
Menos de uma semana no hotel Royal Mansour, no Marrocos, é o suficiente para apaixonar-se pelo destino
Existem destinos que criam uma separação clara entre aqueles que visitamos antes e os que visitaremos depois, e Marrakesh, em minha visão e experiência, se enquadra justamente como um divisor de águas entre tantos outros destinos pelo mundo. A cidade mais turística do Marrocos é uma ótima porta de entrada para um país fascinante: há estrutura, há pontos turísticos, há gastronomia de qualidade e há, também, hotelaria de alto padrão, e quando falo nisso me refiro ao Royal Mansour, hotel construído pelo atual rei do Marrocos, Mohammed VI, e que foi a “casa” da Versatille por quatro noites.
É de fato uma experiência única chegar a uma propriedade que tem como missão preservar e mostrar ao mundo o melhor do trabalho manual de artesãos marroquinos, assim como a arquitetura local, que por si só renderia infinitas matérias. Peço licença poética para expor, nas páginas a seguir, um diário de viagem de uma jornalista que pisou no continente africano pela primeira vez e agora se pergunta: “Por que tanta demora para chegar aqui?”.
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25 de setembro de 2022, dia 1
Desembarco no Aeroporto de Menara (RAK), vinda de um voo bem cedo, de Paris. As cidades, aliás, possuem diversos voos diários, e a duração da viagem entre elas é de apenas 3h15, o que pode ser considerado uma “escapada” fácil na próxima ida a França e também pode ser explicado pela extrema ligação entre as culturas francesa e marroquina, que discorrerei no decorrer do texto. Faço os trâmites de entrada no país com ajuda do serviço VIP de fast track, e chego ao lobby, onde um carro e um chofer do Royal Mansour me aguardam para o rápido trajeto (cerca de 15 minutos) até a propriedade. Para minha surpresa, chove na cidade, e, até arrisco dizer, o vento é bem gelado – o que é uma felicidade enorme para os locais. Logo no carro, aprendo pontos-chave da minha imersão que está prestes a começar: a importância da Argania Spinosa, que nada mais é do que a árvore espinhosa que dá origem ao óleo de argan, e as características especiais das oliveiras marroquinas. Entendo, também, a separação de Marrakesh entre a Medina, a cidade antiga e murada, fundada no século 11 pela Dinastia Násrida. O hotel está dentro dele, um trunfo enorme para explorar as atrações turísticas e também os souks, os mercados tradicionais marroquinos, com produtos locais que enchem os olhos, por sua exoticidade, cores e beleza.
A primeira vista do hotel é impactante: fica nítido que quem vai ao Royal Mansour busca um refúgio com muita privacidade. As acomodações são 53 riads, todos únicos, com alguns pontos em comum entre eles, que são a fonte no pátio, os três andares e a piscina no rooftop. De resto, espere por detalhes mil, que enchem os olhos e são sempre uma descoberta durante a estadia. O primeiro dia começa com um almoço no La Table, a brasserie francesa e contemporânea do hotel, que tem pratos leves, uma conjunção entre terra e mar, com uso de ingredientes locais. O chef Yannick Alléno, que está no comando executivo da gastronomia desde a fundação, reformulou recentemente o cardápio e o conceito do restaurante. É também lá que o café da manhã é servido, ou no conforto de seu riad. Aproveito o período da tarde para descansar, pois até então não sabia que teria um dos jantares mais memoráveis de minha vida, no La Grande Table Marocaine.
Compreender a cultura por meio da culinária
O jantar, no La Grande Table, começa pelo impactante pátio azul, no qual degustamos pela primeira vez o típico chá marroquino, que traz em sua receita tradicional chá-verde, folhas de hortelã, tabletes de açúcar e água, em uma cerimônia de muita destreza manual. O abre-alas é apenas uma pequena parte de uma refeição sem precedentes, na qual sabores inéditos se revelam em sequência de pratos compartilhados no centro da mesa. É inesquecível a pastilla de frutos do mar, que é uma torta típica marroquina (doce ou salgada), feita de camadas de massa filo, com preparo de muitas etapas. Os tagines, mais conhecidos dos brasileiros, também foram servidos. O jantar foi finalizado com sobremesas autorais, como a mousse de chocolate com óleo de argan (sim, o argan também tem sua versão comestível) e as pérolas de laranja, outra fruta imperdível de se provar no país.
26 de setembro de 2022, dia 2
Logo cedo, é hora de conhecer – e, claro, comer – o café da manhã típico marroquino: os incríveis crepes de semolina e também os ovos shakshuka (que levam pimentão e molho de tomate). Sem muitas delongas, nós nos encaminhamos para fora do hotel com um guia, que nos leva à Mesquita Koutoubia, construída no século 12. Aqui, vale ressaltar que os visitantes podem apenas admirá-la do lado de fora, na praça dos arredores, pois a construção é apenas aberta aos muçulmanos (o que, particularmente, achei ótimo, um ato de respeito). Seguimos para a caminhada na Medina e suas ruas estreitas e vibrantes e que podem também parecer caóticas, especialmente para quem não está habituado. Chegamos então ao Palácio da Bahia, construído no fim do século 19, em estilo árabe-andaluz, um dos principais pontos turísticos de Marrakesh. Minha dica? Olhe muito para cima, para os tetos extremamente entalhados, com cores e padronagens impressionantes. Ainda dentro da Medina, chegamos a um herborista de “confiança”, segundo o guia. A Herboristerie Bab Agnaou comercializa ervas e produtos naturais que valem a visita (nem que seja só pela curiosidade): remédios naturais para dores ou o mais desejado do momento, o óleo de figo da Índia, que promete botox natural, e os diferentes óleos de argan.
No jantar, chega o momento de descobrir o Sesamo, o restaurante mais recente do hotel. De culinária italiana, tem menu assinado pelo prestigiado chef Massimiliano Alajmo. O capuccino Majorelle, inspirado no Jardin Majorelle, é uma das entradas e traz, além de beleza, uma infusão interessante de tinta de lula e creme de batatas. Mais uma dica: termine o banquete italiano com o tiramisù.
27 de setembro de 2022, dia 3
O café da manhã, servido no terceiro andar do riad, é agraciado pela infinidade de pássaros que se aproximam – muitos atraídos pelos pães e croissants dispostos na mesa, é claro – e um nascer do Sol lindo, que revela o céu azul de Marrakesh, que constrasta perfeitamente com o tom terracota característico das casas. Na sequência, ando pela propriedade, especificamente nos jardins (que foram anexados em 2016), em um caminho verde e agradável que me leva ao spa. Adentro um ambiente branco, um contraste com a maioria dos outros ambientes, que são mais escuros, e aguardo meus tratamentos: um típico hammam marroquino e, na sequência, massagem corporal relaxante.
O hammam sempre foi um tratamento curioso para mim. Comumente confundido com o banho turco, ou com a sauna, o tradicional hammam marroquino é um ritual de purificação, que consiste em uma esfoliação da pele, para a retirada dos tecidos mortos, e posterior hidratação. Na construção do Royal Mansour, o hotel inspirou-se nos hammams antigos, e, por isso, a experiência é genuína. Primeiro, deita-se em uma pedra de mármore quente, para abrir os poros. Depois, a terapeuta começa a jogar bacias de água sobre o corpo, e, com uma luva, esfolia vigorosamente a pele. Após isso, mais um tempo de repouso, e mais “baciadas” para limpar. E, na sequência, um banho com óleos naturais, como o de argan. Depois, sou encaminhada para um chuveiro, para tirar qualquer resíduo extra, e, por fim, sou convidada a entrar em uma piscina gelada, para fechar os poros. O resultado é imediato: a pele fica completamente fina e hidratada.
No almoço, hora de conhecer o Le Jardin, com menu fusion asiático, com direito a dim sum (os raviólis chineses cozidos no vapor) e o melhor black cod (uma receita japonesa, com peixe-carvão-do-pacífico) que já experimentei. Chega a hora de conhecer duas atrações que são recorde de visitações: os vizinhos Museu Yves Saint Laurent e Jardin Majorelle, ambos localizados na Rue Yves Saint Laurent. O museu, inaugurado em 2017, traz uma pequena amostra do trabalho do estilista francês, que se apaixonou por Marrakesh nos anos 1980 e comprou a propriedade do Jardin Majorelle (que no passado pertenceu ao pintor Jacques Majorelle). Já o jardim é um deslumbre para os olhos: a casa azul, os cactos gigantes e uma riqueza enorme de vegetação.
De volta ao Royal Mansour, a noite começa com degustação na cave de vinhos: é lá que está uma grande coleção de Château Cheval Blanc, além de uma variedade de 1.300 rótulos e mais de 25 mil garrafas. É também na cave subterrânea e refrigerada que degustamos vinhos marroquinos como o Blanc de Baccari, do Domaine de Baccari – vinícola localizada na pequena cidade de Ait Ouikhalfen. Aliás, descobrir uma indústria de vinhos local foi uma grata surpresa.
28 de setembro de 2022, dia 4
O último dia completo em Marrakesh começa com uma visita ao palácio Dar el Bacha, construído em 1910, que no passado pertenceu a uma das figuras políticas mais relevantes do país, Thami El Glaoui. Durante anos, ele viveu no local e recebeu convidados ilustres como Winston Churchill e Franklyn Roosevelt. Adentrar lugares onde muitas conversas importantes se desenrolaram e até mesmo grandes decisões foram tomadas é como receber um tíquete para uma viagem ao passado. O brunch/almoço é no Bacha Coffee, uma instituição do café, especializada em grãos 100% arábica provenientes do mundo inteiro. Extremamente pitoresco e convidativo, o lugar é concorrido e se tornou uma franquia global, com lojas em Singapura e Paris.
Entre os visitados na viagem, o souk da Rue Dar El Bacha é o mais interessante, pois percebe-se a fusão entre o moderno e o antigo, de maneira harmoniosa. Lojas de designers jovens, mas que ainda preservam as tradições, estão localizadas por lá, além de lojas bem típicas com tapeçarias, roupas, lamparinas, acessórios, itens de decoração e babouches.
No fim da tarde, uma visita à Fondation Serge Lutens – onde não é permitido fotos e vídeos –, um segredo muito bem guardado de Marrakesh. O perfumista e gênio francês começou a construir a propriedade em questão nos anos 1970, e tudo segue em constante mudança. Não há vocabulário para definir o que vi por lá: o máximo do trabalho manual, e também uma homenagem e preservação das técnicas ancestrais marroquinas, misturados a corredores perfeitamente simétricos e jardins com árvores centenárias. O tour não é aberto ao público: apenas o Royal Mansour consegue agendar a visita, caso haja disponibilidade. Para completar, a ida e a volta do passeio foi feita de moto vintage (pela primeira vez, em um sidecar), uma parceria com a Marrakech Insiders.
Para o último jantar, uma produção cinematográfica – o hotel está habituado ao nível máximo de personalização em eventos de pequeno e grande porte – dentro de um riad de três dormitórios, com amplo rooftop. Uma noite clara e estrelada é o cenário de um jantar com pratos de países árabes, como do Líbano. Após esse boa-noite, é hora de dormir e, na próxima manhã, deixar Marrakesh com uma única certeza: hei de voltar.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 128 da Versatille