“Eu não quero mais ouvir que as técnicas da cozinha brasileira são erradas”, diz Janaína Torres
A chef conquistou seu lugar no mundo sendo exatamente quem é. Agora, ela se prepara para abrir um novo negócio, que promete um retrato fidedigno do Brasil por meio da gastronomia
Bonito é ver alguém fiel à sua essência e que não muda para atender à expectativa dos outros. É com isso em mente que chego à história de Janaína Torres, eleita recentemente a Melhor Chef Mulher do Mundo pelo Worlds 50 Best. Essa é, de fato, mais uma conquista em sua vida, que pode até dizer muito sobre ela, mas não a resume.
Mãe, empreendedora, cozinheira, chef, mulher. Nascida na região central de São Paulo, no Bixiga, Janaína Torres cresceu em um cortiço, ambiente que propiciou o seu convívio próximo com a comida desde muito nova. Mas foi em seu Bar da Dona Onça, aberto há 16 anos, que a cozinheira começou a mostrar bem mais do que a sua – a minha e a nossa – cozinha brasileira. Num endereço icônico paulistano, aos pés do Edifício Copan, o restaurante de Janaína serve clássicos descomplicados: “As pessoas vão até lá para comer o prato específico, então não posso tirar nada”, conta ela, enquanto está sendo maquiada para as fotos do editorial e da capa desta edição.
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Já com a Casa do Porco, restaurante que comandou por anos ao lado de seu ex-marido Jefferson Rueda, que continua seu sócio, revolucionou a forma como as pessoas compreendiam o animal – e muitas vezes o limitavam – e ganhou reconhecimento global, que vai bem além da atual 12ª posição da lista 50 Best. Nos últimos anos, foi ela quem assinou os menus-degustação. Inclusive, lembro-me com carinho do último em que estive, “Somos todos de carne e osso”, em cartaz no último ano. Tinha uma delicadeza tanto na proteína-protagonista como nos vegetais, oriundos da horta do Sítio Rueda.
Além dos dois restaurantes ultra-estabelecidos, três conceitos mais casuais compõem o portfólio de casas: Merenda da Cidade, Hot Pork e a Sorveteria do Centro. Mas a grande novidade, em primeira mão, que me conta numa euforia delicada, com seus olhos azuis e sempre atentos, é o nascimento do A Brasileira. Mas, afinal, o que é isso?
“A Brasileira é onde eu vou poder mostrar a comida brasileira de hoje. O que eu penso da nossa cozinha. Dentro desse lugar, que por enquanto é itinerante, eu tenho a possibilidade de abrir conversas, congressos, introduzir debates relevantes. No futuro, quando for um espaço físico, terá um restaurante autoral, uma curadoria de produtos brasileiros e, claro, um espaço para essas conversas, sempre olhando para aquilo que a gastronomia tem que se tornar lá na frente, mas pensando no nosso passado, nos povos originários.”
Previsto para ser inaugurado no fim do próximo ano, A Brasileira funcionará de forma móvel, até se estabelecer num ponto. A motivação para o nome, mais uma vez, é a própria Janaína, assim como aconteceu no Bar da Dona Onça, seu apelido, que atualmente carrega até no braço. “O nome A Brasileira é porque os gringos passaram a se referir a mim como aquela brasileira, a que cozinha, do tipo ‘chama a brasileira’, e pegou [risos].”
Sem papas na língua, todos sabem: não há maior defensora e orgulhosa da comida brasileira que Janaína Torres. Pauta frequente em sua vida, ela sempre se manteve fiel ao seu estilo próprio, muitas vezes subjugado: “Eu não quero mais ouvir que as técnicas da cozinha brasileira são erradas. As Janaínas, as Marias, elas são muito subestimadas. Eu não estudei a cozinha francesa, a minha técnica é a cotidiana. E quem vai dizer que isso é errado?”, comenta, sem ares de indignação.
“Eu não sei cozinhar para pouca gente. A minha casa é cheia, o tempo inteiro. São os meus dois filhos, os agregados, o Walério [Araújo, amigo e vizinho de longa data]. É uma festa sempre.” Com o que chama de cozinha popular afetiva, Janaína é presença frequente em jantares fora do Brasil, sejam eles feito por chefs ou oficiais, momentos em que faz questão — com muita maestria — de mostrar o Brasil para o mundo. É também conhecida, como a frase do início do parágrafo já mostra, por ser exímia anfitriã, em momentos que serve, usualmente, sua famosa feijoada ou a galinhada. Inegavelmente, brasileiríssimos, como ela, a brasileira.
texto: giulianna iodice
fotos: júlia zeidler
assistente de fotografia: ethel braga e jonas felipe araujo
tratamento de imagem: bruna splitter
stylist: ana parisi
produção de moda: jonathan ferreira de souza
produção executiva: alessandra della rocca
beleza: raul mello
filmmaker: jack lima
camareira: íris dantas
locação: renata edifício