Estética coastal grandmother revela um crescente desejo da nova geração por pausa e tranquilidade

Após a febre de tendências pautadas no exagero, a estética coastal grandmother ascende como a pausa necessária em meio a uma rotina frenética

(Getty Images)

Colher peônias frescas de seu jardim, abrir uma garrafa de vinho tinto às 4 horas da tarde, fazer longas caminhadas à beira da praia, usar joias douradas, um suéter e um chapéu de palha: esses são hábitos típicos de uma avó costeira, que batiza a estética em ascensão coastal grandmother. Após um período em que o estilo “euphoria” – influenciado pela série de sucesso da HBO Max – dominou as redes, curiosamente, um crescente desejo por pausa e tranquilidade é evidenciado pelos números elevados de engajamento em publicações com essa nova identidade visual. No TikTok, por exemplo, a hashtag coastal grandmother já acumula mais de 80 milhões de visualizações.

 

Mais do que uma forma de se vestir, a estética abrange decoração, atividades do cotidiano e, principalmente, um modo de levar a vida. “Eu a vejo como um lugar de desprendimento. Quem o adota – tanto mulheres quanto homens – é tão conhecedor de si, sabe das preferências de seus ideais, daquilo que gosta intelectualmente, até em termos artísticos, que acaba transmitindo um estilo despretensioso, cool, relax, que não está preocupado com as demandas e a correria da vida. Trata-se daquele que está imerso no presente”, explica o pesquisador em filosofia e teoria da moda na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brunno Almeida Maia.

 

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Atentar-se ao nome da estética, bastante específico, é essencial para compreendê-la, uma vez que essa maturidade, característica do estilo, não está presente em qualquer faixa etária: “Muito se fala que a velhice – não como idade, mas como modo de vida – é um momento no qual aquele que atinge esse lugar não está mais tão preocupado com o futuro, ou seja, não é mais uma pessoa ansiosa e já compreende o passado. A velhice permite que você faça uma imersão no presente e viva cada instante. Esse lifestyle é muito menos sobre o ter, possuir e fazer e muito mais sobre o ser”, afirma Maia.

 

Post da atriz Anne Hathaway em seu Instagram, vestida no estilo coastal grandmother (Reprodução)

 

Apesar de bastante popular na atualidade, o coastal grandmother remonta ao século 20, quando a ideia de conforto e casualidade estava em voga. Segundo o especialista, o estilo pautado em uma tendência quase naturalista, sem excessos, remete aos primórdios da modernização da mulher nessa época. No que diz respeito à moda, uma cartela de cores neutras, como bege e branco, o linho, as camisas, os suéteres e mocassins são típicos dessa estética – difícil não pensar em Coco Chanel. Não à toa, as criações da estilista durante os anos 1920 estão diretamente ligadas à origem desse estilo: “Ela foi precursora em mostrar que peças cotidianas formam uma elegância no sentido de que não devem se sobrepor à individualidade, e sim ajudar a constituir e ressaltar a beleza, a personalidade e o estilo de vida de quem as veste”, diz.

 

A cultura e o lifestyle americanos, por sua vez, também têm forte influência sobre a estética. Marcas como Lacoste, Calvin Klein e principalmente Ralph Lauren, sobretudo nos anos 1980 e 1990, traduzem bem a essência do coastal grand-mother, pois, além de oferecer peças casuais e confortáveis, apoiam-se na ideia de modo de vida. A Ralph Lauren possui até mesmo cafés, bares e restaurantes em diferentes cidades pelo mundo, como Nova York, Londres, Paris, Munique e Tóquio. Já a Zara e Birkenstock são referências contemporâneas. No Brasil, algumas marcas com esse estilo são Maria Bonita Extra e a label que segue uma linha sustentável, Flávia Aranha.

 

Como as tendências são cíclicas, é interessante refletir as circunstâncias atuais que trazem à tona o costal grandmother não só na moda, mas em todas as vertentes nas quais ele está presente. “É o espírito do tempo em que estamos vivendo, momento que passa tanto pela pandemia quanto pela pós-covid-19 e novos formatos de trabalho, que incluem a integração presencial com o home office, ou completamente home office. Ao estar dentro de casa, as pessoas começaram a criar um espaço de aconchego – inclusive, essa palavra é uma boa tradução para a tendência. Isso vai aparecer também na decoração e no mobiliário”, explica Maia.

 

Coco Chanel no período entre guerras (1928)(Wiki Commons)

 

Para o pesquisador, a casa não representa mais apenas o lugar de destino após o expediente, mas sim um lar. Nesse sentido, a composição do ambiente cumpre um papel fundamental: “Precisa ter cara de lar, de lugar que habito, no qual sou acolhido”, diz. Além disso, é um espaço destinado ao autocuidado. “Você tem um lugar para se permitir, manter a aparência, fazer todos os procedimentos estéticos. Eu acho que as pessoas descobriram que elas podem cuidar de si, mesmo não estando à vista do outro.”

 

Embora o coastal grandmother esteja ligado a uma fase de vida madura, a geração Z – assídua do TikTok – ganha destaque no resgate do estilo. Segundo Maia, os jovens têm se envolvido com a estética justamente como uma forma de escapismo dos excessos e do ritmo acelerado com os quais convivem diariamente. Além disso, o fato de serem politizados e engajados com pautas sociais incentiva um pensamento crítico sobre os males desse estilo de vida frenético.

 

Modelo da Ralph Lauren, também com roupas típicas da estética (Reprodução)

 

“Eles já nasceram nesse movimento da tecnologia e de uma sobrecarga de informações, tanto textuais quanto visuais. Então, é como se eles estivessem cansados e essa estética representasse um basta em relação à sobrecarga do dia a dia e da moda.” Segundo Maia, a ascensão do coastal grandmother, baseado em um estilo clássico e atemporal, abre espaço para uma busca por modos de vida mais sustentáveis, que não sejam pautados pelo excesso de conteúdo e tendências extremamente passageiras. “Acho que é isto que essa geração também está procurando: um lugar sólido neste mundo que se convulsionou no pós-pandemia.”

 

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Com um nome simples e aparentemente “limitante” a um só público, a estética da avó costeira surpreende ao atrair diferentes faixas etárias e conectar gerações. Afinal, ter um momento de ócio para aproveitar as simplicidades da vida e se sentir linda naturalmente é, de fato, irresistível para qualquer um. E é exatamente essa fácil identificação que torna o costal grandmother especial: “É um estilo acessível não só no sentido de código visual, mas que possibilita a qualquer um constituí-lo. Ele está ligado tanto ao modo de viver americano quanto ao italiano. Eu vejo essa mulher na parte costeira dos Estados Unidos, mas também na região do Mediterrâneo ou até passeando em Paraty”, conclui. 

 

Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 126 da Versatille