De Lima para o mundo: a trajetória da chef Pía León
Em passagem por São Paulo, Pía León, que recebeu o título de melhor chef do mundo em 2021, demonstra a pluralidade do Peru em seus pratos únicos
Assim como o Brasil, o Peru é um país multicultural, com mistura de costumes, que passa pela tradição dos povos antigos e pela presença de outras nacionalidades durante a história da nação. Em sua base, heranças dos mouros, franceses, africanos, chineses, japoneses e italianos, que atravessaram o território deixando sua marca, o que torna o Peru um território com influências gastronômicas de quatro continentes.
A retomada histórica explica um pouco do sucesso que a cozinha peruana ganhou desde o início do século, sendo reconhecida, em 2012, como o principal destino culinário em nível mundial. Falar apenas sobre multiculturalidade, no entanto, é um pouco raso quando se trata do destino. O país, por si só, é berço de uma megadiversidade ambiental. A presença dos vários níveis de altitude da Cordilheira dos Andes permite a existência de uma série de microclimas. O resultado disso é um solo fértil e com grande variedade de alimentos.
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Para a chef Pía León, nascida e criada em Lima, esse cenário de abundância é uma dádiva – e é isso que ela busca transmitir para o mundo por meio de sua gastronomia. Eleita a melhor chef do mundo em 2021 pelo aclamado ranking 50 Best, ela se destaca ao explorar o rico ecossistema de seu país na cozinha do restaurante Central (que comanda com o marido, o também chef Virgilio Martínez) e do restaurante Kjolle, inaugurado por ela em 2018.
Kjolle é o nome de uma árvore que cresce em altitudes extremas na Amazônia peruana, e seu “significado” representa o propósito do restaurante: a utilização de ingredientes 100% nacionais e a materialização da força de Pía ao superar suas inseguranças e se tornar referência na gastronomia mundial. Considerada uma pessoa tímida, que no início da carreira preferia ficar escondida na cozinha, hoje ela se coloca à mostra para falar sobre sua culinária.
Na última semana de maio, Pía esteve no Brasil para participar do “Segundas no Maní”, um projeto comandado pelos chefs Helena Rizzo e Willem Vandeven. No evento, o restaurante Maní a recebeu para que ela apresentasse um jantar de sete etapas com um menu dedicado aos ingredientes autóctones do Peru.
Com a timidez no bolso, Pía andava pelo salão conversando com as pessoas, explicando a construção de seus pratos e até dando autógrafos para admiradores. “Já aprendi a lidar com isso e agora gosto”, brinca a chef durante a entrevista concedida à Versatille. “Precisei me abrir para o mundo para falar sobre a riqueza do meu país.”
Com pratos que exploram os sabores de tubérculos, sementes, frutas e carnes típicas, Pía revela que seu objetivo é fazer com que as pessoas viagem pelo ecossistema peruano enquanto degustam seus pratos. “Hoje, a nossa cozinha já é reconhecida, mas meu trabalho é levá-la para o máximo de pessoas possível.” No segundo semestre do ano, a chef pretende inaugurar uma unidade do restaurante Kjolle no Japão, mostrando que não há fronteiras para a valorização de sua comida. “Creio que eles vão adorar”, ressalta.
Aos 21 anos, quando foi contratada como assistente no restaurante Central, Pía era a única mulher da equipe. Trabalhar com Martínez, que hoje é seu marido, foi um grande aprendizado, mas não era fácil se impor como cozinheira em um espaço conduzido apenas por homens. Ela cresceu dentro do restaurante e chegou a comandar a equipe, mas ainda assim a insegurança persistia. “No início, ser a única mulher era algo que me incomodava”, recorda.
Seu trabalho ajudou a colocar o Central na posição de melhor restaurante da América Latina por três anos consecutivos pela World’s 50 Best e de quarto melhor do mundo pela revista Restaurant. As conquistas chamaram a atenção do mundo, deixando cada vez mais difícil o ato de se manter distante dos holofotes.
Quando o chef Martínez abriu o Mater, centro de pesquisa de ingredientes em risco de extinção e
técnicas ancestrais de preparo, Pía se juntou ao time e passou a se aventurar em expedições por regiões remotas do Peru a fim de experimentar novos ingredientes. Foi nessa imersão que ela conheceu a árvore kjolle, inspiração para sua carreira. A kjolle é resistente à altitude e ao frio implacável. Essa era a mensagem que ela queria passar de si para o planeta.
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Em 2021, ao receber o título de melhor chef do mundo, ela acredita que parte desse objetivo foi alcançada. “Eu sempre amei a cozinha. Seguir na gastronomia era a minha única opção de vida. Esse prêmio mostra que nós, mulheres, conseguimos alcançar nossos objetivos. Que isso motive outras profissionais”, conclui.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 126 da Versatille