Conheça Sergio Timerman, um dos maiores cardiologistas e agitadores gastronômicos do Brasil

O médico de Milton Nascimento, Mauricio de Sousa e Walter Casagrande considera a gastronomia como um escape em meio à intensa jornada de trabalho

Sergio Timerman
Sergio Timerman (Rodrigo Eli)

Cachorro, cobra, camelo, barata. Sergio Timerman não coleciona apenas mais de uma centena de selos no passaporte e de 7 milhões de milhas aéreas, ele também acumula autênticos sabores das culinárias locais, sem discriminações – e, sim, isso passa por répteis, insetos e até mamíferos fofonildos.

 

Doutor em cardiologia, o atual diretor do Laboratório de Treinamento e Simulação em Emergências Cardiovasculares e coordenador do Time de Resposta Rápida do Instituto do Coração Professor Euryclides de Jesus Zerbini (Incor) é, além disso, autoridade em vivências gastronômicas.

 

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Boa parte delas começa por um dry martini com três azeitonas verdes e prossegue com vinho. Os olhos doces e azulados de “Serjão” ficam estrategicamente posicionados no meio da mesa, fazendo as honras de anfitrião, onde quer que seja. Afinal, não se trata de ser o dono do recinto, mas de um indisfarçável espírito festejador.

 

“Muito cardiologista tem boa adega, gosta de arte. Não é uma questão socioeconômica, é que temos uma vida muito difícil e precisamos achar nossos escapes”, confessa Sergio Timerman, que achou entre as jornadas de mais de 12 horas, amiúde em UTIs, uma maneira de ritmar o próprio órgão cardíaco.

 

Seu escape envolve música clássica, teatro e gastronomia, não raro, juntos e infusionados, celebrados sem contraindicações. Nele se encaixa ir a Viena provar a sachertorte original munido de fones de ouvidos para escutar Mozart ao mesmo tempo. “Esse bolo de chocolate com damasco e fondant foi criado no século 19 para o príncipe Wenzel von Metternich, não para Mozart, mas pareceu que, uma vez na cidade que ele tornou célebre, faria sentido comer a receita mais icônica ouvindo uma sonata”, justifica o médico.

 

No Hotel Sacher, em Viena, a original sachertorte

No Hotel Sacher, em Viena, a original sachertorte (Reprodução)

 

Outro exemplo? Levar a soprano colombiana Catalina Cuervo diretamente do Teatro Municipal para jantar (e, de quebra, dar uma canja) no Kotori, de Thiago Bañares. Na contramão, levar o chef à Sala São Paulo pela primeira vez também é uma experiência tipicamente “timermanzística”. Entre essas, figurinha repetida é Ney Matogrosso: “Sou médico e fã dele. Aliás, era fã antes de me tornar seu médico. Por sorte, ao longo dos anos, me tornei amigo também. Embora ele coma muito pouquinho, gosta de sair comigo”.

 

O primeiro restaurante escolhido pelo emergencista para as tais saídas foi o extinto Olympe, Rio de Janeiro. Na época, nenhum dos dois conhecia Claude Troisgros; contudo, converteram-se em admiradores. Desde então, Ney levou o médico a Los Angeles para uma cerimônia do Grammy e ele quis retribuir à altura: “Levei-o para conhecer o Joël Robuchon, que ainda estava vivo, mas o Ney não deu a menor bola para o cara!”.

 

O salão do paulistano Kotori

O salão do paulistano Kotori (Tati Frisson)

 

Se o purê de batata mais famoso do planeta não encantou o cantor, visitas à Casa do Porco, de Janaina e Jefferson Rueda, ao Nelita, de Tássia Magalhães, e ao Oteque, de Alberto Landgraf, integram algumas das várias refeições de redenção.

 

“Uma das melhores coisas da gastronomia é conhecer pessoas de outros mundos. Através do doutor Sergio, conheci muita gente. Ele nunca está de mal com a vida ou com alguém. Tenho orgulho de chamá-lo de amigo e a honra de fazer todos os meus check-ups com ele”, confessa Landgraf.

 

Com taças em riste, o doutor Sergio brinda com Janaina Rueda, da Casa do Porco

Com taças em riste, o doutor Sergio brinda com Janaina Rueda, da Casa do Porco (Arquivo Pessoal)

 

Agregador incorrigível, quando o intuito não é cativar amizades, Sergio Timerman usa a arte como gatilho para alçar gulosos voos-solo. Um deles significou deixar Seattle no intervalo de um congresso em busca da Double R, a torta de cereja servida no Mar-T Café e imortalizada pelo thriller Twin Peaks.

 

Em alguns casos, sua viagem pode deslanchar com um simples telefonema. Foi assim que, num domingo desses, ao reassistir a O Silêncio dos Inocentes, sentiu o incontrolável desejo de comer fígado. Nem hesitou; ligou na hora para Benny Novak dizendo que precisava imitar o colega fictício, doutor Hannibal Lecter, e harmonizar o miúdo com uma garrafa de Chianti.

 

“Esse é o doutor Sergio! Durante a pandemia, dei uma limpada no cardápio e tirei o fígado, mas falei que faria”, conta Novak, do Ici Bistrô. Mais do que reconhecimento a um cliente assíduo desde a abertura da casa, em 2002, o chef fez por carinho: “Ele está sempre sorrindo, é gentil, gosta de falar, de apresentar produtor, de trazer gente. Até quando ele tira você da cozinha na hora do sufoco, com aquele sorriso, passa tranquilidade”.  

 

Prato de fígado  do antigo cardápio do Ici Bistrô

Prato de fígado
do antigo cardápio do Ici Bistrô (Bruno Geraldi)

 

Além de sorridente, Serjão não faz o chato para comer, não descreve notas e aromas dos pratos, tampouco se gaba das dezenas de lugares estrelados no Guia Michelin ou condecorados pelo 50 Best Restaurants que conhece mundo afora. Para ele, comida é conexão.

 

“Perdi meu pai muito cedo, aos 13, e muitos anos depois tive a chance de conhecer sua terra, a Moldávia. Lá comi pierogis, reconheci sabores de casa e descobri um dos melhores pinots noir da vida”, diz. A confidência fortalece sua teoria de que, por ser filho de imigrantes (e jamais ter descoberto o blend secreto de peixes para o gefilte fish materno!), abriu-se mais a heranças culturais, incluindo as culinárias.

 

Sergio e Benny Novak, do Ici Bistrô

Sergio e Benny Novak, do Ici Bistrô (Arquivo Pessoal)

 

A hipótese é mesmo para lá de plausível; porém, se há algo transbordante em seu comportamento é o gostar de gente: “Sou médico 24 horas por dia. Durmo muito pouco e estou sempre disponível. Se estou em um espetáculo ou em um restaurante, não desligo o celular, mas, claro, não vou aparecer bebendo vinho, né?”.

 

O parisiense Plaza Athénée ainda sob a batuta de Alain Ducasse

O parisiense Plaza Athénée ainda sob a batuta de Alain Ducasse (Divulgação)

 

Cardiologista de coração gigante, Sergio Timerman acredita que os cozinheiros influenciam sua atuação profissional e emociona-se com seus gestos: “Dois dias depois que meu irmão faleceu, eu tinha uma reserva na Osteria Francescana. O próprio Massimo Bottura mandou mensagem para dizer que faria questão de me receber em outra data”.

 

Mais do que isso, o chef de um dos três-estrelas Michelin mais famosos do mundo convidou-o para o soft opening da Casa Maria Luigia, sua exclusiva pousada. Ele não se fez de rogado. Quando pôde, visitou a sofisticada casa de campo de Bottura, jantou em seu concorrido restaurante e, coisa rara, deixou escapar que a comida não fora extraordinária.

 

O quinto melhor restaurante do mundo, o espanhol Disfrutar

O quinto melhor restaurante do mundo, o espanhol Disfrutar (Divulgação)

 

Pelo menos não tanto quanto no dinamarquês Noma, no parisiense Alain Ducasse au Plaza Athénée, no nova-iorquino Chef’s Table at Brooklin Fare ou no barcelonês Disfrutar. Da Europa, seus elogios e amores glutões cruzam o Atlântico com fluidez.

 

O melhor restaurante do mundo, o dinamarquês Noma

O melhor restaurante do mundo, o dinamarquês Noma (Divulgação)

 

Em São Paulo, tem o Ici Bistrô como extensão de casa e o Carlota como vizinho querido. Não cansa de comer no Chef Vivi, no Mocotó, nem no Tanit. Muito menos exaltar a generosidade dos Ruedas: “Como toda a população, os hospitais também estavam despreparados para a pandemia. Muitas vezes não tinha gente para fazer a comida das equipes de saúde. A Jana e o Jeffim não cansaram de mandar marmitas para ajudar. Isso é exemplo de vida”.

 

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Reza a lenda que médico que só sabe de medicina nem de medicina sabe. Sergio Timerman não corre esse risco – ele também sabe temperar encontros, compartilhar garfadas e mergulhar em bons goles. 

 

Por Fernanda Meneguetti | Matéria publicada na edição 122 da Versatille

Ilustração Rodrigo Eli