Como os óculos ganharam protagonismo no mercado de luxo

Mudança cultural e aposta na experiência do cliente estão impulsionando o setor óptico brasileiro de luxo

(Foto: Divulgação)

Nem uma crise sanitária de proporções globais nem o isolamento social provocado por ela foram suficientes para arrefecer o consumo de luxo no Brasil. Segundo o último levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael), divulgado em setembro do ano passado, o setor registrou vendas 51,74% maiores na comparação anual. 

 

Embora não exista um recorte da performance de vendas nem do crescimento das categorias premium e de luxo no setor óptico nacional – que faturou, no total, 22 bilhões de reais em 2021, segundo a Abiótica (Associação Brasileira das Indústrias Ópticas) –, um dos protagonistas desse mercado também não tem do que reclamar. Na Marchon Brasil, multinacional americana que desembarcou por aqui em 1997 e representa atualmente 13 marcas no país – entre elas as licenciadas, Ferragamo, DKNY, Lanvin, Calvin Klein e Lacoste, e duas de fabricação própria, Marchon NYC e Pure –, o crescimento foi de quase 50% em 2021 sobre 2020.

 

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Para Marcelo Kitsuda, CEO da empresa no Brasil desde 2018, alguns fatores contribuem para esse cenário. Um deles é a mudança cultural, que elevou os óculos à categoria de acessório. O outro é o incremento da experiência do cliente. Veja, a seguir, os melhores momentos do bate-papo.

 

Versatille: Apesar do cenário econômico atual do país, o setor de luxo parece não vivenciar a crise. Segundo a Abrael, entre setembro de 2021 e setembro de 2020, as vendas cresceram pouco mais de 50%. Isso foi constatado também no setor óptico?

 

Marcelo Kitsuda: O setor óptico, no geral, é uma fotografia da população brasileira, com suas diferentes classes. Segundo a Abiótica, o segmento cresceu 8% em 2019, caiu 16% em 2020 e registrou um incremento de 10,4% em 2021. No entanto, a Marchon, que faz parte da fatia premium e de luxo desse mercado, cresceu 49,88% no Brasil em 2021 na comparação com 2020, o que prova a resiliência do nicho.

 

V: Mas e agora, que as pessoas estão voltando a viajar? Você tem receio de que esses números caiam ou as condições de compra que vocês oferecem em território brasileiro são vantajosas a ponto de não haver grande diferença entre comprar aqui ou no exterior?

 

MK: Os preços são basicamente equiparados – a variação não chega a 10%. Mas, geralmente, nosso consumidor compra e consome no Brasil. É preciso dizer, no entanto, que uma parte significativa desse mercado – algo perto de 80% – se refere à venda de óculos de grau. E comprar um produto como esse em outro país não é tão simples. Além disso, por aqui temos a cultura do parcelamento. Então, quando colocamos tudo isso na balança, não vale a pena. Só justifica quando o consumidor se apaixona por um modelo a ponto de não querer outro, já que as coleções são limitadas, trocadas a cada seis meses. Ou seja, ele pode não encontrar o mesmo modelo por aqui, principalmente no caso das versões de acetato.

 

V: Por quê?

 

MK: O acetato é o diamante da óptica atualmente. E ele é feito como se fosse goma de mascar. O material, em diferentes tons, é colocado num tanque e os mestres vão mexendo. E, embora os padrões de cores sejam semelhantes, cada bloco, de onde depois saem as peças, tem uma estampa, o que confere a cada armação uma característica de cor única, sem repetição. Além disso, é um material que, se bem cuidado, dura anos. 

 

V: Quão expressivo é o mercado brasileiro para a Marchon?

 

MK: A gente analisa isso por marca, mas, no geral, o Brasil está sempre no top 5, ou seja, entre os cinco principais mercados para a maior parte das grifes com as quais trabalhamos. Muitas vezes até entre as três primeiras. 

 

V: E como é gerenciar tantas grifes de uma mesma empresa, cada uma com sua estratégia?

 

MK: Cada marca tem um DNA, fala com um tipo de consumidor. Encontramos no arcabouço dos arquétipos de marca uma estratégia para ajudar a guiar esse varejo num atendimento mais personalizado. : É importante saber o que a pessoa quer comunicar. Vale lembrar que, ao conversar com alguém, olhamos para o rosto 80% do tempo. Mesmo quem não precisa de óculos pode fazer do acessório parte de sua estratégia de comunicação, de imagem. O varejo, de forma geral, exige uma percepção da emoção, exige sensibilidade. 

 

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V: Quais são as principais tendências do setor para os próximos anos?

 

MK: O que tem ganho muita tração nos últimos tempos é o viés da sustentabilidade. Fomos a primeira empresa a utilizar, em escala global, o acetate renew, um acetato sustentável obtido graças ao reaproveitamento do material perdido durante a produção. A utilização de biorresinas é outra tendência. O óleo de mamona, por exemplo, permite criar resinas para compor parte das armações. Ainda não temos peças 100% feitas desse material, mas o índice vem aumentando e já chega a 45%. E tem ainda a questão do upcycling. 

 

Por Gabriela Garcia | Matéria publicada na edição 127 da Versatille