À frente de empreendimentos de lazer, Facundo Guerra tem a internet como principal concorrente

Em um período tomado por aplicativos como iFood, Netflix e Tinder, o empresário se empenha para convencer as pessoas a saírem de casa

(Foto: Julia Rodrigues)

Nome à frente de empreendimentos como Cine Joia, Lions Nightclub, Bar dos Arcos e Blue Note, o empresário Facundo Guerra se prepara para reinaugurar a antiga boate Love Story – recém-batizada de Love Cabaret – com os sócios Cairê Aoas e Lily Scott. Situado na região central de São Paulo, o estabelecimento passará por reforma e, quando abrir, entre outubro e novembro deste ano, abrigará performances artísticas e de teor fetichista, além de bar, restaurante e hotel. Guerra planeja também a expansão de seu negócio de hospedagem, o Altar, ao lado do publicitário Rodrigo Martins, que começou, em 2020, com uma casa flutuante autossuficiente na represa do Jaguari. Hoje, eles possuem mais cinco unidades, a duas horas da capital, e querem chegar a 20. Em entrevista, Guerra fala sobre a nova empreitada noturna e sobre seu podcast de entrevistas, o Divã de CNPJ, acerca do mundo dos empreendedores. 

 

LEIA MAIS:

 

Versatille: Por que o Love Story e quais são os planos para o lugar?

 

Facundo Guerra: Sempre voltei meus olhos para espaços importantes do ponto de vista simbólico para a cidade. Foi assim com o Riviera, Cine Joia, Bar dos Arcos e o Love Story, que corria o risco de virar pet shop. Não estou moralizando o fato de ter sido prostíbulo, mas foi um lugar de muita dor. Pensei: “O que eu posso fazer para recuperar o ponto, contar uma nova história e que seja sincronizada com o presente?”. E aí virou o Love Cabaret, um projeto que eu acalentava há pelo menos cinco anos. Não estou falando de sexo nem prazer, mas desejo, que são essas práticas do campo da performance do corpo, como o BDSM, o shibari, pet play, bondage, show de drag queen ou king. São performances que estão mais no campo do desejo do que no do prazer, sexualidade e gozo. É o lugar onde você vai ver coisas que nunca viu, que vão despertar desejos de transformação internos. Não vai ter swing, a gente não vai fazer show de sexo, nada disso.  

 

Love Cabaret (Divulgação)

 

V: O que mudou na vida noturna em São Paulo nos últimos tempos?

 

FG: Posso estar equivocado, mas eu acredito que vai ter uma mudança de eixo. De cinco anos para cá, a gente falava do centro velho, depois o expandido. Começou a falar de Santa Cecília. Depois Pinheiros. Já é um negócio arriscado abrir um bar, restaurante, um empreendimento no campo da cultura, e você fica pressionado por insegurança. Aí o cliente fica com medo e procura se afastar do centro. E o que acontece? Itaim Bibi e Vila Olímpia começam a viver um boom de novos empreendimentos com propostas não muito diferentes daquelas que a gente tinha no centro. Também, por conta da pandemia, os aluguéis ficaram mais baratos porque muitas empresas saíram do Itaim, daquela região, e os locais conseguem ser ocupados por negócios mais autorais. 

 

V: O que mudou no formato dos negócios com a pandemia?

 

FG: Meus grandes concorrentes hoje são iFood, Netflix e Tinder. Tenho de tirar as pessoas de casa. Em um primeiro momento, tivemos um monte de pessoas querendo sair, celebrar a vida. Acho que a partir de agora você tem de empilhar um cinema com um restaurante e um bar com casa de shows para que as pessoas saiam aturdidas e falem: “Vale a pena sair de casa”. Mas daqui a pouco vai vir outra crise econômica, as pessoas vão ser muito mais seletivas na hora de sair, vai ser difícil. Não estou muito otimista, como pode perceber…

 

V: Quais são os erros hoje dos empreendedores?

 

FG: O maior erro é não se planejar. Você vai abrir um restaurante, pega a chave do negócio, começa a pagar aluguel. Você não sabe o que vai ter no cardápio e contrata um chef, um escritório de arquitetura, vai fazendo do jeito como vêm aparecendo as coisas. As pessoas fazem de trás para frente. Quando vão ver, gastaram todo o dinheiro, estão pressionadas por caixa, botam um DJ no meio do salão e acabou. Aí já é o fim. 

 

V: Como foi passar com negócios fechados por causa da pandemia?

 

FG: Foram dois anos tentando sobreviver. Dois anos sem caixa, sem faturar nada, sendo pressionado, recebendo ação de despejo. Eu abro agora e tenho de pagar um aluguel e meio pelos próximos dois anos, que, no melhor dos casos, consegui negociar 50%. É difícil, bem difícil. Não está fácil até agora. Eu estou muito mais colaborativo, conversando com meus antigos concorrentes para tentar encontrar alguma sinergia, trabalhar juntos. Primeiro eu estava resolvendo o passado, e agora estou tentando construir simbiose.

 

Love Cabaret (Divulgação)

 

V: Na pandemia, você lançou o Divã de CNPJ, um podcast sobre empreendedorismo. Por quê?

 

FG: É meu maior interesse passar o que aprendi ao longo dos últimos 17 anos, passar para a frente um pouco dos meus tombos, minhas dores, do que sei que funciona e não funciona, porque eu quero montar uma comunidade de empreendedores que não são unicamente orientados por lucro. Você pode ser rico, ter um número na conta corrente, mas também ter respeito da sua comunidade, deixar um legado, construir uma vida da qual você se orgulhe mais para a frente, pensar no futuro dos seus filhos. Não adianta eu ser bem-sucedido como empresário vivendo num país falido moralmente, financeiramente e socialmente. Eu preciso sensibilizar outras pessoas que estão em situação de poder como eu estou, outros empresários e empresárias, empreendedoras e empreendedores. Para mim é um meio que encontrei para contar histórias de mulheres trans, mulheres pretas, de mulheres fundamentalmente. É raro ouvir a palavra empreendedora. Quando você fala de empreendedor, sempre pensa num homem branco, nunca numa mulher trans. Eu acho que essas narrativas precisam ser contadas porque uma mulher trans, para empreender, passou por muito mais perrengue e dificuldade do que um homem hetéro cis branco. 

 

Por Ana Luiza Cardoso | Matéria publicada na edição 127 da Versatille