Com o Grupo Origem, Fabricio Lemos e Lisiane Arouca apresentam ao mundo uma culinária baiana que foge do óbvio

Em entrevista para a Versatille, os chefs discorrem sobre a gastronomia da Bahia para além dos clichês amplamente difundidos

Fabricio Lemos e Lisiane Arouca, donos do Grupo Origem (Foto: Leonardo Freire)

Acarajé, moqueca e vatapá. Sim, são pratos típicos da Bahia, sem dúvida nenhuma. Mas não são somente eles que dão “gosto” a esse povo que parece ter tudo o que importa em abundância: cultura, história, gastronomia e – impossível não mencionar – alegria e simpatia.  

 

Em dias bem aproveitados em Salvador, fui recebida por Lisiane Arouca e Fabricio Lemos, casal de chefs que movimenta a gastronomia local com um trabalho amplo, agindo sem descanso para promover a culinária baiana fora de clichês para a própria Bahia, para o Brasil e também mundo afora. Seja recebendo chefs em sua cozinha, no projeto Origem Convida, seja cozinhando fora dela, como ocorreu em outubro, quando a dupla viajou para Nova York, a fim de promover sequência de jantares e aulas ministradas, a convite do Consulado do Brasil na cidade. 

 

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Atualmente, o Grupo Origem divide-se entre restaurantes e bares, que são: Origem, o pioneiro; o Orí, mais casual; o Gem, bar diminuto; e o Segretto, de culinária italiana. A dupla também assina a gastronomia do hotel Fera, localizado no centro de Salvador. Outro braço fundamental é o Instituto Ori, que se apoia na pesquisa de ingredientes e na educação com o intuito de transformar realidades.  

 

Jantar no Origem é presenciar a mistura inebriante de temperos, ingredientes até então desconhecidos e preparos tipicamente baianos, não necessariamente todos juntos, em novas versões, aliadas a técnicas de alta culinária, mas que ainda contam, nos tempos do menu, a história da Bahia, exclusivamente em formato degustação. Quem vai ao restaurante atualmente conhece o percurso batizado de Nossas Heranças, que traz em atos os legados indígena, africano e baiano.

 

Um dos tempos do menu Nossas Heranças: miniarroz, fumeiro, camarão, caldo de lambreta, azeite verde e tuile de tinta de lula (divulgação)

 

Durante o jantar, fica difícil não notar a cozinha repleta de jovens e orquestrada, visível ao salão graças à presença de um vidro transparente. Em minha ida, acompanhei uma noite única com os chefs convidados César Costa, do restaurante Corrutela, de São Paulo; e Caio Soter, do restaurante Pacato, em Belo Horizonte. Uma alquimia improvável que deu química. No fim de novembro, para finalizar 2023, o Origem recebe o português João Oliveira, do estrelado Vista (em Portimão).  

 

Confira, na sequência, um bate-papo com Lisiane Arouca e Fabricio Lemos.  

 

Versatille: O que é a culinária da Bahia para vocês? 

Fabricio Lemos: O Brasil começou pela Bahia, então ela carrega, definitivamente, um conteúdo histórico. A culinária baiana é a fusão das culinárias indígena, portuguesa e africana, então traz muita potência de sabor e também muita história.  

 

V: Qual é a missão mais importante de vocês nos cenários de Salvador e do Brasil? 

Lisiane Arouca: Desde quando a gente abriu o Origem, o primeiro de todos os restaurantes, não imaginávamos que iria crescer tanto, porque começamos de forma muito difícil, financeiramente falando. O fato de conseguir mudar culturalmente o pensamento dos baianos em relação a uma comida afetiva, justa e boa, e não pensando somente em se alimentar, mas ter algo a mais. O fator mais motivante para mim, hoje, é ter conseguido que os baianos abrissem a mente para essa nossa história. É muito além do que ter um restaurante e ganhar dinheiro. Temos muitas pessoas junto com isso, a quem damos emprego, e isso também é fundamental. No Brasil, é muito difícil empreender, e isso é desmotivador, mas, quando a gente vê as famílias, os produtores, o que conseguimos movimentar de renda, tem algo muito além do que ser “somente” empresário.  

 

FL: A gente vem de uma cultura baiana em que o próprio comensal não valorizava a gastronomia local porém, sempre que ia para Europa, Rio de Janeiro ou São Paulo, enfrentava filas de espera, gastava dinheiro e, quando chegava aqui, era bem diferente, porque estava na casa dele e queria comer o que lhe apetecesse, de uma forma que nunca valorizava o produto local. Para a gente, o principal é formar pessoas, capacitar cozinheiros e fortalecer a gastronomia. O Instituto Ori surge como uma frente de busca, para ter acesso aos produtos e seus produtores, e agora, com o projeto de fazer uma sede, que a gente também possa capacitar pessoas, assim como “mapear” a Bahia e mostrar isso ao público.  

 

V: Qual foi o principal impacto em estar na 52ª posição da lista do Latin America’s 50 Best Restaurants, em 2022? [em 2023 o restaurante também está na lista, em 76º]

FL: A nossa intenção é sempre melhorar, mas não movida por isso. Ficamos surpresos, por não pensar e almejar isso como um objetivo de vida, mas o resultado, principalmente por ser algo com divulgação internacional, foi que muitos turistas começaram a frequentar nosso restaurante. A gente sempre teve um público mais local, não temos um apelo turístico pela localização, não estamos na frente do mar nem do Pelourinho. A gente está no Caminho das Árvores, que é um destino gastronômico mais local, aonde vem quem realmente conhece.  

 

LA: O que mais me deixou impressionada mesmo foi o orgulho do baiano, em ser lembrado e ser visto. O Nordeste é um pouco esquecido de diversas formas. Foi um motivo de muito orgulho e felicidade, como se fosse uma conquista do povo baiano. E, para nós, ficou esse sentimento de conquista coletiva. A cena em Salvador vem crescendo: muito restaurante massa, muito chef bacana, gente com um trabalho verdadeiro mesmo, com os mesmos objetivos, e isso atrai os olhares para a Bahia, como um todo.  

 

V: O que vocês acreditam que falta para a culinária brasileira ter mais visibilidade? 

FL: Falta a gente entender que a nossa beleza é tão legal como a da Europa, parar de olhar para fora e olhar para dentro e assim mostrar o seu produto, sua história, seu ingrediente, e acabar com esse jogo de ego. É necessário ter mais integração entre os estados, sair um pouco do eixo RJ-SP, e fazer com que os chefs parem de disputar entre si e se integrem, todos, em prol do Brasil. A gente tenta fazer isso há mais de dez anos, com reuniões para falar sobre o futuro da gastronomia local. Foi a partir desse movimento que surgiu essa nova gastronomia baiana. Sempre que vem alguém de fora, algum convidado, também fazemos questão de levar ao restaurante de outros chefs. Se isso acontecesse em nível Brasil, pode ter certeza que aconteceria um movimento muito mais amplo.  

 

Robalo, tucupi, chuchu
e ovas de mujol (Leonardo Freire)

 

V: Qual é o grande foco atual? 

FL: Bem antes da pandemia eu já tinha o objetivo de fortalecer o serviço de sala, porque infelizmente você ainda vê os clientes tratando de forma errada garçons, como se eles estivessem simplesmente ali para servir. Então estamos focados em formar e fortalecer essas figuras da sala. Outra coisa que estamos fazendo muito são as expedições e pesquisas, para poder continuar buscando produtos e produtores pela Bahia. 

 

Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 132 da Versatille

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