“Busco trazer ingredientes tradicionais pouco usados”, conta o chef Rafa Gomes sobre o novo Tiara

O restaurante recém-inaugurado no Leblon oferece pratos conceituais com uso de ingredientes sazonais, assim como produtos brasileiros

Chef Rafa Gomes (Foto: Alexandre Araújo)

Quem assistiu ao reality Iron Chef, lançado pela Netflix em 2022, conheceu um pouco o trabalho do chef Rafa Gomes, que acabou levando o troféu da edição. No programa, ele mostrou o quanto gosta de trabalhar com ingredientes diversos e criar pratos conceituais que surpreendem tanto pela aparência quanto pelos sabores ressaltados. Para ele, é esse despertar de novas experiências a cada garfada que encanta tanto na gastronomia — e é exatamente esse sentimento que pretende ofertar com o Tiara, seu novo restaurante no Rio Design Leblon, Rio de Janeiro.

 

“Quero oferecer pratos que façam a pessoa viajar, que ela feche os olhos e sinta cada detalhe da receita”, resume o chef, que busca trabalhar com técnicas e ingredientes tradicionais que não são tão explorados atualmente. “O pato, por exemplo, é um dos meus carros-chefes. Muitas pessoas não estão acostumadas com ele, mas se surpreendem com o sabor ao provar”. A ave aparece em diferentes sugestões do menu, sendo a principal delas o pato maturado e laqueado no mel e especiarias.

 

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Outros destaques do cardápio são: a galinha d’angola com cevadinha, milho e cogumelos; o peixe com purê de mandioca, limão cravo e gastric (preparo que consiste na mistura de caramelo com elemento ácido) de cítricos; e o tagliatelle de raízes, lardo, pasta de trufas e creme de grana padano — vale dizer que as trufas, nesse caso, são brasileiras, o que ressalta mais uma das preocupações do chef, que é valorizar os ingredientes nacionais. “Se eu tenho um produto brasileiro de alta qualidade, não compro importado”, ressalta Gomes. “Precisamos investir nos nossos produtores para que o setor cresça cada vez mais.”

 

Patê de foie de pato (Foto: Vitor Faria)

 

À frente dos restaurantes Itacoa — uma unidade em Paris e outra no Rio de Janeiro —, do fast food de carne suína Porquinho, e agora do Tiara, Gomes revela ter aprendido com as riquezas e particularidades de cada empreendimento. É apaixonado pela sazonalidade da gastronomia francesa, mas frequentemente se surpreende pela diversidade de sabores da cozinha brasileira. O segredo para equilibrar esses dois pilares, segundo ele, é aproveitar o melhor dos dois mundos.

 

Enquanto o Itacoa do Rio de Janeiro possui um menu mais tátil para os comensais, com pratos comuns ao imaginário popular brasileiro, o Tiara tem uma essência mais autoral, com receitas que fogem do convencional e exploram a sazonalidade dos ingredientes. O Porquinho, por sua vez, apresenta uma proposta completamente diferente direcionada ao fast food, e o Itacoa de Paris é um bistrô com menu enxuto que muda o seu cardápio a cada duas semanas.

 

São tantas vertentes que é difícil não se questionar sobre quais os segredos para lidar com tudo isso. Em entrevista para a Versatille, o chef contou um pouco sobre a sua trajetória e revelou alguns aspectos importantes na sua maneira de administrar. Confira alguns trechos a seguir:

 

Versatille: Quando e por que decidiu se tornar chef? Sempre pensou em seguir nesse caminho?

 

Rafa Gomes: Eu sempre gostei de cozinhar, mas fazia como um hobby de final de semana. Quando me mudei para a Califórnia para estudar inglês, em 2002, comecei a entregar pizza para me manter financeiramente no país. Além de entregar, também entrava na cozinha, acompanhava o processo e lavava a louça. Em pouco tempo, virei garçom e percebi que adorava esse universo de restaurantes. Mas eu sabia que, na realidade, não queria ficar no salão, e sim na cozinha. Comecei a trabalhar em dois cargos: ajudante de cozinha de manhã e garçom à tarde. Era uma dupla jornada que me ajudava financeiramente e ainda abrir meus olhos.

 

Com o passar do tempo, mudei para Nova York e fui estudar gastronomia. Consegui estágios em restaurantes conceituados e nunca mais parei. Antes de ir para os Estados Unidos eu fazia turismo, e não fazia ideia de que meu hobby na cozinha se transformaria em carreira. Sai do Brasil para estudar inglês por seis meses e acabei ficando 12 anos (risos).

 

V: Quando seu caminho rumou para a França?

 

RG: Lá em Nova York eu conheci o Mauro Colagreco, chef argentino que residia na França, e decidi pedir estágio. O sonho de quase todos os cozinheiros americanos é ir para a França, e eu também acabei adquirindo essa vontade. Estava morrendo de saudade do Brasil, mas sentia que precisava ter uma experiência francesa antes. Mais uma vez, era para ser temporário, mas acabei ficando seis anos em Paris. Trabalhei no Mirazur (em Menton) e depois fui convidado para ser chef executivo do Grand Coeur Paris até o final de 2017, quando saí para abrir o meu próprio restaurante, o primeiro Itacoa, na capital francesa.

 

Lobster Roll (Foto: Vitor Faria)

 

V: Da onde veio a ideia para o nome do restaurante?

 

RG: Eu estava cansado de ficar longe de casa, então o nome faz referência à praia que eu mais frequentava na minha infância e adolescência em Niterói: Itacoatiara. Foi uma maneira de matar a saudade. Agora, na hora de batizar o novo restaurante, deram a ideia de colocar o nome ‘Tiara’ para continuar a homenagem (risos).

 

V: Hoje, seus restaurantes são no Brasil e na França. Como você equilibra e gerencia esses dois ambientes de trabalho?

 

RG: A França tem um menu mais sazonal e autoral. É um restaurante bistrô pequeno que tem três entradas, três pratos principais e três sobremesas que mudamos de duas em duas semanas. É uma coisa bem mais enxuta e eu fico entre idas e vindas enquanto o chef executivo cuida do dia a dia. Eu estou apaixonado pelo Brasil. Nunca mais saio daqui para morar fora, mas continuar cozinhando lá é muito prazeroso. Então, eu me divido tendo uma equipe de muita confiança e compartilhamento.

 

V: Por que pensou em abrir o Tiara? Qual o diferencial dele para seus outros restaurantes?

 

RG: O Tiara é muito parecido com o Itacoa Paris. Vamos manter a sazonalidade e eu quero resgatar alguns ingredientes diferentes. Fazer pratos com aves que estão esquecidas e até com coelhos. Trazer técnicas tradicionais que estão sendo pouco usadas. Já o Itacoa do Rio é uma comida mais tátil para os clientes. Tem muito risoto e um prato de camarão com catupiry, por exemplo. São comidas que as pessoas reconhecem ao bater o olho. De certa forma, as duas casas se complementam.

 

V: Fiquei sabendo que alguns pratos feitos por você no reality Iron Chef, da Netflix, estão no menu. Por que você tomou essa decisão?

 

RG: Os pratos do Iron Chef ficaram tão legais que nós pensamos: por que não colocar aqui? Colocamos o pato laqueado, que não é algo tão comum no Brasil, e acredite se quiser, em um único dia da semana passada eu vendi 22 patos. É muito legal porque é um prato que tem um processo de maturação de 14 dias até levarmos para o restaurante. São longos dias de trabalho até ele chegar ao cliente. Esses realities despertaram a curiosidade das pessoas e a vontade de experimentar. Acho incrível!

 

Pato laqueado (Foto: Vitor Faria)

 

V: Como você descreveria seu estilo de cozinha?

 

RG: É difícil colocar numa caixa. Eu pego um pouquinho de cada lugar que passei e de cada viagem que fiz. Tem muita base na cozinha francesa, mas eu não defino como um restaurante francês. Tento trabalhar com os melhores produtos e conversar com a minha equipe até criar os melhores cardápios. Já estamos lançando o menu degustação do Tiara e todo esse processo é feito em conjunto.

 

V: O que há de mais especial na culinária brasileira?

 

RG: Para mim, o mais especial é ver o crescimento do setor nestes últimos anos. Observar como os pequenos produtores estão se empenhando para produzir os melhores produtos e as pessoas estão mais abertas para experimentar novos sabores. Descobrir os ingredientes do nosso próprio país é incrível. Usamos trufas colhidas no Brasil nas nossas receitas. Muitos podem falar que elas não são iguais às de Alba, mas ainda bem que não. Cada uma tem as suas particularidades e isso é muito rico.

 

Eu só compro produtos importados quando não tenho nada melhor aqui. Mesmo se for mais caro no Brasil, minha decisão é investir no país. Só assim os produtores têm a chance de crescer cada vez mais. Temos um futuro promissor, basta investirmos nele.

 

Ambiente Tiara (Foto: Vitor Faria)

 

V: Você já começou o ano com a inauguração do Tiara. Quais são as próximas metas e planos para 2023?

 

RG: Fortalecer esses pilares. Restaurante é como um bebê. Você precisa dar uma boa criação para que ele se torne um bom adulto (risos). Vamos focar nos pilares porque eles têm um bom futuro pela frente.

 

Por Beatriz Calais

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