A arte de cor e movimento de Abraham Palatnik

Vítima da pandemia, Abraham Palatnik (1928-2020) revolucionou com sua maneira de colocar as cores em movimento

Foto: Reprodução Instagram

MEMÓRIA por Miguel Arcanjo Prado | Matéria publicada na edição 116 da revista Versatille

 

 

O jovem que estudou motores explosivos acabou detonando um boom figurativo de sentidos com sua obra artística. Abraham Palatnik desconhecia limites de suportes e materiais e foi precursor da arte cinética no Brasil, introduzindo tecnologia, luzes e movimentos mecânicos a sua produção bem antes de robôs e computadores invadirem as galerias de arte. O artista, que morreu aos 92 anos em maio último após brava luta contra a covid-19, propôs um mergulho estético ousado durante sua trajetória de efervescente produtividade, abrindo caminho para a corrente estilística da arte cinética.

 

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O novo campo ganhou força nas décadas de 1950 e 1960 e teve expoentes internacionais como o francês Marcel Duchamp, o argentino Julio Le Parc, o estadunidense Alexander Calder, o austríaco Lothar Charoux e o belga Pol Bury, além de nomes brasileiros como a mineira Lygia Clark, o carioca Ivan Serpa e os paulistas Mary Vieira e Luiz Sacilotto. “Sua obra quebra o conceito de oposição entre arte, ciência, tecnologia e comunicações, dialoga e abre caminho para a arte high-tech”, afirma o crítico de artes visuais Bob Sousa.

 

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Pioneiro, Palatnik influenciou gerações de artistas no mundo todo, que abraçaram as novas possibilidades estéticas por ele apresentadas em obras que aguçavam os sentidos dos espectadores e desconcertavam os críticos, que, no começo, não sabiam como classificá-las. Tendo a ilusão de ótica e a movimentação mecânica como aliadas, o artista potiguar abusou da profundidade e da tridimensionalidade, jogando com a luz e com a sombra, assim como insistiu em formas simples que se repetem, propondo, a cada reiteração, múltiplos sentidos e significados. Assim como a cabeça de Palatnik, sua arte sempre esteve em movimento, não permitindo lugar para o estático.

 

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Tudo começou de forma simples e intuitiva para o menino nordestino filho de imigrantes judeus russos nascido em 2 de fevereiro de 1928, na ainda pequenina Natal, capital do Rio Grande do Norte. Desde muito cedo, passou a pintar e, aos 12 anos, suas obras já eram vendidas com a ajuda dos pais, entusiastas de seu precoce talento. O jovem artista já buscava equilibrar formas, movimentos e cores ao retratar figuras e paisagens, em um mergulho inicial na arte figurativa. Como prévia da arte que estava por vir, fez curso técnico de física e mecânica – que mais tarde foram importantes aliadas de sua produção –, além de especialização em motores explosivos em Tel Aviv, Israel. “Foram lições de extrema valia para o desenvolvimento de sua notável obra”, afirma José Henrique Fabre Rolim, da Associação Paulista de Críticos de Arte. Depois, fixou-se no Rio de Janeiro, então capital política e cultural da nação. Logo, integrou-se à efervescente cena artística carioca e aliou-se ao grupo Frente, precursor do movimento construtivista e que mudou a história das artes plásticas brasileiras, impulsionando outros ícones de renome internacional, como Hélio Oiticica e Lygia Clark.

 

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Mas a grande influência na virada de Palatnik não veio dos amigos artistas, e sim de pacientes de um hospital psiquiátrico. Observador de seu tempo, ele ficou encantado quando conheceu as obras de pessoas tratadas por Nise da Silveira, médica psiquiatra alagoana que estudou com Carl Jung e fez história no Hospital da Praia Vermelha, imprimindo novos ares ao sanatório e humanizando os internados por meio da arte. Impressionado com a autêntica explosão de intensidade e a verdade naquelas produções instintivas dos até então chamados “loucos”, o artista resolveu dar uma guinada na própria obra. Assim, provocou ebulição na crítica ao apresentar o Aparelho Cinecromático – nome dado pelo jornalista e crítico Mário Pedrosa – na I Bienal de São Paulo, em 1951. “Sua participação causou furor pelo avançado aspecto estrutural de sua obra, em que o espectador se integrava ao ambiente com uma série de componentes vinculados a motores e luzes”, lembra Fabre Rolim, da APCA. Na sequência, conquistou respeito mundial ao expor na Bienal de Veneza, onde foi aplaudido por ninguém menos do que o grande artista plástico espanhol Juan Miró. “As pesquisas de Palatnik praticamente introduziram a tecnologia na arte brasileira, antecipando aspectos fundamentais do concretismo, de 1956, e do neoconcretismo, de 1959.”

 

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A partir de então, Palatnik mergulhou em uma pesquisa com efeitos óticos e objetos cinéticos e suas obras passaram a ser disputadas por museus e colecionadores do mundo. Nas últimas décadas, também apostou em relevo, com trabalhos repletos de progressões tridimensionais, fruto de sua investigação do acrílico. Esse material também foi base de suas concorridas esculturas de diversos animais, como pássaros, sapos e gatos. Inquieto, o artista ainda trabalhou em suportes como a madeira e o papel-cartão dúplex. Fruto de quase um século de intensa produção, suas obras integram, além das principais coleções particulares do planeta, acervos de instituições respeitadas, como o MoMA, de Nova York, o Museum of Fine Arts, de Houston, além de Masp, Itaú Cultural, MAC-São Paulo e MAC-Niterói.

 

Antes de partir, o artista teve a oportunidade de se despedir do público. Sua obra pôde ser apreciada de perto na grande retrospectiva A Reinvenção da Pintura, inaugurada em 2013 no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, e que depois foi para São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Luiz Camillo Osório, professor de história da arte da PUC-RJ e curador do Instituto Pipa, relata que Palatnik fez uma combinação perfeita de “novos materiais, rigor metodológico e delírio perceptivo”. E reforça o fato de, mesmo pioneiro em novidades tecnológicas, jamais ter abandonado o fazer manual: “Em uma época de virtualidade compulsiva, essa combinação é, a um só tempo, uma lição poética e ética”.

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