Normal de grife: o futuro do luxo no pós-pandemia

Fomos atrás de grandes nomes da indústria para entender qual será o novo normal no cenário do luxo

Por Matheus Evangelista | Matéria publicada na edição 116 da Revista Versatille

 

 

Qual será o futuro do luxo após a chegada do coronavírus? Fomos atrás de grandes grupos nacionais e experts do segmento em busca de respostas, e dá para cravar: nada será como antes…

 

Nenhuma empresa é penalizada por tentar fazer diferente, mas sim por insistir em fazer da mesma forma. O ensinamento é do consultor Carlos Ferreirinha, uma das principais cabeças pensantes do segmento de luxo no país, e vale para definir o cenário em que o mercado de alto padrão se encontra neste fim de ano: é hora de reinvenção.

 

Mas como uma indústria conhecida por suas robustas raízes fincadas num passado artesanal pode dar um salto rumo ao futuro dominado por telas? E de que maneira o cenário da porção mais reluzente do comércio foi impactado por um ano em que as pessoas tiveram de passar tantos meses trancadas em casa?

 

Para Ferreirinha, o varejo de luxo precisará transformar o quanto antes seus espaços em ambientes de “socialização e entretenimento” para se manterem atrativos. Ou seja, pontos de contato que oferecem ao cliente uma experiência com a marca, mais do que a chance de comprar produtos. “É preciso agilizar a competência digital e entrar nessa dinâmica de ‘anywhere commerce’”, diz ele, referindo-se à consolidação das vendas eletrônicas. Mesmo quem tinha receio de adquirir itens pela Internet se viu obrigado, neste ano de pandemia e isolamento, a experimentar a modalidade, o que acelerou uma transição que já estava em curso havia tempo, do analógico para o virtual.

 

Essas transformações de comportamentos se estendem ao segmento de eventos, que foi ainda mais afetado pela pandemia do que o varejo. Embora as versões virtuais sejam muito eficientes para engajar a clientela, ainda são uma modalidade que requer menos, por assim dizer, preparação – atire a primeira pedra quem nunca entrou numa videoconferência arrumado só da cintura para cima. Vera Lopes, CEO do Luxury Marketing Council Brasil, lembra quanto o luxo está atrelado às ocasiões sociais: “Tem que ter onde usar a roupa nova. E se acostumar de novo a se arrumar e esquecer o moletom. Não é apenas uma questão de dinheiro, mas de disposição pessoal para enfrentar o perigo do vírus se expondo antes da hora.”

 

 

Casa (digital) em ordem

Na Ásia e em parte da Europa, a reabertura foi marcada por uma corrida às lojas, com longas filas e faturamento milionário. A Hermès vendeu US$ 2,7 milhões de dólares em um único dia, em sua loja na cidade chinesa de Guangzhou, coisa que não se repetiu no Brasil, um mercado em que o segmento de luxo é consideravelmente mais modesto. Porém, com as restrições de viagens internacionais, todos os olhares se voltaram para o consumo interno.

 

“A demanda ficou bastante reprimida, já que as pessoas não puderam ir comprar fisicamente”, diz Vera Lopes. “Mas para muitos também não havia clima, as preocupações eram outras.” Nesse cenário, saiu na frente quem tinha a casa em ordem para crescer no e-commerce e mesmo nos eventos remotos, por videoconferência – isso, sim, valeu tanto para as marcas instaladas aqui quanto nos demais continentes.

 

O Wall Street Journal contou, em agosto, que nomes como Salvatore Ferragamo e Tod’s foram prejudicados por não ter ainda uma presença on-line bem estruturada. E que pesos pesados como Dior, Gucci e Louis Vuitton, comandadas por grandes grupos, não sofreram um impacto tão expressivo. Enfrentar uma tempestade a bordo de um transatlântico é menos assustador, afinal. Philippe Blondiaux, diretor financeiro da Chanel, declarou ao jornal britânico Financial Times que, por causa da covid-19, a marca terá uma “redução significativa nos lucros em 2020” e que só deve voltar a crescer em dois anos.

 

Em solo verde e amarelo o tremor não foi menor, mas não deixamos de ter movimentação on-line. “Nosso site de compras teve um crescimento significativo durante o momento de fechamento”, afirma Bruno Astuto, CCO da JHSF, empresa proprietária do Shopping Cidade Jardim e de outros quatro empreendimentos similares, como a Fazenda Boa Vista, no interior de São Paulo. Para manter o consumidor envolvido, foi montada uma programação bem interessante de cursos e lives via redes sociais.

 

Teve até inauguração remota de loja, caso da abertura da butique Gianvito Rossi no Cidade Jardim (leia mais sobre a grife na página 60). “O complexo aparato de câmeras e conectividade possibilitou que as clientes praticamente ‘passeassem’ por dentro da loja, mesmo a distância”, diz Astuto. Ainda neste ano, a JHSF pretende abrir o CJ Shops Jardins, que tem projeto do arquiteto Arthur Casas. Nesse novo endereço, espere por um shoe salon, espaço no primeiro andar que será ocupado somente por grifes de calçados femininos, além da primeira loja da marca francesa Isabel Marant no Brasil.

 

O que também está a todo vapor é a obra do Fasano Cidade Jardim, em parceria com a JHSF. Trata-se de um complexo que une hotel, residências e clube privativo conectado ao shopping. “O cronograma sofreu pequenas mudanças em virtude do cenário, que exigiu muito cuidado nas construções iniciadas”, explica Constantino Bittencourt, sócio-diretor do Grupo Fasano. A empresa mantém outros três projetos em andamento: em São Paulo, no Itaim; na Bahia, vem aí o Fasano Trancoso; e, no primeiro semestre de 2021, o Residences Fifth Avenue, em Nova York.

 

“Temos cerca de 2 mil funcionários e acreditamos muito no potencial turístico, econômico e social das cidades onde o Fasano está presente. Estamos otimistas com o aquecimento do turismo interno, de forma que redescubram o país, que tem tanto a oferecer. É uma oportunidade para que as pessoas passem a ver de novo o Brasil com outros olhos”, diz o executivo sobre a mudança de hábito do brasileiro.