“Devemos nossos agradecimentos e respeito aos animais”, diz o açougueiro Dario Cecchini

Açougueiro mais famoso da Toscana, Dario Cecchini fala sobre sua trajetória de respeito pelos animais

Dario Cecchini (Divulgação)

A frase “ser ou não ser, eis a questão” faz parte da peça A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, publicada no fim do século 16. Corta para 2022, para a cidade de São Paulo, onde o açougueiro italiano Dario Cecchini concedeu entrevista à Versatille. Grande admirador da literatura e da poesia, ele conhece bem a obra-prima. Mas, para Cecchini, há uma adaptação capaz de deixar o quote ainda mais valioso e conectado com sua essência: “Too beef or not to beef?” – eis a verdadeira questão de sua vida. 

 

E a resposta, como se pode imaginar de um açougueiro apaixonado por carnes, quase sempre é “to beef”. Há ressalvas, claro, e elas são explicadas por sua trajetória de respeito e carinho pelos animais. Proprietário do açougue Antica Macelleria Cecchini, na Toscana, ele representa a oitava geração de açougueiros de sua família. Nascido e criado em Panzano, cresceu aprendendo sobre o funcionamento de um comércio de carnes, mas sempre sonhou em estudar veterinária. Chegou a começar a graduação, mas precisou deixar os estudos para trás para cuidar do negócio familiar após o falecimento de seu pai. 

 

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À frente do empreendimento, Cecchini aproveitou os aprendizados que acumulou durante a faculdade para garantir que os animais abatidos fossem tratados de forma respeitosa – com espaço livre e boa alimentação – durante sua vida. Também sempre defendeu o aproveitamento da carne sem desperdícios após o abate, do nariz ao rabo. Sua máxima é: se um animal é criado livremente e está saudável, tudo vai bem, não apenas o filé. É respeitoso e responsável não desperdiçar. 

 

Há 40 anos, o italiano trabalha em parceria com duas fazendas de criação ao ar livre na Catalunha. Uma delas, no Parque Nacional dos Pireneus, a 1.800 metros de altitude, é considerada um paraíso terrestre para as vacas. De forma resumida, o açougueiro sempre acreditou que a qualidade de vida dos animais impactaria no sabor de suas carnes. Para ele, esse sempre foi um dos pilares de um bom açougueiro.

 

Não demorou muito para que os clientes começassem a concordar com essa visão. Seu trabalho artesanal fez com que a carne da Antica Macelleria Cecchini se diferenciasse no mercado e chamasse a atenção de turistas e até de artistas hollywoodianos, como Jack Nicholson e Bruce Springsteen. Mais do que isso, sua personalidade forte contribuiu para o sucesso. A citação “to beef or not to beef” não é a única referência literária que costuma recitar. Apaixonado pelas artes, Cecchini é uma enciclopédia de letras de ópera e versos de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. 

 

Dario Cecchini (Divulgação)

 

Em entrevista para a Versatille, ele responde a algumas perguntas sobre sua vida e seus princípios. Confira a seguir. 

 

Versatille: Como foi sua infância?

 

Dario Cecchini: Minha infância foi linda. Minha irmã, Marina, e eu crescemos na casa em frente ao açougue onde meus pais trabalhavam, a cerca de 10 metros de distância. Tínhamos uma avó fantástica que cozinhava para nós tudo o que os clientes do açougue não queriam, então desde pequenos aprendemos a valorizar o alimento. 

 

V: Você sempre gostou de animais e pensou em estudar veterinária? 

 

DC: Desde pequeno, com uns 3 anos, eu acompanhava meu pai nas visitas às famílias de agricultores para comprar novilhos e porcos. Via os animais perfeitamente integrados à vida do campo, e por esse motivo escolhi ser veterinário. Queria me integrar a essa vida também. Foi um sonho romântico (risos). 

 

V: Foi muito difícil deixar a graduação de veterinária para trás? 

 

DC: Infelizmente, não foi difícil escolher entre o trabalho veterinário e o açougue familiar… foi doloroso. Eu não tinha escolha. Fui forçado pela morte precoce do meu pai. Era uma questão de sobrevivência. 

 

V: E quais mudanças você buscou pôr em prática na Antica Macelleria Cecchini?

 

DC: Procurei trazer um trabalho nobre de transição entre o antigo e o contemporâneo. Sempre respeitando a tradição familiar, já que sou a oitava geração de açougueiros Cecchini, mas também pensando no mundo que viria. 

 

V: Acha que seu amor pelos animais o ajudou a conquistar o sucesso atual? 

 

DC: Claro! Foi resultado de muito amor, respeito e responsabilidade. Os açougueiros são profissionais contratados pela comunidade para matar e alimentar. É a morte do animal que alimenta nossa vida. Devemos nossos agradecimentos e respeito a eles. Meu trabalho começa como açougueiro e termina quando coloco a carne no prato do meu anfitrião.

 

 

V: Qual é a melhor parte de seu trabalho? 

 

DC: Fazer com que pessoas do mundo todo conhecessem essa pequena aldeia de Panzano-in-Chianti. Não somos nem mil habitantes, e isso dá vida à pequena comunidade e me enche de alegria.

 

V: Acredita que sua personalidade também é responsável por atrair clientes ao Antica Macelleria Cecchini? Qual é sua citação preferida de A Divina Comédia? 

 

DC: É verdade que tenho paixão pela poesia e sobretudo pela nossa “bíblia” A Divina Comédia, mas é uma espécie de lenda popular essa história de que estou cantando e recitando o tempo todo (risos). Mesmo assim, a citação que eu mais amo da obra de Dante Alighieri é o último verso, “amor que move o Sol e outras estrelas”. Já a minha ópera favorita é Tosca, de Puccini. 

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 128 da Versatille

 

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