Conheça a trajetória da artista Heloisa Hariadne
Aos 23 anos, sua potência transcende para obras coloridas e impactantes
Aos 23 anos, pode-se dizer que Heloisa Hariadne é um furacão. Na entrevista realizada por videochamada, a espontaneidade de suas falas – o que diz muito sobre suas obras e seus processos criativos, em um mundo onde todos pensam demais nas aparências – é coisa rara (e bonita) de se perceber. Formada em artes visuais pela Belas Artes, em São Paulo, Heloisa é representada pela Galeria Leme.
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Vegana, e em alguns períodos até frutívera, a artista Heloisa Hariadne explica que muito de sua arte é pautada na própria alimentação. Se existem diversas nuances em sua personalidade única, não há dúvidas, mas a ambição é nítida: “Eu tenho muita coisa para conquistar. É importante a parte institucional, estar presente nos museus, mas também é fundamental viajar muito, fazer as residências fora. É literalmente estar aberta ao mundo para que ele esteja sempre aberto para você”. No primeiro trimestre, a artista está expondo nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no Sesc Pinheiros e na Cidade das Artes, respectivamente. Atualmente, encontra-se em Johannesburgo, na África do Sul, em uma residência.
Confira trechos da conversa com Heloisa Hariadne.
Versatille: Como se descobriu artista?
Heloisa Hariadne: Eu comecei a pintar quando entrei na faculdade de artes visuais, na Belas Artes, em São Paulo. Desde o primeiro semestre, sempre estava pintando. Antes eu desenhava, e foi por esse motivo que resolvi entrar no curso. Eu fiz aulas quando era pequena. Tive bastante amplitude sobre quais áreas queria entrar ou não, e logo no primeiro ano já procurei estágio. Fiz um no Sesc Pompeia, nos ateliês e nas oficinas, então era o dia inteiro vendo as pessoas praticarem arte. Eu não estava praticando junto, mas passei a ver como isso funcionava na questão trabalho. Eu acho que, desde que comecei, sempre comercializei, então sempre vi a pintura como trabalho. Eu vendia de forma independente, fazia amizade com as pessoas, e elas compravam. Fui entendendo como o mercado funcionava, sozinha mesmo. Na faculdade não se transmitia conhecimento na área, como, por exemplo, que a galeria era “quem” representava você. Para mim, era algo mais expositivo, e, na época, não entendia a função para o artista.
V: Como foi o processo de abertura de sua primeira exposição individual, na Leme, galeria que representa você? Como funcionou a aproximação?
HA: Foi uma conversa de anos. O Edu (Eduardo Leme, um dos sócios da galeria) já tinha comprado uma tela minha, há muito tempo. No começo da pandemia, a única coisa que eu entendia era a necessidade de ter um espaço para pintar. Comecei a pintar muito e mostrar bastante, e, com isso, muitas galerias e galeristas vieram falar comigo. Ninguém, até então, tinha me falado como se ingressa em um espaço assim. Durante o “bombardeio de convites”, eu sempre estive falando com o Edu, que sempre se mostrou interessado no que eu estava fazendo. Depois de um ano, começamos a falar da questão da exposição e eu fui falando sobre essa procura. Passei a vender para coleções privadas, que acredito ter sido o que chamou atenção das galerias. O Edu falou da exposição antes da representação, o que não sentia dos outros, que passaram uma impressão que me venderiam por dois anos e, quando não quisessem mais, iriam me descartar. Eu não sei se era isso, mas foi o que percebi dos outros interessados.
V: Como é seu processo criativo?
HA: Engraçado você perguntar isso, porque essa (aponta para a tela pendurada atrás dela) é a minha primeira obra de 2022. E ela, de alguma maneira, irá direcionar meu ano, pois gostei da forma como trabalhei. Eu comprei um caderno – antes eu fazia diretamente na tela – e passei a desenhar vários elementos que queria nele, e isso funcionou muito bem. Como eu sempre vou diretamente para a tela, não tenho uma preparação, tudo vai acontecendo ali – eu risco os desenhos e depois venho com as cores. Sei as composições que funcionam, mas, em geral, também deixo essa possibilidade em aberto, para o que tiver de aparecer. Eu pintei alguns prédios e murais recentemente e agora, quando olho para a tela, estou sendo muito mais rápida, termino em no máximo duas semanas as “mesmas” telas em que antes trabalhava por um mês. A escala também mudou muito a minha percepção.
V: Quais são suas inspirações?
HA: Eu tenho algo muito forte com alimentação, sou vegana, como plant based, não consumo ultraprocessados e entendo muito o que gosto de comer. Isso, de alguma forma, passo para as telas. Por exemplo, se em algum período estou comendo mais mamão, acabo aplicando isso na arte. Eu morei um tempo no ateliê, quando estava fazendo as telas da exposição individual da Leme, e foi um período em que fiquei frutívora, com uma dieta só de frutas. Tem épocas que estou crudívora, e, no geral, quero cada vez mais deixar meu corpo o mais limpo possível, para que isso passe para a tela. Eu gosto muito de pintar de manhã, que é quando meu olho está com menos informação do mundo. Já inicio o dia de outra forma, até por estar fazendo o que quero.
V: Quais são seus projetos para 2022?
HA: Eu estou envolvida com uma residência, não sei se você conhece a Inclusart, um instituto que apoia artistas. Desde o dia 1o de fevereiro estou nessa residência, em Johannesburgo, na África do Sul. As obras serão expostas no dia 2 de abril.
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V: Como a arte pode transformar a vida das pessoas?
HA: É uma área muito difícil, pois não tem um passo a passo, do que você tem de fazer para obter sucesso, desde trabalhar em museu até as outras formas de atuar. O lugar em que você se encontra, geograficamente, também impacta. Passei dois meses em Salvador, e é totalmente diferente. Muito do turismo influencia a arte das pessoas locais, e isso também influencia os preços. Tem uma questão mercadológica muito injusta com artistas, dependendo da região em que ele se encontra e dependendo de onde ele fala. Ao mesmo tempo que é um mercado muito aberto, é muito fechado. O acesso é difícil. Como eu vejo, a arte é uma inspiração para as pessoas, ela possibilita essa abertura. Infelizmente não tem como democratizar tudo e deixar tudo muito “limpo”, pois há muita coisa “suja” no mercado.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 124 da Versatille