60 anos de Vik Muniz

Artista brasileiro reconhecido mundialmente segue criando obras que impressionam na mesma proporção de suas ações sociais

Vik Muniz, nascido em São Paulo sob o nome Vicente José de Oliveira Muniz, acaba de completar 60 anos de vida, dos quais mais da metade foi dedicada à arte − sua primeira exibição-solo aconteceu aos 28 anos, em 1989. “O que muda aos 60 anos é que já há uma coisa pronta e seu trabalho é desconstruí-la”, declarou em entrevista exclusiva à Versatille. O artista é reconhecido, mas não somente, pelo uso de materiais fora do comum, como na famosa e impressionante série Crianças de Açúcar, de 1996, na qual retratou crianças que trabalhavam em canaviais da Ilha de São Cristovão, no Caribe, e reproduziu os contornos usando somente açúcar. 

Presente em muitos acervos de museus espalhados pelo mundo e galerias, Vik é ativista em causas sociais e em 2011 foi nomeado Embaixador da Boa Vontade da Unesco, devido a seu trabalho pelo desenvolvimento sustentável e pelo uso da educação artística como condutora para a inclusão social. “Estou sempre procurando formas que tragam mais acessibilidade para a arte, pois é algo que muda a percepção das pessoas, permite que vivam modelos de vida fora do padrão, que tenham experiências diferentes e conheçam o outro. É humanizante. E isso, na minha opinião, são práticas que são direitos, e não privilégios, a que todos deveriam ter acesso”, conta ao ser questionado sobre seus focos atuais. 

No segundo semestre de 2021, o artista apresentou a série de trabalhos Fotocubismo, exposta na Galeria Nara Roesler de São Paulo, resultado de uma pesquisa extensa em torno das obras de
Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Griss. A obra que ilustra a capa da edição 123, composta de camadas de recortes, é parte do conjunto. Além disso, ainda “sobrou” tempo para inaugurar, no último mês do ano, um novo espaço de arte que foge do comum, localizado na Feira de São Joaquim, na
cidade de Salvador. Confira, na sequência, entrevista na íntegra. 

 

Obra da série Fotocubismo

 

Versatille: Como se descobriu artista?

Vik Muniz: Eu venho de uma família muito humilde, e, mesmo tendo feito arte, desenhado e sempre gostado de fazer coisas com as mãos a minha vida inteira, eu comecei a trabalhar com  isso muito tarde. Então eu não me descobri artista, as pessoas tiveram de me convencer que eu era artista, e isso levou muito tempo na carreira, em torno de uma década. 

V: Como é seu processo criativo? Qual é o ponto inicial de suas obras de arte?

VM: Para mim, começa quando você não está criando nem pensando em fazer arte. Na verdade, o início de todo processo criativo é uma espécie de ócio com atenção, então eu não tenho um momento em que eu não esteja ligado, pensando em uma obra nova. Às vezes eu começo através de algum material que tenha vontade de trabalhar, por sua significância; já outras, surge por um grupo ou uma família de imagens que me interessam, e aí eu vou atrás de uma forma para poder refazê-las. Então, começa com uma abertura muito grande e comigo muito aberto para qualquer tipo de inspiração que venha a acontecer. 

V: Você acaba de completar 60 anos. Isso muda, de alguma forma, sua percepção sobre a vida e o que deposita em seus trabalhos e ações recentes?

VM: Muda, em relação ao tempo. Quando você vai trabalhando, se conhece melhor, começa a perceber que existem multipadrões, muitas fórmulas de como reage a certas coisas que  acontecem a você. Quando você faz arte, acho que uma maneira é passar metade da vida se inventando e a outra metade tendo de fugir daquilo em que se transformou. É sobre tentar se desfazer e também quebrar algumas manias, uns cacoetes que você tem como artista. Se conhecer muito permite a você se reconstruir mais facilmente. Não é começar do nada, já existe uma pessoa, um artista, que já fez muita coisa. O que muda aos 60 anos é já há uma coisa pronta e seu trabalho é desconstruí-la. 

V: Quais são seus focos atuais?

VM: Os meus focos atuais expandiram e transcenderam o campo do meu trabalho, que é de artista plástico. Eu vejo as aplicações da minha percepção do mundo, daquilo que aprendi como pessoa, interagindo de uma forma artística, mas também o meu trabalho como artista expandindo além do estúdio, da galeria e do museu. Estou sempre procurando formas que tragam mais acessibilidade para a arte, pois ela é algo que muda a percepção das pessoas, permite que as pessoas vivam modelos de vida fora do padrão, que tenham experiências diferentes e conheçam o outro. É humanizante. E isso, na minha opinião, são práticas que são direitos, e não privilégios, a que todos deveriam ter acesso. E sempre estou procurando maneiras para que isso aconteça além das paredes dos museus e das galerias. 

V: Quais são os papéis da arte e do artista?

VM: O papel sociopolítico do artista é criar modelos de percepção, ferramentas, para que a mente interaja com o mundo. Seja o mundo natural, cultural ou social, ele cria os modelos que são eficientes e condizentes com o ambiente natural midiático em que o espectador se encontra. De certa forma, o papel social é mostrar versões do mundo que são mais condizentes com a realidade. Ele não é uma pessoa mais equipada do que o policial, pedreiro ou padeiro, para falar sobre as questões sociais. O artista vive fora da maior parte da realidade de muitas pessoas, pois não pega um ônibus às 6 horas da manhã para trabalhar; o seu papel é diferente. Quando ele começa a comentar diretamente sobre a realidade, está indo além do conhecimento e da capacidade dele. A gente consegue fazer muita coisa, transformar o mundo, mas transformando primeiro a visão que as pessoas têm do mundo.

V: Por que decidiu abrir uma galeria em Salvador, na Feira de São Joaquim?

VM: Eu trabalho com esse ambiente neutro da galeria, que é um espaço batizado de cubo branco, em que você coloca uma obra ali e ela é vista fora do contexto. Essa neutralidade ajuda você a ter atenção e perceber aquilo que está acontecendo, como uma coisa fora do mundo, que existe só na sua cabeça. As pessoas acham que esse espaço é elitista. Mas não é; o que é, na verdade, é a localização, pois museus e galerias estão sempre em áreas de afluência político-econômica. Isso dificulta para a maioria das pessoas que moram em subúrbio; cria-se uma barreira entre a maioria das pessoas e o convívio com uma galeria de arte contemporânea, o que é um programa formidável. É gratuito, qualquer pessoa pode entrar e ver. A ideia de você tirar o cubo branco e colocá-lo em lugares onde normalmente não estaria me levou a ter a ideia do local de Salvador. Não é bem uma galeria, é uma lojinha, uma vitrine, que funciona como espaço expositor. Inaugurou em 18 de dezembro, com uma instalação do Ernesto Neto, e tem um programa superambicioso de artistas que só expõem em museus. Isso acontece em uma feira que vende animais, camarão seco, ovo, peixe, carne, mas que também é muito frequentada pelos turistas que visitam a cidade. É uma experiência, estamos fazendo para aprender com ela. É muito empírico fazer algo assim, e eu não sei o que vai acontecer e estou doido para saber, mas só consigo explicar isso mais para frente. 

 

O artista na UNESCO, em Paris, no aniversário de 50 anos do programa MAB (man and the biosphere programme)(UNESCO/Marie Etchegoyen)

 

V: Discorra sobre a Escola Vidigal, projeto inaugurado em 2015. 

VM: A Escola Vidigal vem de uma vontade enorme que eu tenho de trabalhar com crianças. Eu tenho quatro filhos, eu tenho uma experiência muito proveitosa, profissional mesmo, pois estou sempre testando coisas neles. A imagem da criança está em um período de evolução, que lida com diferentes linguagens, ela não está se comunicando através de arquétipos e uma linguagem simbólica. É uma relação muito próxima com o mundo visual, muito imediatista. Na verdade, a Escola Vidigal é um lugar onde aprendemos com as crianças, elas são os professores. É um projeto social que oferece uma gama de oportunidades para as crianças que moram na favela Alto do Vidigal e que não têm muita opção de programa e lazer quando voltam da escola. Nós oferecemos cursos gratuitos de tecnologia, arte, dança, capoeira, uma grade que foi suspensa durante a pandemia, mas, com a nossa verba, temos conseguido fazer com que essas mesmas crianças que estão cadastradas possam ter acesso à escola virtual. Nós distribuímos 19 tablets, e a gente paga a Internet para elas enquanto a situação não está normalizada. Pensamos em retomar as atividades presenciais provavelmente em 2022. 

V: A arte para você é…?

VM: A arte é o conjunto e a evolução das ferramentas com as quais a mente se relaciona com o mundo físico. Desde 50 mil anos é uma disciplina, que vem criando e dando significado para o mundo que existe a nossa volta. Como esse universo de coisas físicas se transforma em ideias e conceitos, e, mais ainda, ideias que possam ser utilizadas. O artista recria esse mundo mental e volta a devolver ao físico coisas que são estruturas intermediárias. É um espaço muito misterioso, que até parece pequeno, mas na verdade é infinito, que separa a mente do mundo físico. 

 

por giulianna iodice

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