Conheça o teatro de bonecos brasileiro aclamado pelo New York Times

No palco do Teatro Espaço, em Paraty, histórias comoventes são contadas por meio do manuseio de personagens

Bonecos em cena no espetáculo "Em Concerto", no Teatro Espaço
Bonecos em cena no espetáculo "Em Concerto" (Luciana Serra)

Era uma tarde de terça-feira de 1982, em Nova York, quando Marcos Ribas, cofundador do grupo teatral Os Contadores de Estórias, escutou, em uma ligação, o seguinte anúncio divisor de águas: “Já leu o New York Times de hoje? Vocês têm uma crítica maravilhosa escrita pelo principal crítico do jornal! Sabe quantos ingressos ainda têm para os próximos dois últimos espetáculos? Nenhum, já vendeu tudo”. 

 

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Ribas é diretor do Teatro Espaço, localizado em Paraty, palco de peças reconhecidas por prêmios, festivais e veículos nacionais e internacionais. Os espetáculos com bonecos apresentados em uma charmosa construção na cidade histórica atraem turistas do mundo todo. A crítica publicada no jornal americano se referia ao espetáculo Mansamente, com o qual o grupo fazia uma turnê pelos Estados Unidos e Canadá. A peça continha em cena apenas Marcos e sua esposa, Rachel, e bonecos de cerca de 30 centímetros, sem fios, varas nem luvas. A técnica utilizada se chamava manipulação direta e a apresentação era, de fato, graciosa e mansa.

 

“O teatrinho ficava escondido lá no fim do mundo, não era conhecido em Nova York. O crítico autor da nota foi Mel Gussow [1933-2005], nunca me esqueci de seu nome. Foi a primeira vez que ele foi e até hoje não sei por que resolveu ir nesse dia. Com certeza, essa foi uma visibilidade enorme”, conta Ribas.

 

Em entrevista à Versatille, o diretor compartilha detalhes da trajetória inusitada e envolvente do pequeno teatro que pode ser considerado uma joia nacional. Confira a seguir.

 

Versatille: Como e quando surgiu a ideia de criar o teatro de bonecos?

Marcos Ribas: A companhia foi criada por mim e pela minha esposa, a Rachel, que infelizmente faleceu em 2012. Nós estudávamos na Universidade de Brasília e fomos para Nova York porque eu queria estudar artes cênicas e ela, design. Em 1970, fomos morar juntos e decidimos que também queríamos fazer um trabalho em conjunto. Então, juntou o que ela fazia, que incluía artes plásticas, visuais, design e ilustração, com a minha parte, mais de artes cênicas, e surgiram os bonecos. Criamos nossa companhia em 1971, em Nova York.

  

V: Como vocês chegaram até Paraty?

MR: Nós viemos para Paraty em 1981, depois de ter passado por várias aventuras. Quando terminamos o curso em Nova York, voltamos para o Brasil − onde nasceu nosso primeiro filho −, passamos pela Espanha, Holanda − onde nasceu nosso segundo filho −, retornamos ao Brasil e depois para Nova York. Chegando lá, percebemos que não ia dar muito certo porque queríamos criar os filhos com mais liberdade, e não dentro de um apartamento. Por isso, voltamos de Nova York para o Brasil por terra, e passamos um ano e meio viajando. Depois, morando no Rio de Janeiro, fomos convidados para fazer parte de um festival de teatro de rua em Paraty. Quando batemos o olho lá, falamos: “É aqui, o lugar perfeito”. 

 

Marcos Ribas e sua esposa, Rachel, fundadores do Teatro Espaço

Marcos Ribas e sua esposa, Rachel (Divulgação)

 

V: Por que escolheram Paraty para a sede da cidade? 

MR: Com a turnê do espetáculo Mansamente, todos os reconhecimentos, como a crítica no New York Times, outra no L’Express, uma citação no Le Monde e o prêmio de melhor espetáculo do ano em São Francisco, bombaram a coisa toda e fizeram com que a gente passasse a ter uma série de ofertas. Com 24 anos, tínhamos três agentes: um em São Francisco, um em Nova York e outro na Holanda, que cuidava da Europa inteira. Trabalhávamos principalmente fora do Brasil e ganhando em dólar; conseguimos fazer um “pé-de-meia” e comprar o teatro em Paraty, em 1985.

 

V: A partir de então, resolveram se estabelecer na cidade?

MR: Em 1994, quase dez anos depois, percebemos que estávamos cansados de ficar só viajando e queríamos fazer outra coisa. Afinal de contas, nós estávamos em Paraty, uma cidade turística. Então, pensamos que a gente não precisa ir para o mundo para o povo vir, o mundo passa aqui na porta. O que a gente precisa fazer é convidar o mundo para entrar. Hoje ele é uma das poucas instituições culturais sustentáveis que eu conheço. Claro que também trabalhamos com projetos em parceria com escolas e outros sociais, mas a infraestrutura básica é sustentada pela venda dos ingressos.

 

V: Qual é o principal diferencial de um teatro de bonecos? 

MR: O teatro de bonecos é o que eu chamo de interpretação por transferência. No caso do ator, ele é o personagem. Já no teatro de bonecos, o ator é quem faz o boneco ser um personagem, o qual é uma projeção. Normalmente, ao pensar em bonecos, imagina-se uma coisa mais caricatural, mas os nossos são bem humanizados. Você não espera que o boneco atinja seu emocional, mas, de repente, ele surpreende você porque emociona com algo que não era esperado.

 

V: Qual é o segredo para que a interpretação feita pelos bonecos seja tão impactante quanto aquela em que o foco são os atores? 

MR: Basicamente é colocar a alma no boneco. Se a pessoa que o está monitorando não é ator, ela não consegue incorporar o personagem. O que eu acho que traz o impacto são dois fatores: os bonecos são bem humanizados, então você se envolve, e o outro é que é preciso colocar esse conteúdo emocional, senão, nada acontece. A música também ajuda muito.

 

V: Em relação aos temas, existe alguma linha específica?

MR: Eles variam, mas tem uma linguagem e um tom bem característicos no nosso trabalho. Nos primeiros espetáculos, durante a primeira década da companhia, usávamos bonecos enormes, as apresentações aconteciam em praça pública e com palavras. Mais tarde, mudamos para esse modelo atual, até porque, como estávamos viajando, queríamos fazer um espetáculo que coubesse dentro do carro. Foi aí que surgiu essa forma de apresentar bonecos pequenos. 

 

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V: O que o Teatro Espaço significa para você?

MR: É a minha casa, onde eu existo. As pessoas perguntam se eu não gostaria de ter um teatro no Rio de Janeiro, ou em São Paulo. E não, o grande barato é você ter um teatro em Paraty e fazer com que ele funcione. Eu acho isso fantástico! 

 

Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 122 da Versatille

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