Elisa Bracher comenta sobre o papel social da arte

Para a artista e fundadora de dois institutos, a ideia é propiciar um ambiente onde as pessoas possam existir, apesar da loucura do mundo contemporâneo

A artista Elisa Bracher (Divulgação)
A artista Elisa Bracher (Divulgação)

A artista Elisa Bracher é, definitivamente, plural: “Hoje em dia, trabalho com todas as mídias que você possa imaginar. Sempre com a dimensão, pois me incomoda muito a arte como bibelô, inserida em espaços de arte ultrassofisticados, e, portanto, elitistas. Então, passei a fazer esculturas grandes, no começo de cobre, depois comecei a usar madeira. Uma coisa que percebi que foi a minha questão central era o equilíbrio”, conta a artista, diretamente da Galeria Estação, de sua amiga Vilma Eid, localizada em São Paulo, onde, no momento da conversa, expunha suas gigantescas esculturas e algumas gravuras, na exposição batizada de Terra de Ninguém.

 

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Falante, Elisa é também a fundadora de dois institutos: o Acaia, projeto iniciado em 1997, e o mais recente, batizado de Sari. Na conversa, relembra, fora do script, um caso que ocorreu com ela em São Paulo, quando posicionou uma escultura na frente da Pinacoteca do Estado: “Passou uma senhora, era fim de noite, e, de repente, ela olhou aquilo, era o caminho dela, e agora tinha uma escultura abstrata. Então, ela deu um berro e disse: ‘Eu sei de onde é isso aqui, é de fora do Brasil, lá do estrangeiro’. E aí, eu estava no portão e disse que era de Rondônia, da Amazônia, e ela então falou: ‘Eu sou de lá, eu sei’. E foi superbonito, pois aquele lugar, São Paulo, Brasil, não tem nada a ver com a Amazônia, e para mim ficou tão marcante como uma obra pode atingir o outro, coisas completamente inesperadas da história de cada um. E aí eu saquei para que serve a arte”.

 

Gravuras da exposição

Gravuras da exposição (Lucas Cruz)

 

Confira, a seguir, trechos da conversa.

 

Versatille: Como foi o processo de concepção das obras da mostra Terra de Ninguém?

Elisa Bracher: Eu comecei a fazer isso com um amigo, o Rodrigo Felicissimo, que estuda Villa-Lobos, no caso ele tem um método próprio, que é a composição das montanhas. Ele me convidou para fazer um trabalho juntos, eu faria as imagens e ele, as composições. Então viajamos, fomos para a Serra dos Órgãos, Peru, Bolívia, Serra da Mantiqueira… E eu comecei a fotografar e desenhar. E ele, sempre insistindo para eu fazer a escultura. Eu fiquei durante dez anos empilhando algumas madeiras e elementos, as coisas. O trabalho nasce muito de uma convivência que você tem com ele no dia a dia. Eu tentava expor isso em alguns lugares, mas a Vilma resolveu fazer a exposição aqui. E daí saíram as casinhas que estão nas esculturas, que é o máximo de algo que se aproxima da arte dita popular, a representação da morada, do equilíbrio. Eu comecei a cantarolar umas músicas, com letras, e ele, que é supermetódico, colocava na partitura. É um trabalho que continua, eu sigo encontrando ele semanalmente para fazer isso. 

 

Uma das eculturas da exposição

Uma das eculturas da exposição (Lucas Cruz)

 

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V: Qual o é papel social da arte?

EB: De uma maneira bem pouco objetiva, o papel social da arte é criar um ambiente onde as pessoas possam existir apesar da loucura do mundo contemporâneo − como na história da Pinacoteca.  É arrancar  você disso: de repente, ali, ela era só emoção. Você olha uma obra e não sabe por que ela emociona você. Mas o fato é: uma coisa é obra de qualidade, outra é a que pega você no nervo. A sociedade, sem isso, enlouquece. 

 

Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 122 da Versatille