Um dia pelo set de filmagem da série “The Gilded Age”

Dentro do set de filmagem da segunda temporada da série da HBO Max, a oportunidade única de desvendar os personagens através de seu elenco

Foto: Divulgação

Quando Downton Abbey foi ao ar pela primeira vez, em setembro de 2010, os telespectadores nunca mais foram os mesmos. A história, que começa com o naufrágio do Titanic, nos transportou para uma era de costumes e tradições que já não existem mais, com um vocabulário irretocável e poucas expressões faciais.  

 

Criada por Julian Fellowes, ou barão Fellowes of West Stafford, a série foi um dos grandes sucessos do formato “upstairs/downstairs”, trazendo ao público, além dos dramas da família aristocrática e de seus serviçais, a possibilidade de testemunhar grandes fatos históricos e mudanças de comportamento na sociedade britânica. Não é à toa que desde seu encerramento, em 2015, o público ficou aguardando uma nova produção que chegasse “aos seus pés”. Até que, em janeiro de 2022, The Gilded Age, ou A Idade Dourada, em português, estreou na HBO Max. Desta vez, no lugar do subúrbio britânico, a trama se passa na Nova York dos anos 1880.  

 

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The Gilded Age, é o nome dado ao período entre os anos de 1877 a 1900, uma criação do escritor e humorista Mark Twain. Posteriormente, o termo foi adotado por historiadores, porque descreve a fase após a Guerra de Secessão, marcada por enormes investimentos em infraestrutura, monumentos e espaços culturais ‒ o impacto dessa era é perceptível nas grandes cidades americanas até os dias atuais, presente em estações de trens, nas mansões suntuosas e nos teatros icônicos.  

 

O período também ficou marcado por uma grande adaptação da alta sociedade americana, que era composta de famílias tradicionais e foi impactada com a chegada de novos milionários. A tensão social entre os dois grupos, junto à situação da classe trabalhadora e ainda à representação da alta sociedade negra na região, são os elementos necessários para um grande sucesso televisivo. 

 

O interesse de Julian Fellowes pela temática surgiu por conta de um livro que ganhou de presente sobre Consuelo e Alva Vanderbilt, que o levou a estudar figuras como Jay Gould, Henry Clay Frick, Andrew Carnegie, entre outras. “Foi nessa época que os Estados Unidos se tornaram o país mais rico do mundo e em muito pouco tempo, liderados por figuras como Cornelius Vanderbilt. Quanto mais eu olhava para a época, mais parecia que o país estava se preparando para ser dominante no século 20”, explica o criador da série durante a visita ao set de filmagens da segunda temporada. 

 

Julian Fellowes (Getty Images)

 

Poder ver de perto os bastidores de uma grande produção é um privilégio para poucos. A locação era um tanto afastada de Manhattan, em uma verdadeira mansão do período, com jardins intermináveis, que lembram os projetos paisagísticos da França. Era exatamente na parte externa que a cena a que os jornalistas convidados puderam assistir aconteceu. Ali sentados, a poucos passos do cenário, vimos de perto a magia da produção e o contraste gritante entre aqueles em volta, vestindo roupas de 2023 e, o elenco, com figurinos inspirados em 1880. 

 

Cada detalhe que vimos bem de perto nos transportava para o passado. Os corpetes duros e as várias camadas de tecido eram tão próximos da realidade da época, assim como a cenografia. “Eu estava preparada para o desafio de interpretar um papel assim, mas não para vestir um corpete por 17 horas”, brinca Carrie Coon, uma das principais atrizes do elenco. E, mesmo assim, para ela, é talvez a parte mais fácil do figurino. “Meu chapéu, na cena de abertura, é quatro vezes a circunferência da minha cabeça. Você não pode imaginar como é segurar isso. E ainda tem que esconder o microfone em algum lugar entre ele e o cabelo, que nesse caso era o meu mesmo”, ri. 

 

(Divulgação)

 

Apesar dos incríveis figurinos, o que mais interessa a Carrie na produção é a ambição de sua personagem, Bertha Russell, esposa de um novo magnata na trama. Ela é excluída pelas mulheres da alta sociedade nova-iorquina por ser considerada de uma família de novos-ricos. Sua constante busca por pertencer ao círculo fechado e garantir um bom futuro social para seus filhos rende diversos momentos dramáticos e extremamente interessantes. “Ela não pode ser uma empreendedora ou senadora, e justamente tem essa capacidade intelectual, não tem onde ela aplicar fora neste caminho”, explica. “Eu me identifico com os erros de Bertha. Ela é julgada por suas ambições e criticada por não usar suas energias de uma forma que avance a sociedade. Ao mesmo tempo, não há tantos caminhos abertos para ela. E isso não é tão diferente assim nos dias de hoje. É difícil conseguir fazer tudo”, reflete. Apesar da primeira impressão dura, Bertha é divertida: “Acho que Julian é inteligente em perceber que precisamos dessas notas de graça, onde vemos a humanidade das pessoas”, conclui.  

 

As atrizes Christine Baranski e Cynthia Nixon interpretam as irmãs Agnes Van Rhijn e Ada Brook. Agnes é viúva e herdou de seu marido uma grande fortuna. Ela sustenta a irmã Ada e a sobrinha Marion, interpretada pela novata Louisa Gummer ‒ que talvez pelo nome não fique nítido, mas ela é filha de Meryl Streep. “A forma como Julian desenvolve seus personagens é muito bem-feita. Há uma boa razão pela qual Agnes age da forma que o faz. Ao mesmo tempo que é uma pessoa que vai até o limite de uma regra, ela não chega a quebrá-la”, explica Christine, e complementa: “Ela sabe que o preço a pagar caso saia da linha é muito alto. Até parece com os dias de hoje, no cancelamento da internet, em que vivemos com restrições enormes que nós mesmos criamos”. 

 

Ada, por sua vez, também não ousa cruzar a linha do limite, apesar de ser mais vocal sobre o assunto. “Ela não quebra regras, não fugiu de casa para casar com o homem que seu pai não queria e também não sabemos se ela acha isso bom ou não. Tudo isso era esperado de uma mulher naquela época. Por um lado, você tem pouquíssimos direitos, é difícil você ter o próprio dinheiro, não pode trabalhar nem votar. E, por outro, como vemos na série, as mulheres tinham um poder de determinar quem é quem na sociedade”, reflete Cynthia. 

 

As atrizes notam que as próprias mulheres são cúmplices na criação desses limites que vivem, uma vez que são elas que impõem na sociedade que todos vivam dentro desse modelo de conduta, expectativa e, para aumentar a carga de entretenimento, competição feminina. “Elas são extremamente cientes de como o seu mundo funciona”, complementa Christine.  

 

Para o autor, tal dinâmica social é única e interessante de traçar dramaticamente. “É um período em que as antigas famílias escocesas e holandesas, que já estavam estabelecidas na cidade, assistem à chegada de novas famílias emergentes de diferentes antecedentes”, comenta ele. “Tudo se juntou. Não só a ideia narrativa era boa, mas tem o apelo visual também, com diversos tipos de pessoas nos mais variados espaços e vestuários extravagantes.”  

 

É importante notar que, apesar de os personagens serem fictícios, muitas das histórias não são. “Tentamos nos basear em pessoas e histórias reais para mostrar como viviam na época. Por exemplo, quando mostramos, na primeira temporada, que George Russell teve que colocar toda a sua fortuna nas ações da própria empresa para evitar que seus competidores manipulassem o seu preço, isso de fato aconteceu com Vanderbilt. E, quando Bertha manipula a senhora Astor para ir ao baile de sua filha, também aconteceu com Alva Vanderbilt”, lembra o autor.  

 

(Divulgação)

 

Mesmo que se passe algumas décadas antes, é impossível não comparar a nova série à saudosa Downton Abbey. Fellowes confirma que há algumas similaridades, principalmente quando existe o contexto histórico como pano de fundo. Uma das cenas mais icônicas da primeira temporada foi na primeira demonstração da eletricidade. “Ali, todos os tipos de personagens estavam presentes, e de fato isso aconteceu. Todos foram para o parque assistir ao acender das luzes. Havia os ricos que chegavam de carruagem e levavam seus mordomos e faziam piqueniques. E também o resto da população, que ficava no meio da multidão e consumia doces vendidos na rua. Era uma situação em que toda Nova York estava representada, e funcionou muito bem para a gente”, conclui.  

 

A segunda temporada de The Gilded Age, ou a Idade Dourada, estreou na HBO Max em outubro deste ano e trouxe para seu público mais intrigas da alta sociedade nova-iorquina, momentos icônicos da história e visuais de tirar o fôlego.  

 

Por Miriam Spritzer | Matéria publicada na edição 132 da Versatille