Por que a família real britânica gera tanta curiosidade ao redor do mundo

No ano em que a rainha Elizabeth II faleceu, a Netflix se depara com uma nova temporada de The Crown e um aumento perceptivo de audiência desde o funeral

Imelda Staunton e Jonathan Pryce (Divulgação)

Será que Charles tem o que precisa para se tornar um bom rei? O mundo está preparado para ver Camila como a rainha consorte? Chegaremos a ver William e George no trono? São muitos os questionamentos sobre o futuro da monarquia britânica desde que a rainha Elizabeth II faleceu, em setembro deste ano. Porém, num momento de tantas incertezas, uma coisa se tornou mais clara do que nunca: seu legado cultural no mundo é gigantesco. Charles pode até ascender ao trono e se tornar um grande rei, mas será impossível chegar aos pés do impacto de Elizabeth ao redor do mundo.

 

Seu rosto está estampado em peças de roupas, capas de cadernos e os mais diversos enfeites e cacarecos, tudo amplamente comercializado fora dos países da Commonwealth. São inúmeros os filmes, documentários, livros e séries sobre ela e seu reinado. Sem contar os incontáveis memes e stickers trocados nas mensagens de texto e posts em redes sociais (particularmente, esses são pelos que tenho mais apreço). Mais do que uma figura política, Elizabeth II é uma espécie de ícone pop, como os Beatles e as Spice Girls, mas muito, muito maior.

 

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O sucesso da série The Crown, lançada em 2016 pela Netflix, é o exemplo perfeito. O objetivo da produção, desde o início, era dramatizar os eventos políticos e pessoais que moldaram o reinado de Elizabeth II de forma íntima e extremamente realista. Entre a recriação de aparições públicas icônicas e cenas imaginadas, baseadas em extensas pesquisas e entrevistas com familiares, amigos e funcionários, assistir à série é como observar a família real inglesa através de uma fechadura. E quem nunca teve curiosidade de saber o que se passa entre quatro paredes no Palácio de Buckingham?

 

Da esquerda para a direita, Elizabeth Debick, Will Powell, Senan West e Dominic West

 

The Crown cativa o público, pois, ao narrar histórias pessoais e privadas, de certa forma, humaniza os membros da família real. “Quando o público vê alguma aparição real, não há como saber como eles estão se sentindo naquele momento. Você tem que imaginar. E os nossos roteiros são excelentes ao criar esse microscópio para que a gente possa entender pelo que cada um desses personagens está passando e o que eles estão sentido. A própria vida deles é o subtexto quando os vemos nesses eventos”, comenta Imelda Staunton, a nova protagonista de The Crown, durante a coletiva de imprensa em torno do recente lançamento da quinta e penúltima temporada.

 

Após Claire Foy e Olivia Colman, Staunton será a última atriz a interpretar Elizabeth II na megaprodução. A troca de elenco principal a cada duas temporadas foi criada para garantir que a idade dos atores fosse congruente com a fase de vida da rainha e daqueles a sua volta. Mas a “estratégia” acabou sendo uma grande sacada para atrair fãs para a série, uma vez que todo novo elenco gerava certa comoção e curiosidade, principalmente para descobrir quem interpretaria a monarca e quão parecidas de fato seriam.

 

A presente fase, no entanto, leva um pouco mais de peso do que as outras, pois é a única lançada após o falecimento da rainha Elizabeth e do príncipe Philip. Há rumores de que a audiência da série aumentou em 500% desde o enterro da monarca. “Eu acho que as pessoas têm um respeito imenso porque ela manteve a sua promessa”, reflete Imelda. “No seu funeral, fizeram filas e mais filas. Isso me impressionou muito. Falam de amor, mas eu acho que era uma grande admiração. Ela tinha a própria voz, levantava o seu rosto e fazia o seu trabalho. Nada fora da linha. Aqui estamos celebrando ela.”

 

É curioso que, das 12 famílias reais da Europa, a mais retratada na cultura popular seja a Windsor. O motivo é “porque é a melhor de todas”, brinca Jonathan Pryce, o novo príncipe Philip. Em sua extensa carreira de teatro e cinema britânico, o ator já teve a honra de estar na presença da rainha e de outros membros da família real algumas vezes. “O trabalho deles é ser a família real. Há um mistério sobre isso, e são esses costumes e essas tradições que os tornam tão interessantes”, explica. Para ele, a série pode trazer um pouco de conforto ao público por ver os personagens tão bem apresentados.

 

Imelda Staunton na quinta temporada de The Crown

 

Claro que, para os leigos, como eu, a série ensina muito sobre os protocolos reais e o papel de cada um nesse sistema monárquico. Todos os atores passam por um extensivo treinamento com especialistas de fala, voz e movimento, para que os protocolos reais sejam seguidos à risca, e isso também mantém certa linha de atuação de cada personagem. “Philip pode ir até alguém apertar a mão, mas Charles não pode”, conta Dominic West sobre uma das maiores surpresas ao viver na pele do príncipe (ou melhor, rei) Charles. “Eles me falavam toda hora: ‘Você é o futuro rei, eles que devem vir até você’.” Já Elizabeth Debicki, a nova lady Di, ficou tão focada no trabalho de voz e sotaque que estava quase enlouquecendo a família antes das gravações. Ela conta que trabalhar com os especialistas foi uma experiência única, pois a ajudou a criar um mapa de gestões: “Você quer dar ao público aquela satisfação de reconhecimento, ou de algo que está guardado na nossa lembrança cultural. Como eles soam, seus olhares ou como eles ocupam os espaços”.

 

A veracidade da obra não se limita apenas aos detalhes de interpretação. Os cenários e os figurinos são tão realistas que até surpreendem os atores que se juntaram à obra após terem também sido parte da audiência. “Quando eu assistia à série, não entendia como que eles haviam conseguido fazer aquelas cenas em frente ao Palácio de Buckingham”, lembra Jonathan Pryce, e diz que depois descobriu que o local era de fato um estacionamento. “Eu recentemente fui ao Castelo de Windsor real e fui dar uma volta por ele para ver. Acho que a nossa versão falsa é melhor”, comenta.

 

Imelda Staunton brinca que se preocupou quando começou a se sentir confortável no visual da rainha. “Eu me dei conta de que estava amando o figurino. E, é claro, ele é feito sob medida, o que é muito diferente de uma roupa comprada em loja.” Interpretar alguém tão visualmente reconhecível como Elizabeth II é uma responsabilidade imensa para a atriz, mas também a ajudou a entender a fascinação do público. “A rainha era igual o tempo todo. Acho que isso é parte do que as pessoas admiravam nela. Ela não tentava ser, não falava ‘talvez eu deva ser moderna agora. Tentar estar na moda’, ela dizia ‘esta é quem eu sou’. As pessoas querem reconhecer isso. As pessoas sentem que a conhecem. E tenho a sensação de que ela não se alterou por eles”, conclui.

 

As cinco temporadas de The Crown estão disponíveis na Netflix. A sexta e última temporada está prevista para 2023. 

 

Por Miriam Spritzer | Matéria publicada na edição 129 da Versatille