Nova tradução aumenta o hype de Machado de Assis no exterior

Com uma obra além do tempo e espaço, o grande escritor brasileiro tem conquistado novos leitores internacionais. Traduções recém-lançadas dos textos do autor e a questão de sua negritude impulsionam a renovação do interesse

LITERATURA por Roberto Abolafio Junior | Matéria publicada na edição 116 da revista Versatille

 

Uma nova geração de leitores mundo afora está descobrindo e redescobrindo Machado de Assis (1839-1908), considerado por muitos o maior escritor brasileiro. Prova disso é que, recentemente, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1880, romance essencial do autor, ganhou sua quinta tradução para o inglês, com direito a texto publicado na revista americana New Yorker, e alcançou sucesso instantâneo.

 

Lançado em 2 de junho pela editora Penguin, a nova edição do revolucionário livro, que trata, por exemplo, da escravidão e das classes sociais, esgotou logo no primeiro dia no site da Amazon. Naquela ocasião, a tradutora da edição, a pesquisadora americana Flora Thomson-DeVeaux, comentou, orgulhosa: “Eu não teria dedicado anos de minha vida a traduzir este [livro] aqui se não estivesse convencida de que é um romance eterno”. Vale lembrar que, ao longo de mais de 100 anos, a obra já foi passada para o sueco, holandês, dinamarquês, servo-croata, polonês, checo, russo, árabe, estoniano, chinês, turco e japonês.

 

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O hype tem razão de ser. “A obra de Machado de Assis certamente tem um apelo muito amplo e, pelo visto, faz sentido para leitores de diversos tempos e lugares”, afirma o paulista Hélio de Seixas Guimarães, professor de literatura brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor-chefe da Machado de Assis em Linha – revista eletrônica de estudos machadianos. “Seus textos vêm provocando reações de leitores há mais de século e meio.”

 

Para Guimarães, o interesse renovado tem a ver ainda com o fato de Assis escrever sobre assuntos de amplo interesse, “com uma inteligência e sensibilidade ímpares e de um modo que permite leituras muito variadas”. Ele continua:“Além de encantar por um domínio espantoso da escrita, seus textos são bem provocativos e tratam de problemas de difícil resolução, mas que reconhecemos facilmente”.

 

O professor cita o crítico literário Antonio Candido, para quem as obras dos grandes escritores são muito ricas de significado, o que permite que sejam assimiladas de acordo com as obsessões e necessidades de cada geração. “Machado já foi lido das mais diversas maneiras, às vezes contraditórias. Atualmente, tanto as novas traduções quanto a questão da negritude propiciam discussões sobre seus textos.”

 

Ele se refere às polêmicas acerca do embranquecimento aplicado à imagem do escritor. Muitas gerações de brasileiros nem sequer sabiam que Machado era mestiço (mãe branca, avó paterna negra). Nascido em família pobre e sem ter frequentado universidade, o carioca Joaquim Maria Machado de Assis teve atuação múltipla: foi poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário. Lutou para ascender socialmente, trabalhando em diversos cargos como funcionário público e ganhando crescente notoriedade à medida que publicava seus trabalhos. Eles o revelam muitas vezes como comentarista do cenário sociopolítico da época na qual viveu, que abarcou, por exemplo, a abolição da escravatura e a transição do império para a república.

 

A história do romance Esaú e Jacó, seu penúltimo, publicado em 1904, passa-se nos primeiros anos do regime republicano no Brasil. “Uma das coisas mais espantosas de Machado é que ele fala de assuntos que experimentamos hoje: é claro que o Brasil mudou muito, mas as relações entre as pessoas, nem tanto”, já escreveu outro profundo conhecedor da obra do autor, o inglês John Gledson, professor aposentado da Universidade de Liverpool especializado em língua portuguesa e literatura brasileira.

 

A (re)descoberta de Machado se estende também a novíssimas gerações de leitores brasileiros. A paulistana Lorena Marafeli Mader, 17 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio no Colégio Augusto Laranja, por exemplo, já leu dois romances do autor, além de alguns contos. Entre Dom Casmurro e Quincas Borba, diz preferir a primeira obra, de 1889, em que Bentinho, o narrador, discorre, entre outros temas, sobre seu caso com Capitu e o ciúme que tem dela, na trama que cativou a garota. “Acho que é uma história que poderia tranquilamente se passar nos dias de hoje”, comenta.

 

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