Fotógrafo Luiz Braga fala sobre sua trajetória artística: “É a ancestralidade que comanda”
O fotógrafo paraense Luiz Braga cria o ensaio Mapa do Éden (Nightvisions) e expõe uma visão intimista e humanizada da vida amazônica. A obra Cortina Lambe-Lambe do artista será doada para a ONG Gerando Falcões
Tradutor visual do universo cultural brasileiro, artista reconhecido pelo domínio técnico das cores e da luz, o fotógrafo paraense Luiz Braga é dono de um acervo requisitado por museus e galerias no Brasil e no mundo. É também o autor da foto de capa que estampa nossa edição de n° 117. De sua casa, em Belém, Braga conversou, por telefone, com a Versatille. Falou sobre sua trajetória artística, a ancestralidade indígena que comanda seu trabalho, as experimentações digitais e a descoberta pictórica que deu origem ao ensaio Mapa do Éden, inicialmente batizado Nightvisions, pelo curador Paulo Herkenhoff.
Em 2004, usando uma câmera digital com recurso de visão noturna, ele iniciou a série, cuja tonalidade monocromática o remeteu às gravuras em água-forte de Jean Baptiste Debret (1768-1848) e também às primeiras imagens noturnas, granuladas e esverdeadas da Guerra do Golfo, em 1991. O resultado se aproximou da “estranheza” que estava buscando. Em novas experimentações, ele utiliza a mesma técnica noturna para fotografar durante o dia.
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“Para isso, precisei domar a luz”, explica, descrevendo o estouro de luz que, domado, se transformou em um banho de prata sobre a paisagem, puro lirismo e encantamento, envolvendo rios, igarapés e florestas, povoados de homens, mulheres, trabalhadores, crianças, populações ribeirinhas – seres invisíveis da floresta globalizada. “Sempre tive certo ranço daquele padrão National Geographic de retratar a Amazônia. Como um vivente desta terra, um habitante daqui, com toda a minha ancestralidade, possuo outra visão. A Amazônia, para mim, sempre teve o homem inserido, a cultura ribeirinha e tantas outras questões.”
E foi desse desconforto com a visão idealizada e desumanizada que Braga descortinou a Amazônia real, humanizada e “não edulcorada”. “Criei um refúgio, um território sem males, um planeta subjetivo, como ensinam meus ancestrais indígenas. É a ancestralidade que comanda e guia”, diz ele. “A compreensão desse processo, a racionalização, veio mais tarde, após 15 anos de um trabalho obstinado e intuitivo.”
Fé em Deus
A “terra sem males” a que se refere é um mito guarani sobre um lugar onde não há fome, guerras nem doenças, em que se vive em harmonia com a natureza. Essa lenda forjou a resistência do povo indígena à brutal violência e dominação dos colonizadores portugueses e espanhóis. Foi inspirado na fábula que Braga rebatizou a série como Mapa do Éden, em 2019. A imagem mais emblemática dessa fase chama-se Fé em Deus, de 2006, captada no Maranhão, que retrata um grupo de pescadores que transporta uma embarcação para dentro do rio, em Axixá.
Em artigo publicado na revista especializada ZUM, o próprio artista relata: “O aspecto da vegetação, a densidade profunda do céu, a dramaticidade da cena. A celebração do trabalhador. Comemorei, pois nela estava (e está) a inquietação que move a busca por técnicas que renovem minha forma de fotografar. E o tema da vida do homem simples, mas com uma grande novidade: a floresta passa a ter força e protagonismo. Justo ela, que sempre esteve me cercando. Mas que eu não trazia para minha obra por implicar com os estereótipos visuais”.
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Luiz Braga realizou mais de 200 exposições, entre individuais e coletivas, no Brasil e também no exterior, e suas fotografias compõem importantes coleções públicas e privadas, como a do Museu de Arte Moderna de São Paulo, do Centro Português de Fotografia, do MAR – Museu de Arte do Rio, da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do PAMM (Miami). Ele ganhou projeção internacional em 2009 ao ser escolhido representante do Brasil na 53ª Bienal de Veneza. No próximo ano, há exposições agendadas no Japão e na China – a depender, naturalmente, da evolução da pandemia nos meses seguintes.
Por Natália Rangel