Entenda o sucesso dos vinhos de Savoie
Seja na neve ou na cidade, os vinhos do departamento francês ganham adeptos e, nas mãos de novos produtores, ressurgem com mais potencial
Os Alpes europeus são destino obrigatório para os amantes dos esportes de inverno. De dezembro a março, várias estações de esqui das montanhas francesas, italianas, suíças e austríacas recebem visitantes do mundo todo. Mas a diversão vai bem além das pistas de esqui (confira matéria de esqui na página 112). Almoços, “après-ski” e jantares em restaurantes com deliciosas especialidades gastronômicas locais e internacionais regadas a vinhos produzidos na região alegram ainda mais a saison dos frequentadores.
Entre uma pista de esqui no inverno, uma caminhada por trilhas no verão, espumantes, brancos e tintos podem ser degustados em meio a paisagens montanhosas deslumbrantes, cortadas por lagos, cachoeiras, riachos e castelos medievais, principalmente quando falamos do departamento da Savoie, no sudeste da França.
LEIA MAIS:
- Viajantes revelam seus destinos mais aguardados para 2023
- O que fazer em quatro dias de viagem por Marrakesh, cidade mais turística do Marrocos
- Com imersão no cerrado, a Pousada Trijunção se destaca no turismo ecológico nacional
Em minha última viagem à capital francesa, em março passado, notei que as cartas de vinhos dos bar à vins, bistrôs e cavistas de Paris têm dedicado espaço cada vez maior aos vinhos produzidos nos Alpes franceses. Descobri, provei e comprei vinhos frescos, puros, vivos e limpos. Mas qual o motivo para os vinhos dos Alpes franceses terem cada vez mais destaque?
Os vinhos tiveram um significativo salto qualitativo. Melhoraram. E muito. Além de ótima alternativa em termos de custos aos vinhos de regiões consagradas como Borgonha, Bordeaux, Rhône e Jura, a menor região produtora de vinhos da França e a região cool do momento mundo afora.
Os vinhos da Savoie, a segunda menor vitivinícola da França, que faz fronteira com a Suíça e Itália, aos pés do Mont Blanc, eram até pouco tempo vinhos simples, de grande produção, que faziam a festa dos turistas no après-ski das estações de esqui como Val d’Isère, Courchevel, Méribel e Saint Martin de Belleville. Eram vinhos sem nenhuma expressão.
Mas, a partir do início do seculo 21, a Savoie passou por uma “revolução vitícola”. Vários jovens da segunda ou terceira geração de vignerons locais foram estudar enologia na Borgonha – que está apenas a duas horas e meia de carro de Chambéry, a capital da Savoie. Com isso, resgataram uvas de variedades nativas de vinhedos abandonados, adotaram a viticultura biológica e algumas vezes até biodinâmica, para ter uvas sadias e pouca intervenção na elaboração dos vinhos. E eis que surgiram vinhos artesanais de pequenas quantidades, melhor qualidade, com pegada mais natural e com maior atenção ao meio ambiente.
Brancos, rosés, tintos e espumantes são feitos com as 23 uvas permitidas nas três AOC – Appellation d’Origine Controlée: Vin de Savoie, Roussette de Savoie e Seyssel, com 22 crus – vinhas demarcadas de qualidade superior –, entre elas Apremont, Arbin, Ayze, Cruet, Chignin, para citar algumas. Ao todo, são 2.200 hectares de vinhas que representam 0,5% do vinho produzido em toda a França.
Da produção de vinhos da região, 70% é de brancos, feitos das uvas nativas jacquère; altesse, também chamada de roussette; roussanne, localmente conhecida como bergeron; chasselas; molette e gringet. São brancos superfrescos, delicados e ao mesmo tempo intensos, com acidez que faz salivar. Daqueles vinhos que dão vontade de um próximo gole e que fazem ótima companhia para os queijos, outro patrimônio dos Alpes franceses e suíços, sejam eles de leites de vaca, cabra ou ovelha. Exemplos dignos de menção são os Beaufort, Tomme de Savoie, Reblochon, Chevrotin e outros tantos classificados pelas AOP – Apelações de Origem Protegidas.
Os pratos clássicos dos Alpes, como a fondue savoyarde, que tem sua receita criada pelo gastrônomo francês Brillat-Savarin em 1794, trazem o mix dos queijos beaufort, comté e emmental fundidos. Ou a raclette, que é de origem suíça, mas foi adotada – com muito amor – nos Alpes franceses: queijo derretido para ser devorado com batatas cozidas e carnes curadas, como o jambon cru de Savoie, e cebolinhas. Mais uma opção perfeita para escoltar os vinhos brancos locais.
Um dos mais populares pratos da Savoie é a Tartiflette, mencionada por François Massialot, o criador do crème brûlée, no livro Le Cuisinier Royal et Bourgeois, de 1705. Entre os ingredientes principais estão batatas, cebolas e pancetta gratinadas, além do queijo reblochon. É perfeito para acompanhar os brancos ou tintos.
Os tintos da Savoie podem ser “food friendly” ou para serem bebidos dois ou três anos após o engarrafamento, mas algumas uvas de difícil cultivo, por serem propensas a doenças, como a persan, rendem vinhos mais austeros e com maior potencial de guarda. A mondeuse noir, ou “a uva que amadurece na neve”, como escreveu o escritor romano Columella, faz vinhos com mais taninos, para envelhecer.
Além delas, etraire de la dhuy e as borgonhesas gamay e pinot noir, que acompanham com maestria o Crozet au Beaufort: miniquadradinho de massa de trigo sarraceno gratinado com queijo beaufort, regado a molho de carne de caça ou acompanhado pelas suculentas salsichas savoyardes, chamadas Diot.
Dos vinhos que provei na viagem, o que mais me impressionou por sua originalidade foi o refrescante espumante da uva gringet, Les Perles du Mont Blanc, do produtor Domaine Belluard. Dominique, segunda geração da família de vinhateiros, faleceu em 2021. Conhecido como Mr. Gringet, o produtor foi um dos responsáveis por pôr a Savoie e a variedade branca no cenário do vinho mundial.
Dos apenas 22 hectares plantados com a uva, 12 pertencem ao Domaine Belluard, que fica em Ayze, aos pés do Mont Blanc. Foi sugestão do jovem sommelier da Cave du Septime, lugar imperdível para quem gosta de descobrir vinhos mais alternativos e artesanais.
No Frenchie Bar à Vin, bar de vinhos animado da Rue de Nil e frequentado por quem adora beber e comer bem, como eu, bebi a cuvée Au Replat do Domaine d’Ici Là, da uva mondeuse. Numa parada estratégica num bar de vinhos no Marais (que não lembro o nome), bebi uma taça do Silice do Domaine des Ardoisières, da uva jacquère, que chega ao Brasil pela mesma importadora que traz os vinhos de um dos meus produtores do coração: Adrien Berlioz, um dos maiores talentos da viticultura da região. Até 2018, estampavam no rótulo o nome Domaine du Cellier des Cray. Hoje as cuvées, cada uma com o apelido de alguém próximo, tem a assinatura de Adrien. Na mala, vieram três garrafas de produtores que não chegam por aqui, compradas na Cave du Panthéon, meu cavista preferido em Paris. O dono, Olivier Roblin, é craque nos vinhos naturais, e todas as vezes que segui seus conselhos fui feliz. O Brasil já conta com alguns rótulos da Savoie. Entre eles os ótimos Domaine de l’Idylle e Domaine Giachino, certificados biodinâmicos.
LEIA MAIS:
- Confira 14 hotéis de luxo que serão inaugurados ao longo de 2023
- Com temática musical, novo Four Seasons chega em Nashville, no Tennessee
- Com base em Alter do Chão, o Kaiara oferece uma imersão amazônica
Por mais de 70 anos, a família Tiollier, proprietária do Domaine de l’Idylle, abasteceu um restaurante perto de Chamonix. O vinho era enviado em barril. Hoje, a vinícola é tocada pelo bisneto do fundador, Sylvain, que trabalhou no Uruguai com o Domaine Carrau e no Chile com o produtor Odfjell. Torço para que mais vinhos da Savoie cheguem aqui. A região propicia passeios entre os vinhedos, com visitas a vinícolas, que podem ser feitas de bicicleta ou carro a partir de Chambéry e Annecy.
Vinhos da Savoie:
Onde comprar e beber, seja na França, seja no Brasil
Beverino | São Paulo
@beverino.vinhos
Sede 261 | São Paulo
@sede261
De la Croix | delacroix.com.br
@delacroixvinhos
Cellar Vinhos | cellarvinhos.com
@cellarvinhos
Cave du Septime | Paris
@septimeparis
Caves du Panthéon | Paris
@caves_du_pantheon
Frenchie Bar à Vins | Paris
@frenchieruedunil
Le Saint-Amour | Méribel
@restaurantsaintamour
Madame Secret Bar | Courchevel
@lasivoliere
Por Fernanda Fonseca |Matéria publicada na edição 129 da Versatille