Conheça o chef Himanshu Saini, único indiano com duas estrelas Michelin em Dubai
À frente do restaurante Trèsind Studio, o chef dispensa convenções para celebrar tradições
Os cálculos podem não ser exatos, mas Dubai tem uns 13 mil restaurantes, e dois deles já tinham duas estrelas. Em maio, a última edição do Guia Michelin local somou um elegido ao seleto panteão: o Trèsind Studio. Deu a única doma com dois macarons vermelhos a Himanshu Saini, um cozinheiro indiano. Em junho, o estabelecimento entrou pela primeira vez no The World’s 50 Best Restaurants, 2023, e agora é o número 11 da lista.
“Estrelas em Paris ou em Dubai têm o mesmo valor”, fez questão de frisar Gwendal Poullennec, diretor internacional do guia. Colegas célebres de Saini, Gordon Ramsay, Nobu Matsuhisa e Daniel Boulud, por exemplo, nem chegaram perto da honraria.
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Ainda assim, no jantar de celebração, o moço tímido teve pouca voz: Yannick Alléno e Mauro Colagreco escolheram antes as louças e ele acabou pegando o último dos bowls para acomodar seus tortellinis de gorgonzola em creme de especiarias, provavelmente o prato mais profundo e aclamado da noite.
Se o emirado é acostumado a nomões como esses e uso ostensivo de iguarias, o rapaz de Nova Délhi não se deixa abalar. Troca foie gras por folhas e caviar por especiarias: “Existem centenas de lugares que fazem um excelente wagyu, um pato perfeito. Não estou aqui para isso, estou para contar como 30 temperos podem ser misturados com perfeição para fazer um prato muito interessante. Esse é o ponto forte da comida indiana”.
Distante dos clichês e bem perto de uma cozinha de alma, os sabores no Trèsind vibram: cada especiaria aporta uma fragrância, uma quentura; cada ingrediente responde a uma textura, uma temperatura, um novo equilíbrio. Sucessivamente, os sabores provocam e alentam sem sobrecarregar o paladar.
“A primeira filosofia é: se você não gosta de certas coisas, não deve cozinhá-las. Eu vim de Délhi e nunca cozinhei peixe em casa, então você não vai achar um prato de peixe no meu menu. Eu amo peixe cru, mas, quando o peixe é cozido, eu não tenho paladar para isso”, exemplifica o chef.
Na casa em que não se comiam pescados, moravam 50 pessoas. Eram três refeições por dia para todo mundo. Todo dia. “Cada uma das tias tinha um trabalho específico: era como um minibanquete, alguém tinha que limpar, alguém tinha que moer as especiarias, alguém tinha que secar as pimentas ao sol, alguém tinha que separar os grãos das leguminosas, e a vovó costumava fazer o tempero final do prato”, relembra.
O pequeno Himanshu não fazia nada, só seguia a mãe e constatava que, ruim como era nos estudos, talvez estivesse ali uma solução. E estava. Na escola de hospitalidade, descobriu-se. Passou cinco anos ao lado do chef Manish Mehrotra, no Indian Accent, na capital da Índia. Ali, encontrou sua obsessão: criar pratos que nenhum outro restaurante fosse capaz de fazer.
Sua voz cadenciada afasta qualquer sinal de arrogância: “As pessoas acham que tem que ter um curry, um arroz biryani, um pão, um kebab, mas mesmo eu, com 35 anos, não viajei para todas as partes da Índia. Há tanto para descobrir, e as pessoas só falam de receitas-padrão. É meu dever tentar explicar que a Índia não é apenas isso”.
Nesse sentido, o menu Tasting India viaja pelo mapa de seu país natal, sobrevoa norte-sul, leste-oeste; cria um espetáculo perfumado em 16 tempos para até 18 comensais por noite. Sem vinho, com harmonia, produtos de cada prato são usados nos drinques que embalam a experiência. No Trèsind, o paladar é sagrado, e o trabalho sofisticado de coquetelaria é só mais uma prova disso.
Recriar a essência do lar com elegância e criatividade é o que torna Himanshu um embaixador da culinária indiana, mesmo que nem todo indiano entenda: “Uma vez, o Massimo Bottura estava comendo aqui e levantou-se para falar com uma mesa de indianos. Ficou revoltado que uma senhora disse que aquilo não era comida indiana: Ele gritava: ‘A senhora tem que abrir a sua mente’”.
Além do “causo”, a passagem do chef italiano rendeu um prato com um restico de molho e um coração desenhado a dedo, que foi parar em um altar. Uma parede com a assinatura de Dabiz Muñoz (do espanhol Diverxo), Micha Tsumura (do peruano Maido), Alex Atala (D.O.M.) e outros grandes cozinheiros que passaram por ali também é motivo de orgulho.
Porém, são as memórias infantis e a brigada exclusivamente indiana que impulsionam o cardápio. Nele não há naan, samosa nem arroz. Há diversos tipos de picles, feitos de no mínimo duas dezenas de condimentos e embebidos em óleo de grãos negros de mostarda. Há pimentas secas, frescas, em molhos e preparos raramente picantes. Há flores para serem devoradas com os olhos e com a boca.
Revelar os tempos da degustação soa herético; em compensação, é possível dizer que os esplendores do sul vêm em ondas no curso de sadhya. A refeição tradicional de Kerala, servida em folha de bananeira, é uma performance coreografada por toda a equipe, é um ritual que envolve abacaxi, curry de manga, sorvete de coco e grãos de pimenta.
Já o kebab é um brincar de casinha. Ao evocar as lembranças das sobras da frigideira em casa, o chef entrega os aromas e os segredos das ruas de Délhi de maneira lúdica aos comensais. No fim, lança um voo à Lua com Frank Sinatra e ar comestível de manteiga de cacau e mel das montanhas de Fujairah.
As emoções vertiginosas provocadas por Himanshu Saini espelham a busca pelos sabores de sua meninez: são castas e sensuais. Certamente não precisam ser classificadas como nova cozinha indiana. Compõem uma degustação fluida e de fácil digestão, dessas que despertam o desejo de pegar na mão de quem está ao lado e sair juntinho. Com disposição, mesmo que não seja para gabaritar o Kama Sutra.
Trèsind Studio
R002, East Wing Rooftop, Nakheel Mall – The Palm Jumeirah, Dubai, Emirados Árabes Unidos. Tel.: +971 58 895 1272. tresindstudio.com
Por Fernanda Meneguetti | Matéria publicada na edição 131 da Versatille