Conheça a região italiana responsável pelos vinhos Brunello di Montalcino

Em visita à comuna de Montalcino, a sommelière e mestre cavista Marina Giuberti narra sua imersão nos especiais – e amados – vinhos Brunello di Montalcino

Montalcino, na Itália (Getty Images)

Uma das regiões mais charmosas da Itália, a Toscana também é reconhecida como uma das mais importantes na produção de vinhos do mundo. É na comuna de Montalcino, na província de Siena, que são plantadas as preciosas uvas sangiovese, chamadas localmente de “Brunello”, que dão origem à apelação Brunello di Montalcino, que se tornou um ícone no mercado de vinhos tintos de prestígio. Só podem ser chamados de Brunello os vinhos feitos nessa região, que reúne 208 produtores, responsáveis por preparar 11,4 milhões de garrafas no ano passado, um recorde. Entre os dias 25 e 27 de setembro, eu fui convidada pelo Consórcio do Brunello di Montalcino para representar o Brasil e também a França, como presidente da Associação de Cavistas da Île-de-France, na prova anual das safras de Brunello 2017 e dos vinhos Rosso di Montalcino 2020, que chegam agora ao mercado. Também fizemos uma prévia de algumas safras de Brunello 2018, que serão vendidas no ano que vem.

 

Durante três dias de viagem, que reuniu dez “enotecários” de renome, como são chamados os cavistas na Itália, visitamos 14 vinícolas da região e experimentamos cerca de 200 referências de vinhos tintos. Tanto o Brunello quanto o Rosso di Montalcino são feitos de uvas sangiovese, sendo que o Brunello é 100% composto da uva sangiovese grosso de vinhas mais velhas, enquanto o Rosso é produzido pela mesma tipologia de uva, mas de vinhas mais novas. O Brunello precisa envelhecer por, no mínimo, dois anos em barricas de madeira, e pode ser comercializado no início do quinto ano depois da colheita. Para os que ganham a qualificação “Riserva”, esse período aumenta para seis anos. Aliás, aconselho muita atenção ao termo Riserva, que representa de fato um selo de qualidade, mas é usado em alguns países como mero golpe de marketing.

 

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As regras são tão restritas que o vinho Brunello ainda será degustado pelo comitê da vinícola e, caso não atinja as características organolépticas desejadas, a própria vinícola pode optar por desclassificá-lo ou colocá-lo na categoria Rosso di Montalcino. Por isso, em todas as vinícolas que visitei, as barricas tinham o aviso “vinho apto a se tornar Brunello”. O Rosso é um vinho mais novo, que precisa envelhecer por dez meses, com autorização de venda um ano depois da colheita, mas entrega muita qualidade e tem excelente custo-benefício. Eu costumo dizer que mais vale um Rosso de um ótimo produtor do que um Brunello vinificado de forma medíocre.

 

Marina degusta os vinhos da vinícola Col d’Orcia (Arquivo pessoal)

 

Há registros de técnicas vitivinícolas adotadas na Toscana desde o século 3 a.C., e ali sempre se produziu vinho apreciado pelo clero, por exemplo, mas o Brunello é uma invenção moderna. A mesma região, que curiosamente ficou famosa num primeiro momento por um vinho branco doce elaborado a partir da uva moscatel, tomou outro rumo na metade do século 19, quando um fazendeiro local, chamado Clemente Santi, começou a fazer experiências criando clones da uva sangiovese. O resultado foi justamente a variação sangiovese grosso, também chamada de Brunello (diminutivo de bruno, que significa “moreno” ou “marrom” em italiano), que ganhou o nome científico de BBS (Brunello Biondi Santi), uma homenagem a seu inventor.

 

O Brunello não só inaugurou a Denominação de Origem Controlada (DOC) na Itália, em 1966, como também foi o primeiro selo italiano a ser servido durante uma recepção entre chefes de estado nos cálices da rainha Elizabeth II e do então presidente italiano, Giuseppe Saragat. Quinze anos depois, subiu mais um degrau e foi coroado com o mais alto reconhecimento para vinhos selecionados do país: a Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG). A partir daí, o vinho ganhou o mundo, passou a ocupar centenas de listas internacionais de melhores vinhos e atingiu o ápice em 1999, quando a renomada revista americana Wine Spectator listou o Brunello entre os 12 melhores vinhos do século 21. Por isso, hoje ele é apelidado de rei da Itália.

 

O brunello di Montalcino do Piombaia (Reprodução)

 

Maior produtora de vinho do mundo desde 2015, a Itália segue na liderança, em 2022, com cerca de 50 milhões de hectolitros de vinho produzidos por ano. Tudo indica que a França vai retomar o posto de segundo lugar, seguida pela Espanha, de acordo com as recentes estimativas do Comitê das Organizações Profissionais Agrícolas da UE (Copa). Os vinhos de Montalcino são responsáveis por mais de 21% dessa produção, sendo 70% deles destinados à exportação. 

 

De todas as referências degustadas, os vinhos que eu mais apreciei foram os Brunello das vinícolas Castiglion del Bosco, Camigliano, Famiglia Maté, Salvione, Col d’Orcia, Sasso di Sole e Piombaia, que é uma vinícola natural. Entre os Rosso di Montalcino 2020, destaco os mesmos produtores, e fica aqui a regra geral: o bom produtor costuma ser singular na qualidade de seus vinhos.

 

Marina com outras sommelières na prova anual dos brunello (Arquivo pessoal)

 

Para finalizar, confesso que o que mais admirei em toda a experiência foi ver um aumento, ainda que muito pequeno, da participação de sommelières e cavistas mulheres na degustação de vinhos de Montalcino: éramos 30% do grupo. Cheguei a uma degustação em que, no jantar, puseram mesas separadas para homens e mulheres, mas acabou sendo uma oportunidade de trocar ideias ou experiências com elas e saber o que cada uma tem feito para aumentar nossa representatividade e credibilidade num universo ainda tão masculino. Afinal, competência e profissionalismo não têm gênero. Salute a tutti! E viva o Brunello! 

 

Por Marina Giuberti |Matéria publicada na edição 128 da Versatille

 

 

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