Azulejo: decoração com status de arte
Associados quase sempre a banheiros e cozinhas, azulejos chegam com tudo às paredes mais nobres da casa
Com espessura fina, mas extremamente resistente, o azulejo começou sua trajetória longe daqui. O nome provém dos árabes, mais especificamente do termo azuleicha, que significa pedra polida. Sua história remete às primeiras civilizações e conta-se que os egípcios, no quarto milênio antes de Cristo, usavam as cerâmicas para decorar os ambientes, mas principalmente as mesquitas e os edifícios, acentuando sua simetria e transmitindo uma imagem de riqueza.
A paleta cromática incluía o branco, o turquesa e o manganês sobre um fundo de azul-cobalto e ouro. Depois de largamente difundidos pelos islâmicos, os azulejos passaram pela Europa, conquistando a introdução de vários elementos, como as formas geométricas e seu colorido marcante. Em Portugal, por exemplo, vários temas eram desenhados na superfície. No entanto, episódios históricos, cenas mitológicas e iconografias religiosas apareciam com maior frequência, sendo um importante suporte para a expressão artística do país. Eram empregados em paredes, palácios, jardins, igrejas e conventos, entre outros.
No Brasil, nas épocas de colônia e império, os azulejos portugueses e holandeses fizeram muito sucesso e logo foram incorporados a nossa cultura, tanto por suas características de durabilidade quanto pelo colorido que tornava as peças únicas. “Num primeiro momento, as placas, geralmente medindo 15 x 15 cm e 20 x 20 cm, serviam como revestimento de parede, especialmente em áreas externas, como fachadas, diferentemente do que se via em Portugal”, comenta o artista autodidata Alexandre Mancini, profundo conhecedor do material, o que o levou a ser formalmente reconhecido como discípulo de Athos Bulcão por meio da chancela dada pela fundação que leva o nome do mestre. É possível encontrar maravilhosos exemplos da época colonial nas Regiões Norte e Nordeste. Já no Sudeste, mais especificamente no Rio de Janeiro, há os surpreendentes painéis setecentistas da pequena Igreja da Glória, no bairro de mesmo nome.
Há informações de que as primeiras fábricas e olarias no Brasil surgiram entre 1880 e 1910, mas sempre repetindo a temática portuguesa. “Apesar de serem produzidos aqui, ainda traziam o conceito e o estilo europeus”, conta Mancini. Segundo ele, os exemplares daquela época estão na praça que comemora o centenário da Independência, assinados por José Wasth Rodrigues, pintor, ceramista e historiador paulistano responsável pelo desenvolvimento de brasões de vários municípios, como o das cidades de São Paulo e Mogi das Cruzes.
A partir da década de 1930, o uso do azulejo foi reavivado com a renovação da arquitetura brasileira. Tempos depois, Paulo Rossi Osir fundou a Osiarte, empresa de azulejaria que fabricava, entre outras peças, as criações de Candido Portinari, que foram parar em obras importantes, como o Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, um dos primeiros exemplares de nossa arquitetura moderna. Com construção iniciada em 1937, o projeto, inspirado por Le Corbusier, era liderado por Lúcio Costa e tem jardim assinado por Roberto Burle Marx. Na sequência, a história nos presenteou com a Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, inaugurada em 1943 com projeto de Oscar Niemeyer e 14 painéis de Portinari.
“A igreja traz o conceito de nossa azulejaria, mudando a composição, a forma de trabalhar os painéis, o tipo de traço. Trata-se de uma inovação absolutamente brasileira”, conta Alexandre Mancini.
Essa obra fez surgir outro nome essencial para a memória da azulejaria: Athos Bulcão. O artista plástico carioca, que morreu em 2008, trabalhou como assistente de Portinari na construção do mural de são Francisco de Assis, na Igreja da Pampulha. “Bulcão fez nascer um pensamento novo e revolucionário. Com um tipo de produção mais fácil e barata, ele permitiu uma democratização da arte para o espectador, além da própria execução e montagem do operário”, afirma Mancini.
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A partir dos anos 1950, o azulejo começou a caminhar pelo interior do Brasil, tornando-se, de fato, uma arte com discurso, plasticidade e solução brasileiros. No entanto, entre as décadas de 1970 e 1980, a arquitetura moderna começou a sofrer com o estigma de algo ultrapassado e, nesse momento, a azulejaria passou a ficar de lado. Foi aí que entrou em cena a grande indústria brasileira, fazendo com que a cerâmica migrasse da fachada para os ambientes internos, cobrindo, sobretudo, banheiros e cozinhas. O ponto de vista artístico perdeu espaço para a resistência, reservando o material, principalmente, às áreas molhadas.
O Brasil é considerado, atualmente, um dos maiores players mundiais do revestimento cerâmico. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), o país figura entre os principais consumidores e produtores mundiais, fazendo com que o material passasse por uma evolução, que dura até os dias de hoje. Além das vantagens e da durabilidade provada através dos séculos, são oferecidas inúmeras opções, de maneira a satisfazer os mais exigentes consumidores, com padronagens e texturas diversas.
Como nem tudo é estático, a azulejaria artística teve seu retorno nos anos 2000, inaugurando uma nova geração de artistas, como Alexandre Mancini e a Coletivo Muda, que pensa nos painéis como um elemento único, feito com exclusividade para o local em que será instalado. O futuro ainda é incerto, mas, quando se fala em deixar memórias para as próximas gerações, não há dúvida de que a perenidade dos azulejos é um instrumento certeiro para ajudar a contar nossas histórias.
TENDÊNCIA por Danilo Costa | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille