A Bienal mais feminina que já existiu

A colunista Bianca Boeckel fala sobre a maioria avassaladora de artistas femininas na Bienal de Veneza, feira de arte contemporânea mais antiga e importante do mundo

(Foto: Divulgação)

Pela primeira vez em seus 127 anos de história, a Bienal de Veneza – feira de arte contemporânea mais antiga e importante do mundo – expõe uma maioria avassaladora de artistas femininas. Sob a direção curatorial da italiana Cecilia Alemani, dos 213 artistas apresentados, apenas 22 são homens. 

 

A mostra Il Latte dei Sogni (O Leite dos Sonhos/The Milk of Dreams) foi inspirada no livro de mesmo título da escritora e artista inglesa Leonora Carrington. As histórias presentes na obra foram sonhadas por ela na década de 1950, pintadas nas paredes do quarto de seus filhos e, posteriormente, publicadas em formato editorial. A curadoria conseguiu transmitir de forma clara seu processo criativo; diferentemente de tantas outras exposições em que os textos são indecifráveis, a articulação dela é acessível e próxima ao público. E o resultado é uma mostra que foca em artistas negligenciadas há décadas, ao mesmo tempo  que investiga temas como normas de gênero, colonialismo e mudanças climáticas.

 

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De forma também inédita, todas as premiações foram entregues para mulheres. O Leão de Ouro pelo conjunto da obra foi para a pintora e poeta chilena Cecilia Vicuña e para a escultora alemã Katharina Fritsch. O Reino Unido recebeu o Leão de Ouro de melhor pavilhão, representado por Sonia Boyce. Seu trabalho Feeling Her Way apresenta um coro de vozes femininas negras (em áudio e vídeo) e um papel de parede de mosaicos e estruturas 3D geométricas. A americana Simone Leigh venceu na categoria de melhor participação individual, apresentando esculturas gigantes de bronze – bustos femininos que lembram a estrutura de uma casa ou abrigo, que abrem e fecham as alas do Arsenale. Boyce e Leigh foram as primeiras negras a representar seus países. 

 

Ainda no Arsenale, diversas séries da brasileira Rosana Paulino estão expostas. No políptico Jatobá, seis desenhos figuram a junção do corpo feminino aos elementos naturais, criando uma mulher-árvore em cores terrosas e relacionando a energia feminina à fertilidade. Partindo agora para o Giardini, uma artista de origem cigana expõe no pavilhão polonês, algo que nunca ocorreu nos anos anteriores. Małgorzata Mirga-Tas criou 12 painéis de tecidos, que vão do chão ao teto e representam parte da história cigana, contada através dos 12 meses do ciclo de afrescos do Palazzo Schifanoia de Ferrara, na Itália. Ao relatar a própria versão do palácio renascentista, a artista constrói uma espécie de asilo temporário. 

 

Nosso país está representado por Jonathas de Andrade, que ocupa o pavilhão do Brasil neste ano, e por outros cinco brasileiros espalhados entre o Giardini e o Arsenale: Jaider Esbell, Lenora de Barros, Luiz Roque, Rosana Paulino e Solange Pessoa. A 59ª Bienal de Veneza, na opinião do crítico de arte Silas Martí, “é a morte da femme fatale. As mulheres nesta edição sepultam a ideia do feminino como alvo do olhar lascivo dos outros. Elas são feras, às vezes corpos desmembrados, seios e vaginas estilizados em primeiríssimo plano, potências destrutivas e regeneradoras, violentas e radicais de um jeito que até desmonta a neutralidade blockbuster que sempre ronda as mostras dessa natureza”. 

 

Em todo o percurso expositivo, o sentimento que prevalece entre as mulheres é de orgulho, representatividade e merecimento. Assim como o livro de Carrington que inspirou a mostra, a curadoria magistral de Alemani faz do sonho a força motora de mudança da realidade. 

 

Por Bianca Boeckel, curadora e consultora de arte 

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