“Não temos salmão”: qual o significado da frase que estampa a parede de um dos restaurantes do chef Dário Costa

À frente de seis restaurantes e dois açougues do mar, o chef santista é defensor dos peixes brasileiros pouco conhecidos

Foto: Divulgação

“Não temos salmão!” é a frase que estampa uma das paredes do descontraído Paru, restaurante do chef Dário Costa localizado no Mercado de Peixes de Santos, litoral de São Paulo. Criado para ser uma espécie de “fast food” de frutos do mar, o Paru realmente não tem salmão (nunca, sem exceção, e isso não tem nada a ver com falta de fornecedores). A regra é clara: se não tem no Brasil, está fora do cardápio.  

 

Sinceramente, e por mais que essa verdade possa ser difícil para alguns, é preciso reforçar: não faz a menor falta. O Paru não tem salmão, mas está sempre repleto de peixes como carapau, sororoca, olho-de-cão, cabrinha, galo-prata, roncador e oveva. Nenhum deles possui a popularidade do tal tipo de peixe – e Dário sabe disso –, mas todos carregam sabores particulares, que merecem a atenção dos nossos paladares.  

 

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E era isso que o chef santista buscava mostrar quando levou alguns jornalistas a Santos. A ideia era apresentar as cozinhas do Paru e do Madê, seus estabelecimentos na cidade, além de oferecer uma visita interessante à descarga de peixes do entreposto Franzese, no Guarujá. Ao longo de dois dias, o chef conseguiu demonstrar com clareza as razões por trás do seu posicionamento como um defensor dos peixes brasileiros – principalmente aqueles pouco conhecidos.  

 

A questão é que o Brasil possui mais de 7.500 quilômetros de costa e, mesmo com a imensa biodiversidade que isso proporciona, há muito pouco sendo consumido e valorizado no mercado interno do país. Na descarga de peixes do Guarujá, havia uma abundância de espécies pouco conhecidas (até mesmo para quem trabalha na área da gastronomia). Segundo o chef, 80% desses peixes não chegam às mesas porque o mercado não tem interesse, julgando-os estranhos e inferiores.  

 

Para que não haja desperdício, o que não é vendido acaba sendo doado para projetos sociais como o Tia Egle e o Sesc Mesa Brasil, além das prefeituras de Santos e Guarujá. É difícil explicar os motivos desse preconceito com os peixes brasileiros, mas muitas vezes o medo do desconhecido e a falta de informação são os grandes responsáveis. O próprio Dário, que cresceu com os pés na areia, em meio a uma família de surfistas, só percebeu a riqueza da nossa costa quando passou uma temporada na Itália.  

 

O chef já havia trabalhado em cozinhas na Nova Zelândia e teve uma vivência na Indonésia, mas foi ao lado do chef Giuseppe Ricchebuono, no Ristorante Vescovado, na Ligúria, que a virada de chave de sua vida aconteceu. “Eu já era cozinheiro e fui para a Itália trabalhar e ganhar mais experiência. Acabei indo parar em um restaurante que é considerado um dos melhores do norte da Itália quando se trata de peixes e frutos do mar”, recorda.  

 

Durante a experiência, ele notou que muitas das iguarias amadas no Mediterrâneo eram ignoradas no Brasil. “Eu reconhecia todos aqueles peixes e aprendi com os italianos a dar valor aos produtos. Quando voltei para Santos, em 2016, já tinha na cabeça que trabalharia com isso.” Hoje, Dário está à frente de seis restaurantes e dois açougues: Madê e Paru (Santos), Deus Ex-Machina e Churrascada do Mar (São Paulo), e Benedita e Alamoa (Fernando de Noronha). Em todas as suas casas, espécies não convencionais ganham protagonismo.  

 

Em Santos, sua equipe visita diariamente a descarga de peixes no Guarujá para selecionar as iguarias mais frescas. O delicioso temaki de guaivira, que tivemos a oportunidade de provar no menu-degustação do Madê, por exemplo, pode ser preparado com peixes diferentes em outros dias. O que vale é o frescor que, quando combinado a um belo tempero, cria uma experiência deliciosa.  

 

Temaki de guaivira (Foto: Divulgação)

 

Mesmo assim, para que os comensais mais “enjoados” tivessem coragem de provar os peixes sem torcer o nariz, durante um tempo Dário vendeu essas espécies sob a nomenclatura “peixe do dia”. Ele apenas revelava o nome quando questionado ou após uma ótima refeição finalizada. Era assim que educava, aos poucos, os visitantes de seus restaurantes.  

 

Após cerca de oito anos de trabalho, a percepção das pessoas parece estar mudando. No Madê, permitem-se provar uma cozinha autoral complexa, com a possibilidade de um menu-degustação repleto de surpresas, como o saboroso crudo de carapeva com molho de tamarindo e carambola, que experimentei em minha passagem pela casa. No Paru, aproveitam a leveza do ambiente para pedir vários pratos para compartilhar. A versão do Mc Fish do restaurante é um sucesso, mas também vale provar o arroz lambe-lambe com mexilhão e banana-da-terra e o tartar de peixe do dia – que, como já citado, varia de acordo com o frescor.  

 

Na visão de Dário, é assim que se realiza uma educação alimentar. O brasileiro precisa provar para se apaixonar. “Com criatividade, você consegue trabalhar com sabores e apresentar para os clientes algo que eles nunca pediriam normalmente. No fim das contas, eles provam e amam”, conclui o chef. 

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 135 da Versatille

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