Por que traduzir conhecimento é um grande negócio
Apenas 14% das pesquisas científicas em saúde retornam à sociedade na forma de produtos e inovações. Mas isso pode melhorar.
Artigos científicos em saúde podem levar 17 anos para chegar ao grande público na forma de um produto, um programa ou uma intervenção. Apenas 14% deles conseguem tal proeza, aliás. Na ponta do lápis, um desperdício de 200 bilhões de dólares em investimentos por ano (o equivalente ao Produto Interno Bruto da Nova Zelândia). Dinheiros público e privado que deixam de retornar para a sociedade – é como se lançássemos redes e redes de editais para pescar peixes, mas nunca olhássemos para dentro do barco para saber se o que foi coletado rende um assado ou um sashimi, e a quem servir cada uma das iguarias. E isso acontece em várias áreas para além da saúde.
Esse prejuízo poderia ser evitado se os produtores de conhecimento conseguissem comunicar a importância de suas descobertas a quem pode aplicá-las fora dos laboratórios. Quando gestores, investidores e formuladores de políticas conseguem acessar tais informações científicas, elas estão numa língua que eles não entendem. O formato também não ajuda. Dificilmente o público tem tempo de ler dezenas de páginas de um longo artigo científico. Quando tem, nem sempre fica claro como aqueles resultados podem ser utilizados na prática.
Entra em cena, nessa intermediação, o trabalho de quem traduz conhecimento. Nosso papel, partindo da premissa de que nada é tão difícil a ponto de não poder ser comunicado numa linguagem clara, é transformar evidências em informações compreensíveis. Garantir que esses dados cheguem a quem pode utilizá-los para tomar uma decisão ou gerar impacto. Ao contrário da divulgação científica, que se comunica com um público mais geral, identificamos e sensibilizamos a audiência-nicho específica daquela informação.
Já treinamos pesquisadores em saúde para que eles consigam contar os impactos de seus estudos de maneira clara – e, assim, ampliem suas chances de financiamento. Auxiliamos fundações a levar dados técnicos a gestores públicos de maneira atraente, ajudando-os na tomada de decisões. Possibilitamos que startups explicassem seus negócios a investidores e empresas conseguissem comunicar seus produtos de maneira mais clara para atrair novos clientes.
Nosso principal objetivo é expandir essa metodologia, criada no Canadá, para que evidências se tornem informações úteis para gerar soluções práticas e, assim, contribuam para resolver os principais problemas do nosso tempo por meio da ciência.
Para deixar ainda mais clara a importância desse trabalho: a penicilina, que salvou mais de 200 milhões de vidas, teria entrado em cena 14 anos mais cedo se seu genial descobridor, Alexander Fleming, fosse tão habilidoso na comunicação como era com o microscópio. Ou se tivesse por perto alguém capaz de fazer isso por ele. Ainda há muitas “penicilinas” em meio a pilhas de artigos à espera de revelação e aplicação. Como diria o estadista grego Péricles (495- 429 a.C.), “de nada adianta ter uma ideia ou um conhecimento sem o poder de expressá-lo claramente.”
Maria Paola de Salvo é pioneira no Brasil no segmento de tradução de conhecimento, foco de sua consultoria, a EasyTelling. Durante seis anos, gerenciou a comunicação do programa Grand Challenges da Fundação Bill & Melinda Gates no Brasil.
PONTO DE VISTA por Maria Paola de Salvo | Matéria publicada na edição 112 da Revista Versatille