É tempo de estranhar-se

Letícia Becker, consultora de moda e colunista da Versatille, fala sobre a macrotendência da excentricidade

(Reprodução Instagram @schiaparelli)

Você se lembra da exposição da banana colada por um pedaço de fita adesiva e altamente avaliada como obra de arte? A banana, perecível e, por conta disso, substituída constantemente, foi vendida por 120 mil dólares. O fato aconteceu na Art Basel de Miami, e esse valor está diretamente relacionado à sua capacidade de expressar uma ideia. O que se vendeu, ali, foi o conceito. 

 

Desde os tempos do mictório de Duchamp e das roupas surrealistas de Schiaparelli com inspirações de Salvador Dalí, vivemos uma crescente onda imagética, e o excêntrico ganha espaço. Mas o que nos faz valorizar itens assim? 

 

Nesta última temporada, a Louis Vuitton lançou a bota Illusion e, desde então, esse é um dos itens mais visualizados nos conteúdos de unboxing nas redes sociais. Uma bota de cano alto que ilude a um scarpin preto com meias brancas. Balenciaga é outra marca que definiu seu mercado com uma moda ousada, com propostas visuais que são frequentemente estranhas. Entre os últimos itens lançados, a saia que representa uma toalha enrolada na cintura tem lista de espera para compra. 

 

A moda brasileira não fica de fora: somos criativos, e itens que valorizam o conceitual já viraram símbolo nos códigos visuais da vestimenta. Marcas como Room, Paola Villas, Von Trapp e Misci crescem provocando, por aqui, esse espírito artístico e disruptivo. 

 

O tempo de agora é experimental, e a excentricidade é uma macrotendência. Essa estética não se preocupa com a harmonia e a moral. O pensamento é livre, e os trabalhos dialogam normalmente com a desconstrução, o inconsciente e a fantasia. Técnicas artesanais se misturam com a tecnologia e a imaginação, conversando diretamente com a nova geração e com os anseios da exposição digital. 

 

Acredito que o indivíduo de agora precise, com uma maior frequência, demonstrar sua particularidade. Estamos mais propensos a uma produção de moda que grite nosso potencial criativo ou a uma obra de arte que anuncie nossa profundidade lúdica. Como se cada vez mais abertos a esclarecer a nossa identidade com elementos visuais que explorem nosso lado “além do comum”. É o movimento coletivo nos ajudando a perceber como são inúmeros os meios de nos expressarmos e abraçarmos o estranhamento com mais naturalidade. Chocar, hoje em dia, gera mais fama que cancelamento. Ainda que cada um de nós possua sua devida proporção, podemos dizer que a (auto)exploração está em alta, nos convidando a dialogar com nossas extremidades mais excêntricas! 

 

 

por Letícia Becker, consultora de moda| Matéria publicada na edição 133 da Versatille