3 restaurantes de cozinha brasileira surpreendentes em São Paulo e Belo Horizonte
Os estabelecimentos fogem dos clichês e propõem novas visões sobre pratos e produtos nacionais
A extensão territorial do Brasil, um país de dimensões continentais, permite que a nossa culinária seja plural ao ponto de, até mesmo pesquisadores e pessoas atuantes na área da gastronomia, se surpreendam frequentemente com a multiplicidade de ingredientes, receitas e preparos existentes. Muito além dos já conhecidos, amados e estabelecidos pratos como a moqueca (seja ela capixaba ou baiana), a feijoada e o churrasco, cozinheiros e produtores se empenham para mostrar uma nova face da gastronomia dos restaurantes do país.
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Vivemos tempos que há muito mais espaço e compreensão para o valor dos ingredientes locais, assim como toda a cadeia – que vai desde o produtor no campo, ao restaurante, que lida com o público final – também ganhou holofotes e adeptos. Pode-se dizer que no movimento coletivo temos “cozinheiros e consumidores militantes” que buscam, através dos próprios hábitos e conhecimento, mudar a forma que a gastronomia brasileira é vista.
O ano de 2021 foi marcado por aberturas de restaurantes com conceitos que fogem do Brasil já conhecido e propõem novas interpretações ao que é nosso. O paulistano Caos Brasilis, do chef Bruno Hoffmann, se apoiou na história e nas pesquisas para conceber o seu menu, que propõe uma miscelânea de ingredientes e pratos conhecidos do público, mas com processos diferentes: “Por isso é necessário muito aprofundamento na história e nos ingredientes, para não diminuir os originais e sim levar as histórias a diante”.
Ainda na cidade de São Paulo, o casal Giovana Perrone e Rodrigo Aguiar, do Casa Rios, propõem um menu focado no Sudeste, uma região que é até um pouco esquecida pelos próprios paulistas, como aponta a dupla, e também a valorização do Terroir, ou seja, dos produtos locais: “O nosso grande foco é uma cozinha brasileira de produto, a gente tem os fornecedores que estão usando o nosso terroir e aplicandas técnicas antigas”, explica Giovanna.
Já em Belo Horizonte, Caio Soter propõe, no Pacato, uma cozinha construída nas bases da culinária mineira, que tem cardápio focado em três pilares: nos vegetais, e nas proteínas animais porco e frango. No restaurante, que tem luz baixa, ele propõe menu à la carte e degustação: “É uma ode a Minas Gerais. Tudo é do estado: a decoração, as louças, eu queria muito poder ter um restaurante que elevasse a cozinha mineira e mostrar que ela não precisa ser aquela cozinha de panelão, que todo mundo ama e é deliciosa, costumo dizer que aqui colocamos uma roupinha de missa”, introduz Soter.
Caos Brasilis
Versatille: Quais são os pontos mais interessantes da culinária brasileira e o que mais te atrai sobre ela?
Bruno Hoffmann: Primeiro de tudo, a versatilidade, e a capacidade de termos ingredientes muito característicos de cada região, e com identidades próprias. Sempre tem uma linha de refogados, que é unânime, mas ao mesmo tempo, existe a grande variedade de regionalidades. Eu sempre gostei muito do único, e o Brasil tem muito disso. A cozinha sulista é muito pouco explorada, se fala muito sobre brasa, mas muitos ingredientes são esquecidos. A gente quer levar um pouco desse todo, da sensação do Brasil total.
V: Como foi a construção do Caos Brasilis?
BH: Antes de abrir o restaunte, quando concebemos a história, eu usei muito as minhas mídias sociais, que tem um alcance legal. Eu me apoiei nisso, em bibliografias e pesquisas, além de trocas com outros chefs, para captar quais são os ícones clássicos da nossa cozinha. Por exemplo, o que a moqueca representa, o feijão tropeiro… Se a gente não souber como o prato nasceu, não conseguimos contar a história que faz jus ao prato original. É um trabalho de muita pesquisa, história e ingrediente, para não denegrir os originais e sim levar as histórias a diante. O tucupi, por exemplo, não é tão difundido quanto poderia ser. Ao usar o ingrediente de maneira inusitada, a gente leva o diálogo para pessoas que não conhecem. O Instagram me ajudou muito, pois me mostrou coisas que eu não conhecia. Me aproximei muito de pequenos produtores, visitei esses lugares, e isso ajudou a estabelecer as bases. Agora, com o restaurante rodando e visibilidade, a gente começa a captar mais fornecedores que também fazem sentido para o nosso projeto.
V: Qual é o seu maior sonho?
BH: Eu sempre tive muita vontade de ter um lugar cujo trabalho que estamos realizando, fosse bom para quem está junto. Eu nunca tive muito ego, sobre prêmios, para mim sempre foi mais uma consequência. A gente quer pessoas reais vindo, experimentando e voltando. Eu quero um negócio saudável para todos e que entregue uma verdade, não apenas conceito, uma comida real que o conceito abrace. Eu quero consolidar conceitos únicos.
V: Qual é a função social da gastronomia?
BH: Acredito que a gastronomia conecta. Eu sempre gostei muito de falar, levar e defender o que eu acredito. Você entrega afeto, cuidado, pois além de lidar com pessoas, é perceptível diferentes perfis de pessoas que funcionam nas cozinhas, pois é um meio agregador. Você consegue levar o afeto e cuidado e isso transparece demais. Eu vejo duas vertentes: uma que abraça os colaboradores e produtores; que dá oportunidades. A gente sempre coloca uma pessoa na pia, com a intenção de subir, e mira na evolução.
Casa Rios
Versatille: Qual é a culinária que o Casa Rios propõe?
Giovanna Perrone: O nosso foco de pesquisa foi muito voltado para o Sudeste, resgatando algumas coisas nossas. Quando a gente fala de cozinha brasileira, é muito de pratos típicos, principalmente oriundos do Norte e Nordeste. O nosso papel é resgatar o que está mais próximo da gente, como os bandeirantes e imigrantes. O foco é uma cozinha brasileira de produto, a gente tem os fornecedores que estão usando o nosso terroir e também técnicas antigas. Usamos o milho criolo, que é feito por processos ancestrais. A produção fica localizada em Minas Gerais, e isso vai muito de encontro com o nosso pensamento. A nossa cozinha evolui com a qualidade de produtos, e a cada dia mais tem produtores, evoluindo. Nossos próprios fornecedores nos apresentam constantemente coisas novas. É também para auxiliar os pequenos produtores, que as vezes tem uma produção mínima.
Rodrigo Aguiar: Temos uma proposta voltada pra história, de pegar os clássicos e tradicionais e trabalhar a partir daí. Outro ponto é o produto, pois quando a gente fala de fazer uma cozinha paulista, não estamos preocupados se por exemplo, a alcachofra é italiana, mas se tem um produtor local bom, já identificamos como um fornecedor brasileiro.
V: Na opinião de vocês, qual o papel social da gastronomia?
GP: A questão de vender a nossa cultura é também ligada a sustentabilidade. Ter um restaurante que tem apenas ingredientes internacionais, o que acontecia muito no passado, e dependem muito de exportação, é zero sustentável. O papel da gastronomia é fundamental e social, pois o que você come molda tudo ao seu redor. A gente tem uma questão muito forte com os vegetais, e é uma forma de reaprender a comer, ser mais vegetal do que carnívoro. O vegetal tem um papel de impressionar e surpreender. Focamos na culinária do Sudeste pois sentimos que os próprios paulistas esquecem de sua culinária local. É muito emocionante estar na ponta da cadeia, pois lidamos com o consumidor final. É ele que queremos influenciar, e também na sua mudança de comportamento. Fazer parte desse momento, dos produtos brasileiros em alta, a gente enxerga isso como uma transição muito positiva.
Pacato
Versatille: Quais são as bases do restaurante?
Caio Soter: A grande questão do Pacato é homenagear, é uma ode a Minas Gerais. Tudo é do estado, a decoração e as louças. Queria muito poder ter um restaurante que elevasse a cozinha mineira. Mostrar que ela não precisa ser aquela cozinha de panelão, que todo mundo ama, mas o que eu costumo dizer é que no Pacato colocamos uma roupinha de missa na comida.
V: Quais são os papéis que a gastronomia pode desempenhar?
CS: Algo que a gastronomia propicia é a questão da empregabilidade e transformação da vida das pessoas. Muitas vezes acontece de a pessoa se tornar um profissional da área, com o aprendizado que ele teve em uma cozinha. Eu tenho uma história muito bacana, que é da mãe de um funcionário, que produz salgados, e após vários ensinamentos ela passou a produzir todos os salgados do O Jardim, que é o meu outro restaurante. E foi uma transformação muito grande, em um ano, hoje tem quatro pessoas que trabalham com ela. Outro ponto é que a área é muito incrível, e tem uma função junto ao público. Nós das cozinhas, estamos um pouco lutando contra a indústria, um papel de educacional sobre o que é bom. A gastronomia desmascara um pouco o que foi nos contado durante a vida. As pessoas passaram a se preocupar com a origem na última década, o que também é positivo.
V: Como são as mudanças de menu no Pacato?
CS: A nossa intenção é ter um trabalho muito fluido em termos de criação, e que realmente possamos usar os produtos que estão em sua melhor forma sazonalmente. A ideia é ter o cardápio mais fluído. Eu não digo mudar 100% do cardápio toda semana, mas trazer pequenas mudanças. As nossas harmonizações mudam toda a semana. Gosto muito de variar os produtores. Eu uso porco de três fornecedores diferentes, e dessa forma, eu vejo que é a maneira de apresentar pro público os produtos diferentes e demonstrar as nuances que os ingredientes fornecem para nós, que também reflete muito o terroir onde foi criado.
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V: O que mais te atrai na culinária brasileira?
CS: Eu falo que eu faço cozinha brasileira, mas sempre quando estamos inseridos em um lugar, temos que usar o que há de local e mais fresco. Eu sou daqui, e quando a gente cozinha, estamos falando de referências pessoais, então não tem como. O Pacato é bem mineiro. Essa é a primeira vez que estou tendo o privilégio de falar que eu faço a culinária mineira, é a primeira vez que não tenho peixe e frutos do mar. no menu Eu me sinto quase que obrigado, como cozinheiro, a valorizar a culinária local. O que me atrai é ter essa correspondência com o que comemos na casa de nossas famílias e a familiaridade com o passado, que faz as pessoas relembrarem algo, mas de forma totalmente diferente. As minhas maiores referências são as receitas tradicionais, pois todo clichê virou clichê por ser muito bom. Outro ponto que acho muito incrível é que as receitas brasileiras não foram criadas por chefs, e sim mulheres, que estavam tentando alimentar suas famílias. E é uma forma de homenageá-las, que vieram antes e construíram as bases para os cozinheiros atuais.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 124 da Versatille