Um dia com André Santin, fundador da agrotech Santan

Acompanhe a rotina do criador da startup que promete revolucionar o mercado de carnes no Brasil

André Santin
(Divulgação)

São 9 horas da manhã. André Santin tomou três ou quatro cafezinhos, abasteceu os porta-malas de dois veículos e, escutando intermináveis áudios de WhatsApp, ruma ao Rosewood. De camiseta e jeans, entra no luxuoso hotel sem aviso prévio. Pede para entregarem isopores de dezenas de quilos na cozinha e, enquanto isso, telefona ao chef executivo do empreendimento.

 

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– Estou tomando um café, vem aqui.

 

A possibilidade de ouvir um “não” nunca passa pela cabeça do empresário, e fato é que, em poucos minutos, Felipe Rodrigues aparece. Mais: escuta atento às descrições de patos, codornas e galinhas caipiras “clandestinos” que desembarcam inadvertidamente em seus domínios.

 

– André, não é assim…

 

– Ué, por quê? É presente, para você ver o que é uma ave boa. Depois a gente conversa.

 

Sem se abalar, volta para o carro. Ia aos Jardins visitar outro chef, Pier Paolo Picchi. À porta do restaurante, prefere “buscar uma carne para ele fazer”. A carne não está em seu apartamento, ali pertinho, nem num açougue das redondezas.

 

Na casa de Dona Nera e seu Chico, produtores de barracão, Santin improvisa um fogo de chão

Na casa de Dona Nera e seu Chico, produtores de barracão, Santin improvisa um fogo de chão (Divulgação)

 

Depois de percorrer quase 15 quilômetros no caótico tráfego paulistano, ele adentra uma câmara frigorífica com a mesma falta de cerimônia com que entrou no hotel mais sofisticado da cidade e sai com uma peça de 30 quilos nos ombros. Afinal, quem diabos é esse cara?

 

Filho de açougueiro, cresceu perto dos pastos, dentro de frigoríficos. Natural de Barracão, cidadezinha no sudoeste do Paraná, na divisa com Santa Catarina e com a Argentina, Santin foi líder estudantil, cursou ciências sociais e fez fortuna com recuperações judiciais. 

 

Hoje, aos 50 anos, ganha fama nos circuitos gastronômicos graças à criação da startup Santan, da Vila Santan (um centro de experiências para chefs de cozinha em Barracão) e da promessa de uma espécie de filial no topo do Mercado Municipal de São Paulo.

 

Falta de qualidade e de conforto: a imagem do Mercadão que deve ser deixada para trás com a Vila Santan paulisana

Falta de qualidade e de conforto: a imagem do Mercadão que deve ser deixada para trás com a Vila Santan paulisana (Divulgação)

 

Enquanto serra as canelas de uma vaca velha para levar “ossobucos perfeitos” ao Picchi, desembucha parte de seus planos mirabolantes: “Investi 15 milhões de reais no Mercadão e sei que recupero. São 15 mil pessoas por dia sem ter um açougue com grelha para degustação, sem um restaurante expondo os melhores insumos dos pequenos produtores rurais do Brasil. Nem ar-condicionado tem! Pode ter certeza de que isso vai mudar”.

 

A expectativa de André Santin não é menor em relação ao que tem nas mãos. Para quem não sabe, uma vaca vive 20 anos sem problema nenhum; porém, ao cruzar a “maturidade” dos 5 anos (ou umas quatro lactações), não raro, é descartada. Pode soar óbvio, mas a longevidade deveria amortizar os custos de vida: mais leite sem o investimento em uma nova matriz. Pouco? Não se o Projeto Vaca Velha da Santan entrar no cálculo.

 

Waygu criado solto

Waygus criados soltos são o novo objeto de desejo de Santin, que por ora, acompanha de perto o crescimento de porcos caipiras no Paraná (Divulgação)

 

Santin troca o “i” pelo “a” quando quer que sua agrotech assuma o protagonismo: “Não só evitamos o abandono do animal como ensinamos o trabalhador rural a valorizar a vaca velha, que vai ter uma carne intensa, que ganha ainda mais com o processo de maturação e que no mínimo vai custar o dobro da vaca mais cara que ele já teve”.

 

Falar de dry aged com os criadores de Barracão não é exatamente simples. Churrasco por lá se faz com carne fresca e o mais avermelhada possível. Deixar a carne “estragando” por semanas em uma câmara seca beira história para boi dormir: “Quando falo que aquela carne escura é melhor porque concentrou sabor e ficou mais macia tem gente pronta para me bater”.

 

Por sorte, o empreendedor está acostumado aos riscos que corre. Pelo menos desde 2018, quando só queria ter o próprio restaurante em Curitiba. Na época, sem achar boas proteínas animais, voltou à cidade natal: “O produtor rural estava ao deus-dará. Foi aí que criamos uma pequena rede e fornecemos leitão, infraestrutura e assistência técnica para assegurar um padrão premium a animais criados soltos, só com alimentação natural”.

 

Resultado? Suínos mais saudáveis, mais saborosos, valor quadruplicado no mercado e produtores felizes. Consequência? Turning point da aventura: em vez de futuro restaurateur, Santin converteu-se em startupeiro. Ou “Robin Hood”, como gosta de se definir.

 

A aposta nos porquinhos vingou, visto que restaurantes premiados como Maní, Picchi, Charco, D.O.M. e Fasano aderiram aos resultados. Firmou assim o nome da Santan e seu primeiro objetivo: comercializar carne de extrema qualidade para a “alta gastronomia” e, por meio de um aplicativo (em desenvolvimento), também ao consumidor final.

 

Já contando com esse “iFood de suínos”, ataca outra pastagem – a de vacas leiteiras: “Olha que carne linda! Vou até o Cór mostrar. Eles vão ficar malucos!”. Boa saída, até porque não dava mais tempo de comer o ossobuco no almoço mesmo, e a casa mais reconhecida por maturação de carnes do país permanecia aberta.

 

Uma peça de 20 quilos a tiracolo serve de cartão de visitas. Guilherme Mora, sócio do peruano Renzo Garibaldi, que assina as maturações do restaurante, é receptivo. Na sequência, explica tudo o que foge a seus padrões: a precisão do corte, o tamanho do porterhouse, a espessura da gordura ao redor… 

 

Quem fica maluco, verdade seja dita, é André Santin. Contrariado, engole um hambúrguer dry aged antes de cancelar reuniões com possíveis investidores para o Mercadão e instalar-se em seu açougue-laboratório: “Eu lá sou cara de ficar ouvindo que preciso de anjo? Tenho tantas ideias, trabalho 18 horas por dia. O problema é que no ano passado liberei recurso demais, mas vai dar certo, tem muita coisa boa acontecendo e gente boa ajudando”.

 

Insistente, revista cada uma das peças, aplica-se nos cortes e, horas depois, respingado de sangue e suor, abastece isopores e sacolas térmicas. A hora do rush não impede que ele cruze a cidade para deixar um pato no Maní. Tampouco o demove de retornar ao Rosewood munido de assados de tira de vaca velha.

 

O alvo dessa vez é Carolina Albuquerque, chef encarregada pelo Taraz, restaurante de Felipe Bronze no complexo. Surpresa com a visita e já enlouquecida com o movimento do jantar, a cozinheira recebe o “presente” e assiste ao “presenteador” aboletar-se no balcão, cara a cara com ela. À primeira brecha, Carol joga a carne na grelha:

 

– Olha, André, é uma carne de muita qualidade, mas não para esse tipo de corte…

 

Nova negativa, nova aula e a confiança inabalável de sempre para nova investida. De regresso ao Cór, o fundador da Santan, André Santin, não se incomoda de esperar Mora ter tempo para avaliar mais uma amostra. Beiram as 23 horas:

 

– Ah, agora, sim. Fico com a peça toda e com uma por mês se você mantiver esse padrão.

 

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Sem esboçar cansaço com os bate e volta, André Santin confessa: “Quando montei a Santan, nem sabia o que era startup. Sei que tenho ideias, que viabilizo recursos, que falo com chefs e acredito que vou melhorar a vida do produtor e tornar carne boa e rastreada acessível a todo o Brasil”. As aves que ocuparam o porta-malas e um projeto de barrigas de aluguel para wagyu estão incluídos nesse cenário. Aos carnívoros de plantão, resta desejar: voe alto, Robin Hood! 

 

Por Fernanda FeneguettiMatéria publicada na edição 125 da Versatille

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