Mostra de Lygia Clark na Pinacoteca está em sua última semana; confira detalhes da exposição

Em cartaz na Pinacoteca, a mostra que conta a história da artista é imperdível para ampliar o olhar perante a arte brasileira

Exposição Neoconcreta, 1959 (Foto: Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark)

Entrar na Pinacoteca, o museu de arte mais antigo de São Paulo, é uma experiência artística por si só: a construção neoclássica com amplas janelas e paredes de tijolos, fundada em 1905, é convidativa. As salas abrigam obras de grandes nomes como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Almeida Júnior e Oscar Pereira.  

 

Confesso que meu lugar favorito é a ponte da entrada, em que posso avistar a Musa Impassível, escultura feita de mármore de carrara pelo artista ítalo-brasileiro Victor Brecheret, que homenageia a poetisa Francisca Júlia. Mas admirá-la não era o objetivo do dia. E enxergar a beleza da musa é fácil para mim. 

 

LEIA MAIS:

 

Meu destino era a mostra Lygia Clark: Projeto para um Planeta, que tem curadoria de Ana Maria Maia e Pollyana Quintella, um tributo a uma das artistas brasileiras mais relevantes do século 20. As sete galerias dedicadas à exposição contam o legado de Lygia para a cena artística contemporânea do país. Com mais de 150 obras, a apresentação do filme O Mundo de Lygia Clark e uma série de ativações que dá vida ao trabalho da artista, a Pinacoteca apresenta uma verdadeira imersão em suas ideias. 

 

Seria presunçoso acreditar que posso analisar a vida inteira de uma artista em poucas palavras, então me atentarei a sua mais célebre série: Bichos (década de 1960). 

 

Ao adentrar na primeira sala da exposição, é possível ver réplicas das obras. Os espectadores podem e recomendo que o façam mexer nas estruturas de metais articuladas para moldar novas formas, criando a própria arte, que logo será modificada por outra pessoa. Na sala ao lado, as verdadeiras espécimes estão expostas, mas longe das mãos do público, como é de se imaginar. 

 

Demorei-me na sala que expunha os verdadeiros bichos articulados de Lygia Clark. Observei as cores do metal, o modo como estavam montados e, por várias vezes, me perguntei: “E se eu pudesse tocá-los?”, desejando sentir o gelado do metal em meus dedos.  

 

Tais obras, expostas em uma sala de museu, podem parecer banais comparadas às grandes pinturas e esculturas que recheiam as galerias tradicionais. Quando se olha de uma forma simplista, vê-se apenas algumas placas de metal que se mexem. O que tem de tão importante nelas para merecerem uma grande exposição em um dos mais importantes museus da cidade?  Para entender, é preciso enxergar além.  

 

No fim da década de 1950 e no início da década de 1960, o concretismo regia as obras brasileiras: linhas duras, formas simples e, o mais importante, a racionalidade. A mineira Lygia Pimentel Lins (1920-1988), mais conhecida como Lygia Clark, junto com o grupo Frente, foi precursora do neoconcretismo, que caminhava na direção oposta: subjetividade, liberdade e efemeridade eram o fio condutor das obras.  

 

Exposição na Pinacoteca (Foto: Levi Fanan)

 

Ao criar a série Bichos, Lygia Clark rompeu com a ideia de que a arte deveria ser apenas contemplada; ela também depende de quem a está manejando. A artista fez uma obra aberta, mas que nem sempre executava o movimento desejado, como qualquer criatura viva. “Também ele [o sujeito] como o Bicho não tem fisionomia estática que o defina. Ele se descobre no efêmero, por oposição a toda espécie de cristalização. […] Sujeito-objeto se identificam essencialmente no ato”, explicou a artista na época. 

 

Retrato de Lygia Clark com um Bicho e sua não obra Máscara Abismo (Foto: Michel Desjardins – Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark)

 

Assim, a manipulação pelas mãos de outra pessoa dá sentido à invenção de Lygia, que humildemente cede seu lugar de Deus da obra e transforma o espectador em seu criador, mesmo que por apenas alguns instantes. A ideia de um trabalho coletivo permeia todas as criações da artista a partir de Bichos. Suas pinturas, suas esculturas e seus projetos, que ela chamava de não arte, contam com o toque e os sentidos do espectador.  

 

Abranger a percepção além do metal é notar como a artista foi revolucionária em sua época, em como ela abriu caminho para que diversos outros artistas pudessem exercer sua sensibilidade e compartilhar as obras com o público das mais diversas formas. Para Lygia, arte era aquilo que poderia ser compartilhado.  

 

Passar a tarde na Pinacoteca e imergir no mundo de Lygia Clark pode ser muito esclarecedor, tanto para a alma como foi para mim quanto para a história da arte brasileira, se você ousar enxergar, e não apenas ver.  

 

Serviço: 

Data: aberta até 4 de agosto de 2024 

Local: Pinacoteca Luz (1º andar) 

Horário de funcionamento: de quarta a segunda, das 10h às 18h. Quintas-feiras com horário estendido, das 10h às 20h (gratuita a partir das 18h)

 

Por Marcella Fonseca | Matéria publicada na edição 134 da Versatille

Para quem pensa em ir para o Japão em busca de uma nova vida, também poderá procurar empregos aqui.