Conheça a trajetória do artista Apolo Torres

O artista visual e muralista deposita suas experiências pessoais, vivências do coletivo e elementos contemporâneos ao criar suas obras

O artista Apolo Torres
O artista Apolo Torres (Paola Vespa)

É de fato raro conhecer alguém chamado Apolo – mas não impossível. Apolo Torres, artista nascido em Diadema, município de São Paulo, atribui o nome exótico (proveniente da mitologia grega, um dos filhos de Zeus) aos pais, que também o incentivaram a adentrar no universo das artes, mesmo com conhecimento prévio. “Eu tive isso de poder sonhar e fazer o que gostava”, explica, logo no começo de nossa conversa. Formado em desenho industrial pelo Mackenzie, aprofundou-se em pintura na School of Visual Arts, em Nova York. Atualmente é representado pela Luis Maluf Galeria de Arte, e apresentou no último ano sua segunda exposição individual em solo brasileiro, batizada de Um Dia Antes, resultado de uma produção em plena pandemia – série que compreende a obra de capa desta edição.  

 

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Confira, na sequência, a conversa na íntegra.

 

Versatille: Como começou a atuar no mercado de artes? 

Apolo Torres: Eu tive uma banda, e gostava muito da parte de design, diagramação. Isso aconteceu antes de decidir cursar desenho industrial. Eu experimentei muita coisa naquele momento, de testar, e desenvolvi um pensamento gráfico, de forma totalmente autodidata. Depois, passei a pintar mural por conta, no meu bairro, em lugares na rua, quadras, entrei na onda de fazer grafite e fui aprendendo um pouco a desenhar proporções maiores. Eu experimentava um pouco, só que ainda pequenas, algumas coisas mais realistas, que tecnicamente não eram perfeitas, mas já tinha um caminho. No muro, comecei em um preto e branco, muito mais ilustrado. Tinha outras coisas que precisava resolver antes, de ampliar, e por isso eram desenhos mais simples. Aos poucos, fui conseguindo juntar os elementos, comecei a pintar melhor, e meu trabalho de tela começou a convergir. Os meus primeiros trabalhos não tinham muito da linguagem de hoje. 

 

Obra no muro de Apolo Torres

Obra de Apolo Torres (Paola Vespa)

 

V: Como é executar um mural? 

AT: Eu costumo desenhar no computador, algumas vezes até faço um rascunho no papel, alguma ideia, e aí vou atrás de uma fotografia, ou até mesmo faço a foto, e, se é algo mais difícil, olho em banco de imagens. A partir daí, faço uma mistura, no Photoshop, misturo com pintura digital. O programa é bom pois dá para testar cor, tamanho. Como está separado em camada, eu consigo ver melhor os testes. Eu sempre gostei do pincel, que tem outras possibilidades além do spray, então é a forma que me encontrei.  

 

 

V: De onde vem sua inspiração? 

AT: O meu fio condutor, o que faço, está mais focado nas minhas vivências e no que estava passando no momento, assim como na sociedade. Cada uma das minhas séries é um conjunto do que estava se passando no mundo em determinado período, e também na minha vida, e vai saindo. Às vezes é algo mais surreal, outras é mais uma cena concreta, que se passaria em uma cidade, ou o que quer que seja. São várias formas de expressar algo. A última exposição que fiz foi com as obras que realizei durante a pandemia, um momento em que estava sozinho, sem o contato com os outros. Passei a pintar algumas cenas, que aparentemente são meio aleatórias, bem cotidianas, mas o que amarra todas elas é uma coisa meio nostálgica minha, do momento antes de começar a pandemia. Estava todo mundo vivendo a vida, normalmente, e era uma coisa que ninguém estava pensando muito. A gente estava vivendo de uma forma desavisada, como se o amanhã fosse ser tudo igual. E, de repente, não foi. A exposição virou isso, muitas cenas bem realistas, eu fui tentando dar conta de falar da cidade de São Paulo de maneira abrangente, várias cenas de diversas regiões, mas o sentimento é esse, como se todas estivessem se passando no mesmo dia.

 

Apolo Torres

Apolo Torres (Paola Vespa)

 

 

V: O que está produzindo atualmente? 

AT: Então, eu não sei bem explicar. Meu processo não é muito consciente, eu começo pintando coisas que vão me dando na telha. Depois que tenho uma, duas ou três telas, começo a ver que tem coisas que se conectam, um fio, e isso vai virando um conceito. O que vem vindo depois chega para acrescentar e terminar de contar essa história. Eu tento trabalhar de uma forma mais intuitiva; planejar demais não funciona para mim. Acho incrível quem faz isso, mas tenho uma dificuldade. Eu vou fazendo e, na sequência, descubro o que estou sentindo. É um processo de autodescoberta: mais do que ter uma coisa importante que quero falar, surge a partir de descobrir o que estou fazendo, e então passa a ser uma narrativa que preciso construir. 

 

 

Obra no muro de Apolo Torres

Obra de Apolo Torres (Paola Vespa)

 

 

V: Qual é o papel do artista? 

AT: É a responsabilidade grande de registrar o tempo que a gente vive, e isso vem de várias formas. Sobre a profissão, tem alguns artistas que são superpolitizados e já têm definido o que precisam falar sobre a sociedade. Tem aqueles que são mais autorais, e falam de si mesmos, ou até mais abstratos. Mas, invariavelmente, quando você olha a produção artística de um tempo, ela tem um Zeitgeist, se conecta de alguma forma, apesar de se apresentar de maneira distinta. Quando você olha com certo distanciamento, fica mais claro. Eu acho que esse é um papel muito importante. O jornalismo faz isso de outro jeito, cada um conta uma narrativa de forma diferente, e, juntando as partes, vira uma história. A arte tem uma função parecida, de contar a história do que as pessoas estão vivendo, mas ela atribui uma carga emocional que talvez, no jornalismo, é mais difícil de ter. É claro que não existe imparcialidade, mas é um pouco mais distanciado. É uma visão de primeira pessoa. Tem essa importância de um registro do tempo, que perdura, é algo que fica na história.  

 

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V: O que você sonha conquistar? 

AT: Gostaria de não pegar projetos puramente comerciais, encomendados, pois são difíceis, não dá para prever como será a relação com a pessoa antes de a conversa e o trabalho começarem. Seria bom se todos os que me convidassem me dessem a liberdade que tenho nas minhas telas. Em termos de ambição profissional, gostaria de me envolver mais em uma coisa institucional, de museu, em que não tenho tanta inserção. Em termos de arte pública, sou bem conhecido, é a coisa principal que faço, mas acho que meu trabalho de pintura e galeria ainda está restrito a esse universo, de colecionadores particulares. Museu é algo de longo prazo, de criar algo que perdure. 

 

Por Giulianna Iodice e fotos Paola Vespa | Matéria publicada na edição 124 da Versatille

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