Como é gerenciar o centenário Copacabana Palace: Ulisses Marreiros conta detalhes
De nacionalidade portuguesa, o hoteleiro assumiu as rédeas do hotel em meio à pandemia de covid-19. Agora, assume também o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu
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Um encontro às cegas. É assim que o hoteleiro Ulisses Marreiros define seu primeiro contato com o Brasil, em 2021. Naquele ano, o português nascido em Algarve aceitou o convite para gerenciar o atualmente centenário Copacabana Palace, mas nunca tinha pisado no Rio de Janeiro antes. “Eu só conhecia o Brasil pelo Nordeste e ouvia falar bem do Rio de Janeiro. Então, foi um encontro às cegas.” Não pensou duas vezes: “O Copacabana Palace, acima de ser um hotel, é uma instituição que projeta a imagem do Rio de Janeiro como destino turístico. É um dos grandes cartões-postais do Brasil e um objeto de desejo para muitos hoteleiros. Tenho colegas que sonham em trabalhar aqui. Felizmente, tive essa oportunidade”, conta. A aterrissagem, na verdade, aconteceu nos últimos dias de 2020, às vésperas do Réveillon, o principal evento da cidade e do hotel, mas a primeira virada de ano em meio à pandemia de covid-19. Àquela altura, havia certa abertura para eventos, mas ainda com muitas restrições. “Foi um grande desafio. O hotel tinha estado fechado durante quatro meses e reabriu em agosto, funcionando. Graças aos nossos queridos clientes brasileiros, conseguimos operar o hotel sempre com uma ocupação razoável, mas foi realmente desafiador”, lembra.
A partir de janeiro de 2021, o mercado internacional voltou a fechar, mas o Copacabana Palace continuou ocupado. Os clientes, naquele momento de segunda onda de covid-19, eram os próprios cariocas, que se hospedaram no hotel para passar alguns dias fora de casa, sem renunciar ao isolamento. Em meio às dificuldades, o match entre o novo gerente do Copacabana Palace e os turistas brasileiros foi imediato. Falar a mesma língua ajudou, ele acredita. “Eu era bem chato com todas as regras e restrições, especialmente a utilização de máscara, tanto com a equipe quanto com os clientes”, lembra. “Mas o que mais achei interessante foi a positividade aqui dos cariocas. Eu vim de uma Europa que estava muito deprimida com a pandemia, com tudo fechado, mas aqui havia um espírito de esperança de que as coisas iam melhorar. Isso me impactou muito positivamente.”
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“A possibilidade de interagir com pessoas de diferentes nacionalidades sem sair do lugar” foi um dos maiores atrativos que levaram Ulisses Marreiros a seguir na hotelaria. Ele não vem de uma família ligada à área, que surgiu como opção de carreira, por influência de um amigo, enquanto ele estudava educação física. Em sua formação, passou por praticamente todos os postos do setor: foi garçom e concierge e trabalhou com reservas, por exemplo.
Isso fez com que ele conhecesse o funcionamento de toda a operação de grandes hotéis, aprendesse a resolver problemas em todas essas funções e, em suas palavras, desenvolvesse empatia com os desafios de todos os níveis hierárquicos de um hotel – habilidade fundamental, considerando que hoje ele está à frente de um que opera com 600 funcionários fixos, número que aumenta a depender da demanda durante grandes eventos. Desde 2008, quando começou a trabalhar no Belmond, empresa que lidera o setor de turismo de luxo pelo mundo, já passou por outros dois grandes hotéis: o Reid’s Palace, na cidade portuguesa de Funchal, e o La Residencia, em Maiorca, na Espanha. Na Europa, se encantou com os turistas brasileiros, sem imaginar que o país seria seu próximo destino. “O cliente brasileiro está no ranking dos que mais gostávamos de receber, pelo menos nos hotéis em que eu trabalhei. Tenho que dizer: 99% são excelentes hóspedes. Dá gosto servi-los.”
Em 2024, após três anos no comando do Copacabana Palace, foi promovido a area managing director, posto que abarca a gerência do Copa, mas alarga as funções à propriedade dentro do parque das Cataratas, o único cinco-estrelas da cidade. Em 2023, foi eleito o melhor da América do Sul pelo sexto ano consecutivo.
Em entrevista concedida à Versatille, Ulisses Marreiros diz que sua prioridade segue sendo a gerência do Copacabana Palace e que viaja a Foz do Iguaçu a cada dois meses, em média. Conta, ainda, que essa administração a distância só é possível graças ao trabalho de Renata Portes, gerente do Hotel das Cataratas, que trabalhou com Marreiros no Rio de Janeiro e assumiu o posto no fim de 2022.
Tradição
O Copacabana Palace completou um século de vida no ano passado, 2023, e é tombado por três esferas do Patrimônio Histórico brasileiro, uma forma institucional de proteger o prédio de 239 quartos. Dezenas de histórias curiosas rondam o Copa, que já recebeu hóspedes como Albert Einstein, Madonna, rainha Elizabeth II e rei Charles III. Mas, para o area managing director, o que torna o Copacabana Palace um ícone da hotelaria é menos o prédio em si e mais a dinâmica do lugar – os clientes, os funcionários e a relação com a cidade do Rio em torno do hotel. “Sempre penso na responsabilidade que nós temos enquanto passamos por aqui, não só de gerir e fazer com que este negócio floresça, mas de manter e cuidar desse patrimônio vivo do Rio de Janeiro e do Brasil.”
Questionado sobre como manter uma instituição centenária inovadora, alinhada à passagem do tempo, sem perder a essência, o hoteleiro responde que é preciso “honrar o passado, mas inspirar o futuro”. E essas três forças – passado, presente e futuro – só vivem em equilíbrio graças à equipe do Copa, acredita Marreiros. “Temos a cultura de aproveitar os estagiários – eu mesmo fui estagiário no Belmond, há muitos anos”, lembra. “É uma responsabilidade enorme manter e cuidar desse patrimônio. E esse sangue novo trabalhando junto com pessoas que estão aqui há 30 ou 40 anos faz uma mistura muito boa entre inovação e tradição, capaz de perpetuar o Copacabana Palace por muito mais do que 100 anos.”
Algumas reportagens sobre Ulisses Marreiros afirmam que ele e sua família – a esposa e os dois filhos adolescentes, que vieram com ele em 2021 – vivem dentro do Copacabana Palace. A informação não é exatamente verdadeira, mas também não é de todo mentirosa. A família vive em um apartamento que fica na Avenida Atlântica, no mesmo número do Copacabana Palace. Ou seja, eles vivem no complexo do hotel, mas numa residência separada. “É uma vida normal, como uma família normal, não é uma coisa de série, cheia de mordomias, como as pessoas podem pensar”, diz. “Temos cozinha, carro na garagem e entrada independente do hotel. Eu nunca frequentei a piscina do Copa, por exemplo, e minha mulher também não. Mas, uma vez que é o mesmo prédio, posso dizer que moramos aqui no Copacabana Palace. E isso, por si só, já é uma grande mordomia.”
Por Mariana Gonzalez | Matéria publicada na edição 137 da Versatille