Chefão dos grandes chefs: Restaurateur Marcelo Fernandes
Dono de cinco restaurantes de sucesso, dos quais três estrelados pelo Guia Michelin, o empresário gastronômico Marcelo Fernandes prepara-se para lançar mais duas novas casas, ampliando, assim, a dinastia iniciada há menos de duas décadas De
Dono de cinco restaurantes de sucesso, dos quais três estrelados pelo Guia Michelin, o empresário gastronômico Marcelo Fernandes prepara-se para lançar mais duas novas casas, ampliando, assim, a dinastia iniciada há menos de duas décadas
De fala e gestos discretos e tranquilos, ele é dono de alguns dos melhores restaurantes de São Paulo e do país. Formado em Administração de Empresas, começou como office boy na empresa de contabilidade do pai aos meros 14 anos por tirar notas baixas no colégio. Hoje, aos 48 de idade, o restaurateur Marcelo Fernandes, conhecido por se tornar chefão e sócio de chefs de cozinha que acabaram se tornando grife, caso de Alex Atala, colega de classe no Colégio Regina Mundi, no bairro do Sacomã, e de Tsuyoshi Murakami, do qual era cliente na Liberdade, transformou-se em referência no mundo da gastronomia por causa do “sexto sentido” em garimpar cozinheiros de talento desconhecidos mas promissores, e emplacar projetos gastronômicos ousados e ambiciosos.
Essa invejável visão para os negócios, além de grande dose de inquietação e obstinação pela qualidade, contribuiu, em boa medida, para que se tornasse um dos mais importantes empresários da restauração brasileira. Fernandes ajudou, por exemplo, a criar o D.O.M., classificado como o melhor restaurante do país e o nono do mundo pela revista Restaurant. Na lista de negócios bem-sucedidos, cuja trajetória foi construída em menos de duas décadas, figuram os premiados Kinoshita, de cozinha japonesa, o espanhol Clos de Tapas e o italiano Attimo, trio estrelado pela versão brasileira do Guia Michelin, além do Mercearia do Francês, de cozinha franco-brasileira.
Empreendedor exigente, faz questão de acompanhar de perto o movimento das cinco casas. Almoça e janta cada dia em um desses restaurantes. E, não raro, faz a mesma refeição duas vezes ao dia. A jornada tem início logo às 6 horas da manhã.
Na maior parte da semana, chega a trabalhar não menos que 14 horas. Mas o sucesso de suas casas, costuma repetir como um mantra, repousa em três pilares: “A excelência de serviço, ambiente confortável e comida excepcional”, resume.
Atualmente, Marcelo Fernandes dirige uma equipe de cerca de 150 funcionários nos cinco restaurantes. Incansável e determinado, ele tem planos de expandir os negócios mesmo nestes tempos bicudos. No começo deste mês pretende abrir, na mesma rua onde funciona o Attimo, na arborizada e elegante Vila Nova Conceição, a hamburgueria premium Tradi. E, para 2016, a sétima casa, um projeto por enquanto envolto em segredo mas que ampliará ainda mais o prestígio e a emergente dinastia de restaurantes que comanda. Confira a seguir, nesta e nas próximas páginas, essas novidades e os melhores momentos desse bate-papo.
VERSATILLE — Você começou no ramo da restauração nos anos 1990 com um certo Milad, mais conhecido como Alex Atala, amigo de colégio. Quer dizer, então, que amizades e negó-cios dão liga e geram ótimas parcerias?
MARCELO FERNANDES — Sim, no meu caso deu muito certo, concordo. Além de grande amigo, o Alex foi para mim um “parceiraço”, um verdadeiro professor, teve muita paciência comigo (sorri). Aprendi muito com ele, a valorizar a qualidade, trabalhar em equipe e dando, sempre, o melhor para atingir nível de excelência. O D.O.M. foi uma grande escola, um sucesso, que hoje é referência internacional, o que me proporcionou seguir adiante no segmento e com foco bem definido para abrir minhas outras casas.
VERSATILLE — E o que você fazia antes? Já havia esse perfil de empreendedor e de gestor perfeccionista?
MARCELO — Comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos, daí meu tino para os negócios. Tive uma formação rígida da parte do meu pai, dono de um escritório de contabilidade e advocacia e não dava mole para filho nenhum. Como não gostava muito de estudar, ele me levou para a empresa, onde comecei como office boy. Depois trabalhei em banco, e, logo aos 16, abri o meu próprio escritório de despachante, a seguir, uma empresa de produtos descartáveis de higiene. Em seguida, fui representante de uma multinacional. Minha vida mudou totalmente quando encontrei casualmente o Alex e ele me convidou para ser sócio de uma nova casa que ele iria abrir: o D.O.M. Isso foi em 1999. Topei na hora, claro. Bem, o restante da história todo mundo já conhece.
VERSATILLE — Tanto Atala quanto o D.O.M., do qual você foi sócio, desfrutam hoje de prestígio e fama mundiais. Qual o sentimento em relação a esse sucesso?
MARCELO — O sentimento, claro, é de muito orgulho e satisfação, não só pelo resultado mas por ter participado diretamente de todo o processo de crescimento e evolução da casa, dos profissionais e da própria gastronomia brasileira. Hoje, o D.O.M. representa uma referência de excelência que levou o Brasil ao topo da gastronomia mundial. Poder contar com esse reconhecimento é ótimo.
VERSATILLE — E como você vê a evolução do mercado gastronômico paulista e brasileiro nas últimas duas décadas?
MARCELO — É inegável que houve uma enorme evolução do setor, não só dos profissionais mas dos próprios clientes, que se tornaram cada vez mais exigentes e conhecedores da boa mesa. Hoje, temos dezenas de restaurantes de nível internacional. Mas tivemos que superar — e superamos — uma série de barreiras e percalços ao longo deste tempo. A proibição aos fumantes, a Lei Seca, a insegurança dos arrastões. Tudo isso poderia ter se tornado um grande desastre para o segmento. Mas, ao contrário, nos tornamos cada vez mais fortes, dando provas da nossa capacidade de adaptação e buscando manter sempre um alto nível de qualidade.
VERSATILLE — Hoje, você comanda cinco restaurantes que também são sucesso de público e crítica. Quando começa o sucesso de uma casa e qual o segredo para mantê-lo ao longo do tempo?
MARCELO — O sucesso das minhas casas está baseado em três pilares: excelência de serviço, ambiente confortável e comida excepcional. Parece simples e lógico, mas não é, haja vista o grande número de restaurantes que abrem e fecham a todo instante. Independentemente se a cozinha é italiana, francesa ou espanhola, essa estratégia empresarial vale para todas. E, ao contrário de ter filiais de um único restaurante, apostei na diversidade culinária, tendo os mesmos princípios de qualidade. Essa decisão empresarial é um projeto de vida de longo prazo, para que meus filhos deem continuidade no futuro.
VERSATILLE — Você tem uma trajetória empresarial vitoriosa. Várias vezes foi eleito restaurateur do ano pela imprensa especializada. Qual sua rotina de trabalho e o que é mais importante: transpiração ou talento?
MARCELO — É preciso ter vocação e talento, claro, mas trabalhar duro é fundamental nesse negócio. É bem desgastante, porém, muito recompensador e estimulante, pois é um aprendizado constante. Me energizo fazendo o que eu faço. Trabalho em média umas 14 horas. Meus dias começam muito cedo, por volta das seis da manhã. Levo meus filhos para a escola e sigo direto para o escritório. Ao longo do dia, percorro cada um dos restaurantes, almoço em um, janto no outro, e fico atento a tudo. Ou seja, trabalhar nisso significa ter horário para chegar mas não ter hora para sair. Amo o que eu faço, que é empreender, trazer coisas novas, realizar projetos que ninguém pensou em fazer. Ou seja, procuro sempre estar fora da zona de conforto. E tenho como princípio ter poucos mas bons parceiros — e que são para sempre.
VERSATILLE — Sua trajetória está associada a chefs de talento que acabaram se tornando grandes referências, caso do próprio Atala e do Murakami. Quais predicados em comum, apresentados por ambos, que, na sua opinião, deveriam ser reproduzidos pelas novas gera-ções de cozinheiros?
MARCELO — Os dois são mestres e hoje se têm tal status é pelo talento que sempre tiveram. Mas destaco, sobretudo, o trabalho árduo e a extrema dedicação que até hoje demonstram no dia a dia. Ambos se comprometeram durante muitos anos e vivem em constante busca de aprimoramento — e isso leva a um patamar de excelência. Muitos cozinheiros jovens sonham com isso, claro, mas, para chegar lá, é preciso um envolvimento muito alto, é um processo que não acontece da noite para o dia. A jornada é longa e é preciso muita ralação, não só na cozinha mas em horas de estudos, pesquisa, para chegar em um lugar mais alto e alcançar o reconhecimento.
VERSATILLE — Hoje, com a superexposição dos chefs, o maître e o serviço de salão acabam sendo meros coadjuvantes. Qual a importância desses profissionais para o sucesso de uma casa?
MARCELO — Enorme, já que prezo demais, nas minhas casas, pelo atendimento e pela hospitalidade. O garçom é tão importante quanto o chef ou outro profissional da equipe. Não adianta oferecer uma comida excepcional se não for à mesa no tempo certo e chegar fria, concorda? Deve haver uma fina sintonia e sincronia entre a cozinha e o salão, senão o trabalho de um grande chef, por exemplo, cai por terra. Isso se aplica a todo o time, desde o vallet do estacionamento. O manobrista deve sentir o “calor” de um atendimento diferenciado. Incentivo muito isso nos profissionais que trabalham comigo. Para nossos clientes, a boa experiência em restauração deve ser completa.
VERSATILLE — Você tem por hábito comer nos seus próprios restaurantes. Gosta de ir a outros restaurantes? E, em casa, já se arriscou a cozinhar? O que costuma comer com a esposa e os filhos?
MARCELO — Adoro cozinhar, mas meu tempo é muito curto. Trabalho nos finais de semana, inclusive. Saio muito pouco e é raro comer em outros restaurantes. É um erro meu. Meus colegas e amigos me chamam e acabo não indo, na maioria das vezes, em razão do trabalho ou para ficar com meus filhos. Mas gosto muito de ficar em casa para comer uma comidinha caseira, um jantar tranquilo num domingo à noite. A gente sente falta já que sou obrigado a comer fora todo dia.
VERSATILLE — Você é um apreciador de uísques e vinho. Quais são seus produtores e as regiões preferidas?
MARCELO — Gosto bastante de champanhe, seja da região, seja do vinho. Adoro produtores como Dom Pérignon, VeuveClicquot, Krug. Em matéria de vinhos, também sou fã dos vinhos da região espanhola do Priorato e dos vinhos laranjas do produtor italiano Josko Gravne [por definição, esses vinhos são brancos produzidos de forma semelhante a um tinto — ou seja, o suco da uva fica em contato com as cascas por bastante tempo. É esse contato, maior ou menor, que dá cor aos vinhos — a cor é extraída da casca]. E também gosto de um single malte de estirpe ou bom blended, como o Blue Label. Também estou na fase de curtir esse scotch uísque com água Panna (italiana), bem gelada. É uma experiência incrível que descobri, há pouco, na Itália, e recomendo.
VERSATILLE —Você viaja com frequência para o exterior a fim de pesquisar, atualizar-se e ter boas ideias e inspiração para seus projetos?
MARCELO — Sim, é uma necessidade gostosa. Faço isso de três a quatro vezes por ano e mais umas cinco pelo Brasil. Voltei há pouco de uma viagem dessas pela França e Itália. Foi memorável! Tive o privilégio de visitar maisons como a Krug, Veuve Clicquot e Ruinart [estas duas últimas pertencem ao grupo MoëtHenessy], e participar de degustações incríveis. Na Itália, conheci as instalações da água Panna, e participei, também, da caça ao tartufo bianco, na região de Alba, com os cachorros da raça Lazotto, treinados para fazer isso. Ao lado dos prêmios e do reconhecimento por parte dos clientes e da imprensa pelo nosso trabalho, esse tipo de experiência, eo fato de poder passar tal conhecimento para o meu time, é extremamente renovador, recompensador, dá um enorme prazer. Me sinto privilegiado.
VERSATILLE — Com a economia patinando, quais os desafios para se manter a qualidade de um restaurante de alta cozinha?
MARCELO — Quem trabalha no segmento de gastronomia sabe que os desafios são grandes. Mas, independentemente do momento, acredito que não se deva nunca abrir mão da qualidade. Talvez seja hora de ficar atento aos desperdícios e rever processos operacionais. O que nosso grupo tem feito são boas parcerias, trabalhando com a sazonalidade e potencializando o uso de alguns produtos, porém, sem perder, repito, a qualidade do serviço, e, principal, do que vai à mesa. Tudo isso nos leva a ter consciência de uma nova dinâmica, com toda a equipe mais comprometida e dedicada a alcançar esses objetivos. Acredito que seja uma questão de tempo para que a economia entre novamente nos eixos. Por termos vivido outras crises no passado, sinto que o empresário, e o brasileiro, no geral, está mais preparado para enfrentar as dificuldades. Já provamos que somos um povo vencedor que não tem medo de trabalho. Nos resta, agora, recuperarmos a autoestima. Sou um otimista incorrigível e creio que daqui para frente as coisas vão melhorar.
VERSATILLE — E, de todos os seus restaurantes, qual é o que lhe dá maior satisfação? A propósito: quais serão seus próximos projetos?
MARCELO — Todos me dão enorme prazer e retorno profissional, financeiro e pessoal. Mas igual a um filho, o mais novo merece uma atenção e energia maiores, para que possam atingir um nível de excelência e regularidade, e assim manter um padrão sempre alto. Desse modo, o Attimo, por ser o caçula, exige um pouco mais do meu tempo e energia. Mas, logo mais, passarei a entrar de cabeça e toda paixão nos meus dois novos projetos. Anote aí, pois estou dando em primeira mão essa informação para os leitores da Versatille: inauguraremos no dia 10 de dezembro uma hamburgueria premium — a Tradi [abreviatura de tradição] —, que funcionará na mesma rua do Attimo, na Vila Nova Conceição. E, em 2016, abriremos a nossa sétima casa, cujos detalhes ainda não posso revelar por questões estratégicas, mas que tem tudo para ser outro grande sucesso gastronômico.
Entrevista por Marco Merguizzo | Matéria publicada na edição 88 da Revista Versatille