Conheça a história do Theatro Municipal de São Paulo
Se por fora o espaço cultural já impressiona, a organização interna para conservá-lo, bem como sua relevância histórica para o Brasil, é ainda mais admirável
Há pouco mais de um século, especificamente em 12 de setembro de 1911, foi inaugurado, com a ópera Hamlet, de Ambrósio Thomas, o icônico Theatro Municipal de São Paulo. Emblemático não só por sua imponente arquitetura, o espaço cultural localizado na Praça Ramos de Azevedo foi sede das mais belas performances artísticas e acontecimentos políticos de extrema relevância para o Brasil. O tenor Enrico Caruso, os bailarinos Vaslav Nijinsky e Isadora Duncan, a soprano Maria Callas, a intérprete Bidu Sayão, o trompetista Miles Davis e os cantores Ella Fitzgerald, Lawrence Winters, Elza Soares, Milton Nascimento e até Emicida são apenas alguns dos nomes que já se apresentaram em emocionantes óperas, balés, concertos e peças ao longo dessas 11 décadas de existência do local.
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Em meio ao desenvolvimento da indústria e do comércio cafeeiro, o Theatro refletia a atmosfera de crescimento da cidade, que se espelhava nos grandes centros culturais do mundo naquele início de século. Nesse contexto, o espaço exibia impressões artísticas vindas da Europa, principalmente para a elite. Onze anos após sua fundação, abrigou um evento que transformou a realidade cultural brasileira: a Semana de Arte Moderna de 1922, que contou com a presença de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfati e Villa-Lobos.
Tal marco deu sequência a uma série de atos que se sucederam no interior e nos arredores do Theatro, que compõe sua relevância indiscutível. Anita de Souza Lazarim, integrante do Núcleo de Acervo e Pesquisa, cita, entre os marcos, o Congresso Nacional dos Escritores, em janeiro de 1945, com grandes intelectuais contrários à falta de liberdade de expressão imposta pelo Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas; e o nascimento do Movimento Negro Unificado (MNU), durante a ditadura militar, em 1978, que teve as escadarias como cenário.
Em 1981, na celebração dos 70 anos do Theatro Municipal, aconteceu, em nível estadual, o tombamento do edifício pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) – ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, por meio de leis, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e afetivo para a população. Em 1992, ele foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, e, em 2014, na esfera federal, pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Conservação
A preservação de registros, documentos e até do ambiente físico é essencial para constatar fatos de uma trajetória cultural. No Theatro, há um processo cauteloso a fim de manter o espaço e sua história sempre vivos. A gestão dos acervos é realizada pela Gerência de Formação, Acervo e Memória, por meio do Núcleo de Acervo e Pesquisa, organizado em dois eixos de ação: tratamento documental e difusão. Segundo Anita, tais pilares se conectam em de quatro áreas prioritárias: arquivo, conservação, documentação e pesquisa. “A conservação implementa e executa as políticas de gestão dos acervos no que concerne aos métodos de conservação preventiva e restauração de diferentes suportes documentais, garantindo a salvaguarda física das peças”, diz.
A parte de documentação é feita pelo desenvolvimento de rotinas de gestão dos acervos, e a de arquivo, por sua vez, pela organização dos documentos históricos e institucionais, de modo a classificá-los e estabelecer sua destinação para possibilitar seu acesso. Já o setor de pesquisa, como explica a especialista, “aprofunda a compreensão do acervo, registrando de forma qualificada a sua história e memória, produzindo instrumentos de pesquisas e análises originais com o objetivo de atender a demandas não só da própria instituição, mas também de toda a sociedade, qualificando e ampliando diálogos com o público”.
Arquitetura
Segundo Anita, a estrutura do Theatro Municipal de São Paulo, projetada e construída pelo escritório Ramos de Azevedo, segue um padrão apresentado pelo arquiteto francês Charles Garnier, no livro Le Théâtre, publicado em 1871, em que estabelece uma série de princípios sobre a construção de teatros de ópera considerados cosmopolitas, como uma espécie de “manual de recomendações”.
“A divisão de compartimentos internos que são visíveis na volumetria da parte externa do prédio é um exemplo disso. Dessa forma, a ala nobre estaria representada na área da fachada frontal do teatro. A área central envolve a cúpula e a sala de espetáculos. E, por fim, a caixa cênica é representada externamente pelo telhado de duas águas que corresponde à área do palco e dos camarins”, descreve.
Apesar dessas semelhanças com a Ópera de Paris, Anita ressalta que o Municipal paulistano apresenta peculiaridades que o diferenciam de outros teatros do Brasil e do mundo. Ela cita a presença simultânea de mármores europeus e materiais com características regionais, por exemplo as pedrarias de Itaquera e Sorocaba, como um desses elementos diferenciadores. Outro destaque é o conjunto monumental de pinturas do salão nobre, assinado por Oscar Pereira da Silva.
Mudanças estruturais
A pesquisadora aponta três grandes reformas pelas quais passou o Theatro Municipal de São Paulo ao longo dessas 11 décadas. A primeira, conduzida pelo arquiteto Tito Pistorezzi, ocorreu no período entre 1952 e 1955, em meio aos preparativos para a comemoração do aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo. A melhoria da acústica da sala de espetáculos e de seus pontos de baixa visão, o remanejamento das poltronas da plateia, a reorganização dos camarins, bem como a instalação de cinco elevadores, foram algumas alterações feitas nesse processo inicial.
A segunda renovação aconteceu de 1985 a 1991, na ocasião em que o Theatro completou 80 anos de existência. Entre as mudanças, foram restaurados diversos elementos decorativos internos e externos; apresentada uma nova estrutura metálica de sustentação do telhado do salão nobre; recuperado o lustre central da sala de espetáculos; atualizados os recursos cênicos do palco; criadas salas de ensaios em espaços subutilizados; reformulados os camarins; e houve ainda alteração cromática para o verde.
A terceira e última reforma geral foi realizada na celebração do 100º aniversário do espaço, em 2011. A fachada, o salão nobre, o palco, as salas de apoio e o Café do Theatro receberam restauração total nas pinturas, de modo a recuperar a vivacidade e características da época da inauguração, em 1911. Houve também a atualização tecnológica do palco, alteração cromática para o vermelho, disposição de assentos acessíveis para obesos e cadeirantes na sala de espetáculos e a inclusão de duas peças decorativas confeccionadas pelos Irmãos Campana.
Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 129 da Versatille