Multiplicam-se séries e documentários sobre empreendedores golpistas reais

Inventando Anna, The Dropout , A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício e Fyre Festival – O Fiasco no Caribe são alguns dos sucessos do gênero

Backstage de Inventando Anna, uma das séries de golpistas
Backstage da série Inventando Anna (Divulgação)

Aqueles que navegaram por plataformas de streaming nos últimos meses devem ter percebido que surgiu uma nova moda de entretenimento: a de histórias sobre golpistas. Seja em documentários, seja em interpretações baseadas em fatos reais – como nas séries – há algo sobre as narrativas que, simplesmente, fascinam o público. O formato em si, é claro, existe há quase tanto tempo quanto a televisão e o cinema. No entanto, a forma de consumo dos conteúdos, assim como a proporção que eles tomaram, é de fato surpreendente. 

 

LEIA MAIS:

 

Mesmo que você não tenha assistido às séries e aos documentários, certamente recebeu memes e vídeos com imitações do suposto Simon Leviev e de Anna Delvey. Os filmes e séries são devorados e, logo que vão ao ar nas plataformas de streaming, rapidamente entram no zeitgeist por piadas, comentários e comparações.  

 

No entanto, a tendência em questão não surgiu da noite para o dia. Muito se deu pelos podcasts, que foram os primeiros a conquistar um público aficionado por essas histórias, com uma riqueza de detalhes que antes apenas era possível apresentar em livros. Por não ter obrigações com espaço nem tempo para contar as narrativas, os podcasts puderam explorar cada um desses casos com investigações, pesquisas e entrevistas exclusivas com os envolvidos nos relatos. 

 

Cenas do documentário Fyre Festival – O Fiasco no Caribe

Cenas do documentário Fyre Festival – O Fiasco no Caribe (Divulgação)

 

Mas, para o vício realmente pegar de jeito o grande público, o formato precisava ser mais acessível. Foi então que em 2019 a Netflix lançou o documentário de sucesso Fyre Festival O Fiasco no Caribe, sobre o caótico festival de música em 2017 que levou o “empreendedor-golpista” Billy McFarland à falência, à prisão e à boca do povo. Tamanho foi o impacto do filme que até começaram a vender produtos de merchandising do festival. 

 

Pouco tempo depois, também em 2019, foi lançado o documentário A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício (HBO Max), sobre Elizabeth Holmes, a quase-próxima Steve Jobs que criou a empresa Theranos, um sistema de testes de sangue em que apenas uma gota era necessária. Ideia excelente, se não fosse por inúmeras pesquisas científicas que comprovaram que o sistema não funcionava, o que a levou a tomar uma decisão criminosa e antiética: alterar os resultados dos testes. Seu destino foi similar ao de McFarland, e desde então ninguém olha para uma blusa de gola alta preta com os mesmos olhos.  

 

São tantas as histórias sobre empreendedores que se tornaram golpistas, ou de simples golpistas que conseguiram furar a bolha da alta sociedade de alguma maneira, que isso se tornou praticamente um gênero próprio de entretenimento. Dessa forma, não demorou muito para os estúdios começarem a criar as próprias versões das narrativas, “baseadas em fatos reais”, já exploradas em documentários e podcasts, mas agora com grandes nomes de Hollywood.  

 

Inventando Anna

Inventando Anna (Divulgação)

 

Só nos primeiros meses de 2022, foram lançadas cinco séries inspiradas em pessoas já exploradas em documentários e podcasts. Inventando Anna, na Netflix, foi a primeira das grandes produções, sobre Anna Delvey (na verdade, Anna Sorokin), a imigrante russa que fingia ser uma herdeira alemã perante a alta sociedade nova-iorquina. Na série, ela é interpretada por Julia Garner. O elenco também conta com Anna Chlumsky, a eterna Vada de Meu Primeiro Amor, no papel da fictícia Vivian, inspirada na jornalista Jessica Pressler, reconhecida por escrever sobre o caso. E sabe quem tem uma menção honrosa? O McFarland e seu querido Fyre Festival. 

 

The Dropout, estrelado por Amanda Seyfried, , uma das séries de golpistas

The Dropout, estrelado por Amanda Seyfried (Divulgação)

 

Elizabeth Holmes, por sua vez, até o fim do ano terá duas versões de sua história. A primeira é uma série, The Dropout, já disponível na Star+ estrelando a belíssima Amanda Seyfried, que muda até o tom de voz e o jeito de sorrir para incorporar a personagem. A segunda versão será um filme dirigido por Adam McKay e estrelado por Jennifer Lawrence, Bad Blood, que será lançado na AppleTV+. 

 

Por outro lado, nem sempre os golpes retratados são de fato criminais. Como no caso de Adam Neumann e a empresa WeWork, onde a história é sobre a criação e o fracasso da companhia. Além do podcast WeCrashed em 2020, o documentário WeWork: Or the Making and Breaking of a $47 Billion Unicorn, que foi uma das atrações principais da conferência de inovação SXSW em 2021. Neste ano, o megaevento contou com a versão televisiva de WeCrashed, pela Apple TV+, na qual Jared Leto e Anne Hathaway dão vida ao empreendedor israelense e sua esposa. 

 

WeWork: Or The Making and Breaking of a $47 Billion Unicorn

WeWork: Or The Making and Breaking of a $47 Billion Unicorn (Divulgação)

 

Há algumas conexões curiosas entre essas séries e, por incrível que pareça, tudo é culpa de Anthony Edwards, o ator conhecido por interpretar o doutor Mark Greene na série ER. Provavelmente uma coincidência, o ator dá vida a personagens que abrem as principais portas para que Anna Delvey e Adam Neumann pudessem seguir adiante. No caso de Inventando Anna, ele interpreta o consultor financeiro Alan Reed, que dá à garota a credibilidade necessária para conseguir investimentos maiores de bancos e instituições financeiras para a Anna Delvey Foundation, enquanto em WeCrashed ele interpreta o banqueiro Bruce Dunlevie, da empresa Benchmark, que investe em startups promissoras. 

 

Dunlevie e Benchmark foram de fato extremamente envolvidos no crescimento da Uber, outra empresa que também ganhou uma versão de sua história pela Showtime, Super Pumped: The Battle for Uber, com Joseph Gordon-Levitt como Travis Kalanick, o cofundador da marca. Sua saída da Uber foi ainda mais truculenta e escandalosa do que o afastamento de Neumann da WeWork, que aconteceu mais ou menos na mesma época e, por consequência, foi também retratada na série da AppleTV+.  

 

Super Pumped: The battle for Uber, com Joseph Gordon-Levitt como Travis Kalanick

Super Pumped: The battle for Uber, com Joseph Gordon-Levitt como Travis Kalanick (Divulgação)

 

Não foram apenas os dois empreendedores anteriores que, em desgraça, tiveram seus caminhos cruzados. Todas essas histórias de Anna Delvey, Billy McFarland, Elizabeth Holmes, Adam Neumann e Travis Kalanick são contemporâneas. E como a arte imita a vida, e vice-versa, as séries também foram produzidas e lançadas relativamente na mesma época, por isso as coincidências de elenco e de enredo. 

 

LEIA MAIS:

 

No fim das contas, é difícil entender o porquê de o gênero fascinar tanto. Talvez por serem produtos e pessoas conhecidas, ou porque questionam todos sobre o que fazer em determinada situação. Quem sabe? A única garantia é que histórias assim continuarão acontecendo, filmes e séries serão produzidos e, a nós, o que nos cabe é aproveitar o entretenimento. 

 

Por Miriam Spritzer | Matéria publicada na edição 125 da Versatille

Para quem pensa em ir para o Japão em busca de uma nova vida, também poderá procurar empregos aqui.