Ana Martins Marques fala sobre “Risque Esta Palavra” e linguagem poética
Em seu novo livro, a autora observa o mundo ao redor e explora a capacidade de criação por meio do léxico
O poder de uma palavra. Se uma única unidade da língua escrita pode ter inúmeros significados, do que é capaz a combinação delas? Para Ana Martins Marques, a resposta para essa pergunta é: objeto de estudo. A escritora mineira, um dos nomes mais aclamados da poesia contemporânea, explora a fundo essa pesquisa em seu livro mais recente, Risque Esta Palavra.
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A obra apresenta uma observação minuciosa sobre a vida ao redor, clássica no trabalho de Ana, e a capacidade de criação de novos mundos por meio do léxico – quando colocado de forma tão magistral quanto é feito no livro. Não só sobre o vocabulário, Risque Esta Palavra é uma reflexão sobre o sujeito diante do verbo, sobre quem somos (ou o que podemos ser) por meio da palavra. “Às vezes sim me ocorre encontrar uma palavra/apenas quando a encontro/ela se parece com um buraco/cheio de silêncio”, diz.
Em entrevista por e-mail à Versatille, a poeta conta que cada texto de Risque Esta Palavra, escrita ao longo dos últimos anos, “tem a própria história”. “Vários poemas tiveram como impulso inicial textos de outros autores, ou mesmo obras visuais”, afirma. Veja, a seguir, trechos da conversa sobre essa intensa viagem pela linguagem.
Versatille: Quando a escrita e a literatura entraram em sua vida?
Ana Martins Marques: Comecei a escrever poemas ainda criança, por volta dos 9 ou 10 anos, mas só fui publicar depois dos 30. Em 2007, ganhei, com um livro inédito, o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, numa categoria voltada para autores estreantes, e no ano seguinte recebi novamente o mesmo prêmio, na categoria Poesia. Essas premiações foram muito importantes para mim, que estava então às voltas com uma grande insegurança em relação à qualidade do que escrevia. Os dois conjuntos de poemas premiados nesses concursos deram origem ao meu primeiro livro, A Vida Submarina.
V: Como foi o processo de escrita dos poemas?
AMM: Ando com um caderninho na bolsa e vou fazendo anotações de coisas vistas, lidas, ouvidas. Os poemas vão sendo escritos aos poucos, a partir dessas anotações de imagens, versos, citações. Depois disso, há ainda outra fase, de seleção e arranjo dos textos para formar um livro. Considero que essa etapa é um novo processo de escrita, porque a organização dos poemas no livro pode alterá-los significativamente.
V: Qual é o papel e o poder da palavra? E do silêncio?
AMM: Uma das operações da poesia consiste em voltar-se para a língua de todo dia, com a qual lidamos cotidianamente para fazer coisas (comprar pão, sapatos, pedir favores, fazer promessas), e mostrar de que material ela é feita. No poema, importa não só o sentido das palavras, mas sua espessura, seu peso, sua velocidade, suas relações de vizinhança e atrito.
Tão importante para a poesia quanto a palavra é o silêncio. Com o corte, com o vazio da página, com os espaços em branco entre os versos e entre as estrofes, o poema aprendeu a figurar o não dito, tornar o ausente presente.
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V: O que é poesia para você?
AMM: É uma pergunta difícil. Na verdade, não sabemos bem (também e talvez sobretudo aqueles que escrevem poemas) exatamente o que a poesia é. A poesia é uma das formas literárias mais antigas, mas também lugar permanente de crise e reinvenção. As fronteiras do literário são incertas, não cessam de se reconfigurar, e as fronteiras da poesia também. O fato é que parece não haver, ou ao menos é difícil delimitar, algo específico ou essencial à poesia (nem uma forma determinada, nem um registro de linguagem, nem a presença de temas específicos são condições necessárias hoje para caracterizar o poema ou a poesia). Ainda assim, se eu tivesse de caracterizar a poesia de algum modo, diria que ela tem a ver com uma espécie de intensificação da linguagem. Para mim, é uma experiência acionada por determinados textos, ou por um determinado modo de leitura que tem a ver com uma atenção para a materialidade das palavras e para a maneira como elas confinam com o silêncio.
Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 123 da Versatille